terça-feira, 3 de setembro de 2013

Heráclito, a Reencarnação e o Conhecimento

Heráclito, a Reencarnação e o Conhecimento
Heráclito, filho de Blóson, nasceu na cidade de Éfeso, colônia grega na Ásia Menor, cujo território hoje pertence à Turquia.
Membro de uma família aristocrática que conservava prerrogativas reais, Heráclito renunciou, em favor do irmão, a sua realeza hereditária e se recusou a participar do cenário político grego, causando espanto e repulsa em muitos dos seus concidadãos.
Elegeu para si mesmo uma vida filosófica dedicada ao estudo, ao exercício do pensamento e da observação. Abandonou a vida na cidade e retirou-se, primeiramente, para o templo de Ártemis; depois foi viver sua vida como misantropo nas montanhas, alimentando-se apenas de ervas e plantas da região.
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Templo de Ártemis
Ao contrário dos pensadores da época, não consta nenhum registro histórico de viagens realizadas por ele com a intenção de expandir o próprio conhecimento e, tudo indica que passou toda a sua vida em Éfeso.
Heráclito não aceitou ninguém como discípulo e não teve nenhum mestre, pois dizia que é necessário conhecer a si mesmo e estudar as coisas por meio da própria inteligência.
Mas, isso não implica dizer que o seu pensamento estava isolado do saber e da cultura do seu tempo, muito pelo contrário, podemos fazer uma ligação entre as suas ideias e as de filósofos comoTalesAnaximandro e Xenófanes.

Um filósofo “obscuro”?
Não se sabe ao certo quantos livros foram escritos por Heráclito, mas temos conhecimento de uma das suas obras que recebeu o título de Sobre a Natureza. Esta obra se espalhou rapidamente, circulando por toda a Grécia por um bom período de tempo, antes de se perder com o avançar das épocas.
O livro foi escrito num estilo enigmático, semelhante às sentenças oraculares, e repleto de trocadilhos, paradoxos, antíteses, entre outras várias técnicas literárias e retóricas. A intenção de Heráclito era produzir expressões que tivessem um sentido além do óbvio e que incitassem a reflexão do leitor.
Ele não era um homem que fazia revelações esplendorosas ou que concedia ensinamentos mastigados para os outros. O sentido real das suas mensagens está codificado em aforismos complexos e cabe ao interessado o trabalho de aprender a interpretá-las.
A criação dessa obra tão enigmática junto com uma postura e modo de vida que rompiam com os padrões tradicionais da sociedade grega, serviram de base para que muitos filósofos lhe atribuíssem o apelido de Obscuro.
Heráclito também é caracterizado como uma pessoa arrogante, melancólica, cheia de desprezo pela plebe, pelos poetas e pelos outros filósofos, o que impulsionou a propagação da imagem de obscuro adquirida por esse sábio e que repercute até os dias atuais.
No entanto, é importante ressaltar, que esta personalidade foi construída através de diversas citações deixadas por pessoas que viveram anos após a morte de Heráclito e, como veremos a seguir, podem estar sujeitas a má-interpretação.

Logos
Apesar de tecer críticas aos sacrifícios religiosos e ao fato das pessoas dirigirem suas preces a estátuas, ele afirmava que a religião tradicional não está totalmente errada, mas expressa a verdade de forma incorreta.
No entanto, Heráclito discordava arduamente da visão antropomórfica atribuída a Deus pelos homens. Assim como Xenófanes, ele acreditava em um Deus único e o nomeou de Logos, aquele que exprime a Verdade e a realidade eterna. O Um está em Tudo, e o Tudo está no Um.
Outro ponto importante da sua teoria é a atribuição do Fogo como o elemento constituinte do espírito, isto é, o princípio único. Dessa forma, Heráclito apresenta uma nova concepção para o espírito que deixa de ser apenas a força vital e o centro da personalidade para, pela primeira vez, ser determinado como o princípio racional.
Mesmo sem ter recebido influências de outros mestres e não ter viajado para a fonte dos ensinamentos místicos no Oriente, Heráclito nos presenteou com mensagens profundas sobre o espírito, a lei do Karma e a Reencarnação, comprovando assim, que a capacidade de obter avanços no conhecimento espiritual não possui restrições territoriais ou intelectuais.
“Não encontrarás os limites da alma, porquanto tu percorras as suas sendas: tão profundo é o seu Logos”.
Nessa passagem ele afirma que o espírito não pode ser medido através das nossas concepções físicas. Assim, como Deus, ele não possui extensão, ou seja, é ilimitado.

