Britânico reverte diabetes com dieta de apenas 11
dias.
Caso
reforça recente teoria, mas ainda traz dúvidas sobre eficácia em pacientes que
têm a condição há bastante tempo.
BBC - 12/08/2013
07h15
Na Grã-Bretanha, mais um caso de sucesso na
reversão do diabetes tipo 2 voltou a chamar a atenção para a teoria de que por
meio de uma dieta de restrição calórica, feita por um período determinado de
tempo, é possível se livrar da condição que afeta cada vez mais pessoas em todo
o mundo.
O jornalista britânico Robert Doughty, de 59 anos,
que até o ano passado estava entre os 371 milhões de portadores do diabetes no
mundo, reverteu o quadro da própria condição com uma dieta de apenas 800
calorias por dia.
Num período de apenas 11 dias, Doughty enfrentou o
duro regime de ingerir três doses diárias de shakes de reposição alimentícia
com 200 calorias cada, somada a uma uma porção de legumes e vegetais de mais
200 calorias. Como parte da dieta, ele também teve que tomar um total de três
litros de água por dia.
O drástico regime, que para efeito de comparação
tem menos calorias do que apenas um dos lanches vendidos pela rede de fast food
Mc'Donalds - o Big Tasty tem 843 calorias - não foi 'nada fácil de enfrentar',
contou o jornalista em entrevista à BBC Brasil.
'Frequentemente me sentia muito cansado... Uma
noite, depois de ir ao teatro, quase não consegui subir as escadas da minha
estação local de trem, e caminhar para casa parecia praticamente impossível.
Também sentia muito frio, chegando a colocar quatro camadas de roupa no meio do
verão, quando sentia meus dedos ficarem dormentes', disse o jornalista.
Doughty seguiu a dieta depois de procurar na
internet estudos referentes ao diabetes tipo 2. Antes de começar o regime, ele
procurou o pesquisador Roy Taylor, da Universidade de Newcastle, autor da
teoria da dieta de 800 calorias, além do próprio médico, de quem obteve o aval
para cortar as calorias diárias.
Ele já havia tentando uma dieta considerada menos
radical, com cerca de 1.500 calorias por dia, com a qual emagreceu, mas não
reduziu a glicose no sangue para o nível adequado.
A teoria
O diabetes tipo 2 se desenvolve quando o pâncreas para de produzir
insulina em quantidades suficientes para manter o nível normal de glicose no
sangue. No caso do diabetes tipo 1 - também chamado de diabetes congênito -, o
pâncreas para totalmente de produzir insulina, que precisa ser injetada no
paciente.
Nos dois casos, sem o controle adequado, o nível de
glicose no sangue alcança um patamar de risco, o que pode gerar a longo prazo
diversas complicações nos rins, pressão arterial alta, perda parcial ou total
da visão, problemas no coração, dentre outros males.
No caso da diabetes tipo 2, a condição está
fortemente associada à obesidade, uma condição que se alastra em todo o mundo.
Foi justamente a associação com a gordura que
intrigou professor Roy Taylor, da Universidade de Newcastle, no norte da
Inglaterra, quando iniciou seus estudos sobre o diabetes tipo 2 há dois anos.
Ele notou que pacientes que se submetiam à cirurgia
para redução de estômago passavam por um período de transição, logo após a
cirurgia, de redução drástica da quantidade de calorias ingeridas.
'Até se acostumarem com a redução do próprio
estômago, os pacientes comiam muito pouco, porque se sentiam saciados muito
rápido e tinham náuseas. Com isso eles perdiam muito peso, num espaço de tempo
bem curto', afirmou Taylor em entrevista à BBC Brasil.
Passados alguns meses depois do emagrecimento, o
pesquisador notou que a maioria dos pacientes que tinham diabetes tipo 2 tinham
se livrado da condição.
Todos eles tinham algo em comum: haviam perdido uma
grande quantidade de gordura na região abdominal.
Estudos preliminares mostraram, então, que esse
tipo de gordura, localizada na barriga, próxima de órgãos como o pâncreas e o
fígado, tinha uma associação com o desenvolvimento do diabetes tipo 2.
'Descobrimos que a gordura na região abdominal
provoca uma reação metabólica que dificulta a digestão da glicose pelo
pâncreas. A simples presença da gordura nessa região causa uma mudança no
metabolismo, que dificulta a produção de insulina', explicou Taylor.
Ao fazer a relação entre calorias ingeridas, tempo
gasto para perder peso e a quantidade de gordura perdida, principalmente na
região abdominal, Taylor chegou à teoria da dieta de hiper redução calórica.
'Cada pessoa é diferente, mas notamos que a redução
calórica para algo em torno de 800 calorias por dia causava a reversão do
diabetes. Alguns pacientes demoram mais que outros, mas todos conseguem
reverter a condição dentro de oito semanas', afirmou o pesquisador.
O estudo de Taylor foi divulgado em 2011, na
publicação científica Diabetologia.
Riscos
A dieta das 800 calorias é considerada segura, mas precisa ser feita com
acompanhamento médico, pois há vários riscos e fatores que devem ser levados em
consideração.
