segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Dilma e o Avatar.

 


Cinco usinas hidrelétricas fincadas na selva amazônica, sem qualquer acesso que não seja pelo ar (por meio de helicópteros), e operadas por meio de alta tecnologia – inédita em todo o mundo e desenvolvida pelo Brasil. Ao final da empreitada, alojamentos, canteiros de obra e demais instalações ao redor das hidrelétricas será removida. Uma vez em funcionamento, as usinas serão conduzidas por funcionários que se revezarão em turnos de trabalho. Helicópteros farão a troca de posto dos operadores – que, como nas plataformas de petróleo, ficarão isolados do resto do mundo em suas jornadas.

MP da hidrelétrica Avatar gera polêmica

Às vésperas da realização da Rio + 20, a primeira medida provisória editada pelo governo este ano gera discussão na área ambiental. Ela cria cinco hidrelétricas que parecem saídas do filme de James Cameron




Plantadas no meio da selva amazônica, as hidrelétricas "Avatar" terão tecnologia semelhante às das plataformas de petróleo

O governo brasileiro vai comprar mais uma briga com ecologistas às vésperas da Rio +20, conferência da ONU sobre meio ambiente a ser realizada em junho. Trata-se da entrada em vigor da Medida Provisória 558/2012, que, em resumo, altera limites de unidades de conservação federais na Amazônia para permitir a construção de usinas hidrelétricas. Como define seu artigo 1º, a medida diminui áreas do Parque Nacional da Amazônia; do Parque Nacional dos Campos Amazônicos; do Parque Nacional Mapinguari; da Floresta Nacional de Itaituba I e II; da Floresta Nacional do Crepori; e da Área de Proteção Ambiental do Tapajós. A intenção do governo ao editar a MP é a execução do Complexo Hidrelétrico de Tapajós, projeto de geração de energia desenvolvido pela Eletrobras que integra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

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A iniciativa tem enredo de cinema: cinco usinas hidrelétricas fincadas na selva amazônica, sem qualquer acesso que não seja pelo ar (por meio de helicópteros), e operadas por meio de alta tecnologia – inédita em todo o mundo e desenvolvida pelo Brasil. Ao final da empreitada, a estrutura de apoio – alojamentos, canteiros de obra e demais instalações – ao redor das hidrelétricas será removida. Uma vez em funcionamento, as usinas serão conduzidas por funcionários que se revezarão em turnos de trabalho. Helicópteros farão a troca de posto dos operadores – que, como nas plataformas de petróleo, ficarão isolados do resto do mundo em suas jornadas.

Na verdade, o que se deseja com a nova tecnologia é justamente reduzir os riscos ao ambiente. Com a retirada da estrutura ao redor das usinas tão logo elas fiquem prontas, acreditam os técnicos responsáveis pela operação, evitar-se-á a permanência ou a concentração de pessoas no local após as obras. Após a realização de outras obras semelhantes de grande porte, o que se verificou foi a criação de cidades sem qualquer ordenamento urbano, gerando grandes problemas ambientais. Ou seja, as unidades serão como ilhas de tecnologia cercadas de biodiversidade por todos os lados, e nada mais – à semelhança das plataformas de petróleo nos oceanos.

“É quase um filme de ficção. Isso tudo me fez lembrar o Avatar”, comparou o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, em entrevista concedida ao jornal O Globo no início do ano. Com a declaração, Lobão parecia querer emprestar um ar de leveza ao tema polêmico – a solução foi a analogia ao longa de 2009 dirigido pelo cineasta James Cameron, o filme que deu origem à nova era do cinema 3D, vencedor de cinco estatuetas do Oscar no ano seguinte – todas em categorias técnicas: direção de arte, fotografia e efeitos visuais.

Além do efeito visual amazônico, técnica é o que também não falta ao Complexo Tapajós, de acordo com o governo. A estimativa é de 10.683 megawatts extras de energia gerada para o país. Ao todo, serão “200.480 quilômetros quadrados de preservação para 1.979 quilômetros quadrados de intervenção” no perímetro de preservação alterado pela MP, que restringe a 1.070.736 hectares a área limitada. O rio Tapajós, em cujo curso será executado o empreendimento, está inserido no bioma de dois estados – Mato Grosso, sua origem, e Pará, onde seu curso deságua ainda na bacia do rio Amazonas. Com área menor de inundação, as hidrelétricas funcionarão no modelo “fio d’água”, que canaliza a força da correnteza.

