Josevita Tapety
As relações entre mercado
imobiliário formal e informal são indicadores diretos da elevação do nível de
renda e qualidade de vida da população. A partir dessa definição, compreende-se
que a informalidade é reflexo da produção urbana dentro do sistema capitalista
e, como tal, carece de estudos intensos e aprofundados a fim de se utilizar
este elemento como fator determinante na diminuição das diferenças sociais.
" A
informalidade não só é efeito, mas também causa da pobreza, na medida em que a
população residente em áreas informais é capturada por muitos 'ciclos viciosos'
que reiteram sua condição" Smolka.
A proposta de regularização da
propriedade informal, ao tempo em que oferece paliativos à situação que vai do
desconforto à miséria, institucionaliza as diferenças sociais na medida em que
define bairros de pobres, construídos em sistema compatível com a renda familiar
e capacidade de endividamento para
receber dessa população que, por sua vez irá, nesses distritos específicos,
desenvolver serviços compatíveis com a vizinhança e entorno, ora distantes dos
centros urbanos que redundam em altos custos de transporte, manutenção,
infra-estrutura e serviços, ora na formação de bolsões de miséria melhorada ou
assistida dentro do contexto urbano regular.
Através de programas
governamentais objetivando a diminuição
dessas diferenças, os índices referenciados para a definição da situação da
pobreza urbana parecem ter-se alterado
na última década.
"Definitivamente, o
crescimento espetacular do crescimento da informalidade, tanto nas periferias,
como no adensamento de áreas já 'consolidadas' em grandes cidades latino
americanas ( cidades como São Paulo e Rio de Janeiro) nas últimas décadas -
período de notável queda das taxas de crescimento populacional e diminuição da
imigração e relativa estabilização da percentagem de pobres - parece assinalar
outros fatores explicativos além do aumento absoluto e relativo entre pobres
urbanos: a falta de programas habitacionais, a diminuição de investimentos
públicos em equipamentos urbanos e serviços e o próprio vicio do planejamento
urbano. Todos fatores que,
definitivamente, incidem diretamente na oferta do solo urbanizado".
Smolka.
Além da titularização da
propriedade que atua como instrumento fomentador da diminuição das diferenças.
O fator tributação define controladores de preços e investimentos e tem o poder
de estimular o planejamento e investimento em qualidade de serviços, além de
educar os cidadãos no sentido de compreender suas obrigações e direitos no que diz respeito aos
gastos públicos. No sentido da formalização da propriedade, os tributos tem o
poder de influir diretamente no valor do solo como também pode ser agente de
otimização do uso deste pois, da mesma forma que os tributos chamam a atenção
da sociedade para contribuição, chama à responsabilidade os gestores do bem público.
Há que se considerar, além das
políticas tributárias e padrões urbanísticos referenciados como adequados e dentro das normas aceitáveis para
habitação humana, a flexibilização de tais padrões ante os investimentos de
cada agrupamento social em anos de ocupação de setores em que determinados
grupos sociais produziram espaços de convivência, soluções econômicas de sobrevivência
e assumiram os custos (físicos, emocionais e sociais) dessas ocupações
irregulares mas legítimas, face a ineficiência do Estado no seus papel de
gestor do solo urbano.
Os padrões mínimos de serviços
implantados versus padrões resultantes da
ocupação irregular na produção do espaço urbano carecem de estudo criterioso.
Serviços anteriormente sob responsabilidade do Estado (água e esgoto, energia
elétrica, coleta de lixo), em muitos municípios, passaram por processo de
privatização e, com isso, os padrões propostos foram também reduzidos a fim de
atender à meta proposta e compatibilizar custos com os efeitos da privatização.
As políticas e programas de
habitação popular no Brasil e na maioria das cidades latino americanas tem
resultado em importante redução do déficit habitacional. O sistema financeiro que
atua como regulador dos recursos para
construção da casa própria, passou a gerir também os investimentos e
fiscalizá-los ( como é o caso da Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil no
programa Minha Vida). O crescimento de
bairros regulares, inseridos no contexto urbano através de programas
governamentais, entretanto, tem-se transformado em núcleos desestruturados que
resultam em guetos sociais. Esses espaços, na hierarquia social, estão um nível
acima dos bairros e favelas resultantes de invasões em morros e beiras de rio
no que diz respeito à propriedade e titularização da terra, ao tempo que a
distância dos centros de negócios impõe, entretanto, maior custo de vida. O
fato é que, além da construção da casa popular, os investimentos em infra-estrutura
não acompanham o volume de financiamento de unidades habitacionais e
adensamento de certas áreas de periferia. Por sua vez, a formalização da
propriedade ocorre de forma ainda mais lenta.
É importante salientar que
bairros irregulares não se constituem exclusivamente de pobres , conforme
afirma Smolka, apesar da alta correlação entre pobreza urbana e assentamentos
informais e, segundo Durand-Lasserve , o
mapa da ilegalidade corresponder, grande parte, ao da pobreza. No Brasil, o
crescimento da população favelada aumentou cinco vezes mais que o número de
pobres nos últimos 20 anos. No Rio de Janeiro, segundo Abramo( 2002), os
investimentos em melhoria das favelas resultou numa valorização de 28% da
propridade. Chama a atenção ao fato de que investimentos em urbanização da
terra rústica por agentes privados chega a valorizar o patrimônio em até 100%.