De acordo Taylor, o primeiro passo é saber se o
indivíduo está bem nutrido e não possui falta de vitaminas no organismo,
principalmente o ferro.
Ele ressalta que a dieta de hiper restrição calória
poderia ser um meio seguro de reduzir o índice de diabetes 'até mesmo em países
pobres, desde que todas as precauções sejam tomadas'.
'Seria importante, porém, se tomar extrema
precaução com pessoas que são mal nutridas, que devem ter os níveis de
vitaminas e especialmente o ferro verificados antes de se iniciar a dieta.
Ainda assim, seria muito barato prover suplementos vitamínicos para estas
pessoas e continuar a recomendar a dieta para reverter o diabetes'.
Curto
prazo X longo prazo
O Brasil ocupa a quarta colocação no ranking dos países com maior índice de
diabetes no mundo, com 13,4 milhões de portadores no país, o que equivale a
6,5% da população, de acordo com o último levantamento da Federação
Internacional do Diabetes (FID).
Em primeiro lugar está a China (92,3 milhões),
seguida da Índia (63 milhões) e Estados Unidos (24,1 milhões).
'Notamos que há uma relação direta entre aumento
poder de compra e o crescimento de casos de diabetes no mundo. Em Países como o
Brasil, China e Índia, onde a população está podendo consumir mais, o aumento
do diabetes é tipo 2 é assustador', ressaltou o presidente da Sociedade
Brasileira de Diabetes, Balduino Tschiedel, em entrevista à BBC Brasil.
Para Tschiedel, 'a pesquisa britânica de hiper
redução calórica na reversão da diabetes tipo 2 tem uma validade científica
muito grande, porque vem a confirmar a importância da alimentação como fator
fundamental no combate a doença'.
No entanto, ele ressalta que manter-se livre da
obesidade e consequentemente do diabetes tipo 2 por um longo período de tempo é
o maior desafio.
'O maior problema está em manter uma dieta adequada
por um longo período de tempo. Esse é o nosso maior desafio, porque envolve uma
mudança comportamental muito difícil de ser alcançada num mundo em que a oferta
de alimentos hiper calóricos é muito grande', explica Tschiedel.
Ele ainda ressalta que o esforço para combater a
obesidade e o diabetes envolve uma ação conjunta de várias entidades.
'Nós, da Sociedade Brasileira de Diabetes,
acreditamos que uma mudança nos hábitos da população só seja possível com um
conjunto de medidas que envolvam o governo, sociedade civil e a mídia num
esforço conjunto para conscientizar e educar as pessoas sobre a importância de
se manter uma alimentação mais saudável e atividades físicas regulares',
alerta.
No longo prazo, a eficácia da teoria do professor
Roy Taylor ainda está sendo testada.
'Notamos em nossos estudos, que as pessoas que
contraíram o diabetes tipo 2 há menos de quatro anos são as que melhor
respondem ao tratamento da dieta de 800 calorias. Com mais de quatro anos,
notamos que se torna mais difícil a reversão da diabetes tipo 2. Então, ainda é
muito cedo para dizer que o mesmo método vá funcionar em pessoas que têm
diabetes há muito tempo. Estamos tentando entender qual seria o melhor método
para essas pessoas', disse Taylor.
Genética
x hábitos
De acordo com estudos feitos na Universidade de Newcastle, a genética parece
não ser mais um fator fundamental no desenvolvimento do diabetes tipo 2.
'Mesmo pessoas com tendência genética ao diabetes
tipo 2 podem evitar o desenvolvimento da condição se mantiverem uma dieta mais
restrita de açúcares e uma rotina de exercícios regulares. O mais importante é
não chegar ao ponto de acumular gordura na região abdominal', explicou o
professor Taylor.
'Pessoas com histórico na família estão mais
suscetíveis a desenvolver o diabetes tipo 2, porque isto é uma tendência
genética. Mas o fato é que, qualquer pessoa pode desenvolver a doença pelo
simples fato de acumular gordura, principalmente na região do abdômen. Então,
hoje em dia, podemos dizer que as pessoas desenvolvem o diabetes tipo dois mais
por hábitos alimentares inadequados e falta de exercício físico - com um estilo
de vida sedentário - do que pela questão genética'.
O jornalista Robert Doughty disse que, apesar da
dieta ter sido difícil de ser seguida, ele não desistiu porque acreditou nos
benefícios.
'Durante a dieta, fiquei relembrando a mim mesmo os
benefícios do regime pare reduzir a glicose no sangue. O fato dos portadores do
diabetes tipo 2 terem 36% mais risco de morrer mais cedo e grandes chances de
ter ataques cardíacos, aneurisma, danos na visão e problemas de circulação que
podem provocar até esmo amputação de membros, e 50% mais chance de tomarem
medicação para o resto da vida, foi meu grande incentivo'.
Ele disse que sua maior alegria foi quando seu
médico ligou e disse: 'O seu diabetes se reverteu completamente, parabéns!'.