Questionado pelo Ministério Público

Mas, a despeito de toda a engenhosidade e da expectativa criada pelo ineditismo do projeto, o instrumento que o viabiliza já está questionado pelo Ministério Público Federal. Em 9 de fevereiro, o procurador geral da República, Roberto Gurgel, ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade contestando a medida provisória, sob a alegação de que espaços territoriais especialmente protegidos só podem ter limites alterados por meio de lei “em sentido formal”.
Para Gurgel, a MP fere, ao alterar tais divisas, o princípio da reserva legal previsto na Constituição. Além disso, aponta o procurador, o empreendimento não está contabilizado no Plano Decenal de Expansão de Energia 2000, concebido pelo Ministério de Minas e Energia.
Filme didático
Para o governo, o projeto inédito e 100% nacional demonstra não só a compatibilidade entre meio ambiente e produção de energia, como também a possibilidade de produzi-la em maior escala a partir de delimitações geográficas menores e menos inundadas. Para emplacar a tese, texto e imagem foram conjugados e amplamente postos à disposição do internauta.

“Há uma extensa região, na bacia do rio Tapajós, que oferece condições de conciliar meio ambiente com a geração de energia. Aproveitando essa condição especial, o governo brasileiro apresenta o Complexo Tapajós. São cinco usinas em um arranjo espacial que permite ocupar pouco e preservar muito”, diz o vídeo elaborado pelo Sistema Eletrobras e veiculado no Youtube, em que a estatal ressalta as virtudes do projeto. Confira:


A tecnologia das usinas plataformas é inspirada no método de exploração de petróleo em águas profundas, como lembra a Eletrobras em outro vídeo postado na internet. Em ambos os filmetes fica clara a intenção do governo em garantir que o sistema é ecologicamente correto, apesar das dúvidas que pairam sobre um método inédito de geração de energia, com desempenho e resultados até hoje desconhecidos.

“Na construção e operação das usinas plataformas, os funcionários se revezam em turnos longos, e ficam acomodados em alojamentos temporários no local, exatamente como nas plataformas de petróleo. Não haverá vilas residenciais, e isso reduz a população no torno da usina. E menos gente é menos impacto na natureza”, argumenta. Até a piracema, época de reprodução de peixes, afirma-se, será resguardada pelo sistema, com canais construídos para ligar leito e reservatório da usina. “Quando acabar a construção, a área que antes recebeu a infraestrutura e os equipamentos necessários à obra será desocupada e reflorestada.”

Assista ao vídeo sobre as hidrelétricas-plataformas:

Em outro vídeo produzido pela Eletrobras, é possível visualizar como serão construídas as usinas-plataformas no meio da floresta e a posterior retirada da estrutura funcional – novamente, evidencia-se a preocupação governamental em demonstrar seu cuidado com a ecologia. Didáticas, as imagens sobre o novo modelo surgem a partir dos cinco minutos e 44 segundos de filme. Confira:


Em curso no Congresso

Em vigor desde 6 de janeiro, a matéria (leia a íntegra) assinada pela presidenta Dilma Rousseff e pelo ministro Lobão passa a trancar a pauta de votações em plenário a partir de 18 de março, esteja ela em tramitação na Câmara ou no Senado. O deputado Zé Geraldo (PT-PA) foi designado relator da matéria, mas ainda não emitiu seu parecer. Também subscrevem a MP os secretários-executivos Francisco Gaetani (Ministério do Meio Ambiente), Márcia da Silva Quadrado (Desenvolvimento Agrário) e Eva Maria Cella (Planejamento).
A MP 558, na verdade, é a reedição da MP 542/2011, que perdeu validade em 12 de dezembro por falta de consenso de lideranças, o que não permitiu sua votação em plenário. Assinada pelos ministros Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Afonso Florence (Desenvolvimento Agrário), a MP arquivada havia sido enviada em agosto ao Congresso e visava sanar entraves agrários nas cercanias dos parques ecológicos mencionados, além de excluir destes domínios áreas a serem alagadas por represas.
Na defesa da nova MP, Lobão garante que o Ministério de Minas e Energia e a Eletrobras seguirão à risca todas as “condicionantes” estabelecidas pelas autoridades ambientais. Em outras palavras, Lobão diz que o ministério vai se submeter, em nome da consecução do projeto, às restrições de execução impostas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), autarquia federal vinculada ao Meio Ambiente, que tem o servidor Francisco Gaetani entre os subscritores da medida provisória.

No texto da MP, diversos artigos fazem menção ao “órgão ambiental competente”, em mais um sinal de que o governo se prepara para o embate com ambientalistas e demais representantes de classe ligados ao tema. No artigo 6º, por exemplo, a medida admite, “dentro dos limites da zona de amortecimento do Parque Nacional dos Campos Amazônicos, atividades minerárias autorizadas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral e licenciadas pelo órgão ambiental competente, (…)”. Já no artigo 3º fica estabelecido que áreas “desafetadas” do Parque Nacional da Amazônia ficam destinadas a “projetos de assentamentos sustentáveis” a serem concebidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

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