Reencarnação e Karma
Heráclito tinha o entendimento de que o corpo físico, após a saída do espírito, perde a sua utilidade, entra em decomposição e os seus elementos sofrem algum processo de transformação.
“O homem, na noite, acende a si mesmo uma luz, quando a lua dos seus olhos se apaga. Vivo, toca na morte, quando adormecido; acordado, toca os que dormem”.
A crença na Reencarnação está nitidamente presente no fragmento acima. Por meio do seu estilo enigmático, Heráclito desenvolveu essa expressão fazendo uma correlação entre noite-dia, vida-morte, que está em concordância com os ensinamentos das mais espiritualizadas mentes orientais que escreveram acerca da reencarnação.
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Ele também afirmava que os vivos e os mortos são idênticos e que o espírito de uma pessoa viva provém dos mortos.
Apesar de não entrar em detalhes específicos sobre o processo funcional da reencarnação, Heráclito deixa bem claro que o grau de pureza espiritual é o fator determinante para o que virá a acontecer com o espírito após a morte. O destino do espírito humano é determinado pelo seu caráter, ou seja, pelos seus pensamentos, humores, vontades, palavras e ações.
“A embriaguez prejudica a alma, fazendo com que ela se torne úmida, enquanto uma vida virtuosa mantém a alma seca e inteligente”.

Conhecimento
Heráclito repudiava a preguiça da sociedade em procurar o divino. Para ele, assim como paraXenófanes, a compreensão de Deus é a coisa mais importante que um ser humano pode obter na vida, dessa forma, o estudo e a contemplação acerca das obras do divino devem ser os dois principais objetivos da existência de cada ser humano.
As pessoas caminham pela vida em um estado contínuo de sonambulismo, presos em um mundo privado, sem entender o que está acontecendo à sua volta e dentro deles próprios.  Elas são hostis às ideias com as quais não estão familiarizadas, mas aceitam as tradições e imposições das autoridades inconscientemente, sem questionamentos e reflexões, desperdiçando a capacidade intelectual inerente à mente humana.
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Todos nós possuímos a capacidade de cultivar a inteligência e de expandir a nossa introspecção e sabedoria através da prática do pensamento crítico e da observação atenta dos fenômenos naturais. Para contemplar a beleza divina, o homem deve direcionar sua capacidade de ver e ouvir ao Logos.
As leis de Deus regem todas as manifestações encontradas na Natureza, isto é, podemos perceber a beleza divina por trás de todos os fenômenos naturais. Para compreender essas leis, é preciso superar as barreiras impostas pelo mau uso dos sentidos ao longo da vida e passar por cima de todos os aspectos superficiais do mundo material.
Com essa concepção, Heráclito reforça a mensagem deixada por Tales de Mileto de que “todas as coisas estão cheias de deuses”.
Quanto mais expandimos a nossa sabedoria, mais nos assemelhamos ao divino. Mas, segundo Heráclito, não é preciso empanturrar-se de conteúdo escrito por outros filósofos para alcançar aVerdade. Muito pelo contrário, o passo mais importante dessa caminhada transcendental é a capacidade de analisar a si próprio, isto é, o autoconhecimento.

Fluxo e Dualismo
Heráclito ficou conhecido na história filosófica como o propositor da doutrina do mobilismo universal. Ele enxergava tudo em perpétua mutação, cada episódio como o prelúdio do episódio seguinte. Todas as coisas fluem e se transformam eternamente, modificando a sua essência, mas nunca a identidade.
Uma coisa transforma-se em outra através de um ciclo de mudanças. O que é constante não são as coisas, mas o próprio processo contínuo de mudança. Como exemplo prático para a sua teoria, ele afirmava que uma pessoa não pode entrar duas vezes no mesmo rio, porque, ao entrar pela segunda vez, as águas do rio não serão as mesmas, e, além disso, a própria pessoa será diferente.
Outro ponto que é de fundamental importância no pensamento de Heráclito é a eterna luta entre os opostos.
A existência desses pares de opostos não possui um caráter negativo, pelo contrário, é por meio da guerra entre eles que movimento eterno e a harmonia do Universo são mantidos. A realidade que conhecemos não acontece em apenas um dos opostos, mas sim, na mudança. Essas duas partes não se excluem, formam, porém, apenas uma ideia, uma coisa, um ser.
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Heráclito entendia que se as coisas não fossem misturadas entre si, se cada uma fosse completamente distinta das outras, não teríamos capacidade de compreendê-las. Como entender a paz se não existisse a guerra? Como diferenciar o macho se não existisse a fêmea? Como identificar a música se não houvesse sons graves e agudos?
Não se pode negar a influência das proposições de Anaximandro nos escritos deixados por Heráclito. As teorias do eterno movimento e da eterna guerra entre os opostos foram elaborada pelo sábio de Mileto, antes de serem adaptadas e marcadas na história pelo sábio de Éfeso.