Segundo Raquel Rolnik ( 1990) ,
2/3 da população de São Paulo reside em situações que violam os códigos atuais
de uso do solo e edificação. Certo é que esses assentamentos acontecem como
resultado da dificuldade de acesso à propriedade nas proximidades dos centros
comerciais e de negócios e se mantêm ilegais dado à ineficiência de todas as
tentativas de levantar os atuais índices
através de programas governamentais.
Invasões nos centros urbanos,
bases de morro e encostas, tem custo de melhoria e implantação de
infra-estrutura muito superior ao custo de estruturação urbana planejada. Pesquisas indicam ainda( segundo Abramo,
1999) que o custo de mão de obra para construir nas favelas do Rio é ao menos
10% superior à do mercado formal. Além
do custo ao edificar, reedificar e urbanizar, havemos que considerar também a
baixa qualidade resultante no setor formalizado
sem planejamento e sujeito à permissividade política.
Conclui-se assim que
investimentos em melhoria de assentamentos irregulares são mais caros, resultam
em menos valorização do que investimentos em setores rústicos. Tais
iniciativas, entretanto, contribuem para a melhoria geral da qualidade de vida
da população e reverte algum investimento em favor das classes menos
privilegiadas.
Na medida em que investimentos em
melhoria dos bairros propiciam a elevação do valor dos imóveis irregulares,
incrementa-se a comercialização desses imóveis e consequente transferência da
população para setores mais afastados e mais baratos. Os bairros recem
urbanizados passam a abrigar população de maior poder aquisitivo ao tempo que a
anteriormente residente se transfere para mais distante. A partir desse fato,
mais informalidade é gerada e novos investimentos são requisitados
continuamente . A economia informal se mantém, institucionaliza-se e gera novas
situações de informalidade, seguindo inclusive uma "lei " própria do
mercado baseada na necessidade de sobrevivência e subsistência.
No Brasil, a ocupação
supostamente programada, como é o caso das ocupações coordenadas pelo Movimento
dos Sem Terra, invadem áreas de risco, limites de rodovias e beiras de rio.
Formam aglomerados humanos em locais inadequados que, a curto prazo,
constituirão aglomerados caóticos que, mesmo que passem por processos de
formalização e titularização através de ações públicas.
Decisões políticas se sobrepõe
aos estudos técnicos e a geram institucionalização de desordem urbana. A
permissividade política de interesse eleitoreiro gera, portanto, situações de
difícil solução a posteriori.
A discussão quanto à eficácia da
regularização de assentamentos irregulares é tema que carece de atenção especial.
A determinação do Plan de Accion del programa Cities without Slums ( 2001) que
propos a melhoria da qualidade de vida para aproximadamente 1 milhão de
moradias e 5 milhões de pessoas tem caráter humanitário além de político. O investimento de 50% dos projetos
financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento em programas de
diminuição da pobreza resultou em urbanização e melhoria de assentamentos
irregulares. Cabe discutir, além dos investimentos em melhoria e recuperação de
assentamentos irregulares, o resultado desses investimentos no momento em que
geraram novas demandas. Parece claro que a oferta adequada de terra urbanizada
a preços acessíveis seria a solução definitiva para atender a necessidade da
população crescente e anularia a necessidade da posse ilegal. O diagnóstico dos
organismos internacionais de financiamento das cidades indica o investimento em
regularização fundiária como elemento fundamental na diminuição das diferenças
e tem sido implementado com o objetivo de modificar as situações de injustiça
social. Entretanto, compreende-se hoje que
o efeito real desses programas não tem assegurado o efeito proposto mas,
de fato, tem contribuído para a manutenção da informalidade e gera efeitos indesejados
na medida em que mantém o ciclo de criação da informalidade e regularização com
altos investimentos públicos.
O estabelecimento de uma cultura
fiscal, onde a carga tributária seja adequada à capacidade de pagamento, em que
a evasão de impostos seja mínima, incluídos os imóveis informais ( mediante
avaliação específica que contemple as diferenças físicas entre os vários
bairros, setores e situações de infra-estrutura existentes ou em projeto) em
cadastro devidamente atualizado permitirão a ampliação da arrecadação ao tempo
que propiciará ações públicas que resultarão em benefícios e possível redução
da informalidade. Ainda não se identificam sistemáticas de controle sobre os efeitos cíclicos desse procedimento.
Além do incremento do IPTU e
instituição de Contribuições de Melhoria, a adoção de Outorga Onerosa deveria
recuperar parte dos investimentos a serem realizados pelo Poder Público para
suprir as demandas geradas pelas altas densidades resultantes de novos
empreendimentos. Curiosamente, o Estatuto da Cidade, no Brasil, veda a utilização
dos recursos arrecadados com a Outorga em implantação de infra-estrutura, que
seria a demanda mais diretamente ligada ao aumento da densidade. Parece-nos
justo e conveniente que quaisquer mais valias resultantes do processo de
ocupação do solo sejam revertidas em alguma contribuição social. A ação dos
governos municipais, mediante a adoção de políticas tributárias eficazes e
contundentes sobre o valor da terra urbanizada, apesar da ingerência política,
é agente capaz de realizar as propostas admitidas como forma de melhoria da
qualidade de vida da população em geral.
As parcerias entre governos municipais,
estaduais e federais poderão assegurar acesso às linhas de financiamento que,
somadas às sistemáticas de participação social de fato e efetiva e a políticas
fiscais patrimoniais rigorosas, poderão gerar o desejado pacto social pela
diminuição da pobreza e consequente transformação das cidades em organismos
mais justos e equânimes, contanto que sejam estabelecidas regras que
neutralizem as regras do jogo imobiliário urbano capazes de propiciar equidade
e sustentabilidade às cidades.
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