Princípio único
“Este cosmos, igual para todos, não fez nenhum dos deuses, nem nenhum dos homens, mas sempre foi, é e será um fogo eternamente vivo, acendendo-se e extinguindo-se conforme a medida”.
Seguindo o padrão filosófico dos três pensadores de Mileto, Heráclito também lançou o seu conceito de princípio único, ou arché, e atribuiu esse posto ao Fogo. O Universo é gerado a partir do fogo, e de novo reduzido ao fogo em ciclos de tempo, por toda a eternidade.
Além de ser o único elemento que não pode ser concebido senão como movimento, o fogo também é o símbolo da mudança, da impermanência, se encaixando como uma luva na eterna luta entre os opostos propagada por Heráclito.
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Esse fogo concebido por Heráclito como princípio único não é o fogo material que nós conhecemos. Quando os opostos se encontraram pela primeira vez, o Fogo gerado por esse choque deu origem a tudo, e, é ele que mantém esses opostos nessa luta contínua.
“O caminho para cima e o caminho para baixo são um único e o mesmo caminho”.
Para Heráclito, todas as coisas seriam graus, estágio ou mesmo estados distintos desse princípio único. Ele representou esse pensamento no fragmento acima onde explica que o Fogo pode transformar-se em outros elementos através do caminho para baixo e, através do caminho para cima, os elementos podem ser convertidos de volta ao Fogo. Podemos encontrar a base dessa teoria nos ensinamentos deixados por Anaxímenes referentes à condensação e rarefação do Ar Primordial.

Legado
A figura de Heráclito foi bastante incompreendida pelos seus contemporâneos e pelos filósofos que escreveram a seu respeito séculos depois.
Considerado, por muitos, como uma pessoa que menosprezava os outros membros da sociedade. Heráclito apenas defendia seus ideais e padrões morais sem se preocupar em medir o teor das suas palavras, deixando assim, tanto os poderosos quanto os plebeus insatisfeitos por tais atitudes.
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Heráclito não era um homem apenas de palavras e sua maneira de agir revolucionária e reformista serviu para moldar a imagem destorcida que temos dele atualmente. Não se deixou seduzir pela nobreza, não acreditava nas boas intenções dos políticos e, ao mesmo tempo, desprezava as opiniões dos homens comuns que, para ele, viviam em um estado de sonambulismo, cegos pelaignorância.
Ao mesmo tempo, pregava uma vida sem luxúria e voltada para a Natureza e para o conhecimento divino. Heráclito sabia que essa vida era apenas uma das várias outras que os filhos de Deus teriam a oportunidade de viver e que os erros e acertos cometidos pelo ser humano durante a vida definem os rumos que espírito tomará em encarnações futuras.
O químico Lavoisier afirmou que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” muitos séculos após Heráclito ter deixado escrito na história seus belos ensinamentos sobre mobilismo universal.
O pensamento desse filósofo vai mais além e pode ser observado no Princípio da Incerteza do físico quântico Heisenberg, que diz ser impossível afirmar com perfeita exatidão o posicionamento de um elétron em um átomo.
Várias hipóteses foram levantadas sobre a morte de Heráclito, mas a maioria diverge entre si, contendo críticas e gozações acerca do estilo de vida seguido por ele e sobre seus ensinamentos “diferentes”.
Mesmo sem ter deixado nenhum discípulo direto, o legado de Heráclito ecoou rapidamente por toda a Grécia e viria a ser estudado profundamente por filósofos posteriores.

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