Confesso: há muitos anos carrego comigo uma culpa imensa que
me dói na alma. O Restaurante era furtado diariamente. Gang de garçons e, garçonetes, auxiliares e
cozinheiros levavam comida, bebida, utensílios. Certo dia foi constatado, além
de tudo isso, sumiço de dinheiro do caixa e o office boy foi indicado pelo
comprador como suspeito. Era uma rapaz de 18 anos que precisava muito do
emprego para estudar na cidade. Cícero era um bom menino, educado, honrado.
À
época, movida pela pressão da situação inteira, aceitei a denúncia e despedi o
rapaz. O olhar de revolta, frustração e indignação dele demonstrava que aquela era
uma injustiça terrível. A inexperiência de 26 anos atrás me levou a cometer
essa injustiça da qual não me perdoo e, todos os dias, em minhas orações peço
perdão àquele espírito injustiçado por mim. Tenho – hoje – total consciência da
dor que aquele jovem sentiu.
O propósito das situações colocadas por Deus em nossas vidas
é sempre desconhecido até que nos permitimos desprendermos de nossos egos
imensos que devoram nossas consciências e nos admitimos inteiramente
insuficientes na percepção da dor alheia. À medida em que olhamos nossas
dificuldades e insuficiências de frente, tornamo-nos capazes de perceber o
quanto estamos distantes da divinização e da santidade a que nos dispomos.
As motivações egocêntricas e egoístas nos levam a cometer
delitos imperdoáveis contra as outras pessoas, sempre com a convicção da razão
e do direito: por que sempre pensamos no nosso umbigo, nossos problemas, nossas
vidas. As vidas alheias - espelho de
nossas dificuldades – passam desapercebidas ou ignoradas e, com isso,
desperdiçamos as oportunidades maravilhosas de aprimoramento espiritual,
amadurecimento e crescimento enquanto seres humanos. Muitos adquirimos
loquacidade, tenacidade, sagacidade e acúmulo intelectual, diversos processos
mentais que levam nosso ego a crer nos direitos que nos convencemos de ter.
Ilusão! Cada sofrimento causado a outrem se reflete drasticamente
e de maneira contundente em nosso destino, nossa felicidade. Todo mal causado a
outrem se reflete em nossas vidas em mal semelhante ou de maior intensidade.
Depende apenas de quantas vezes persistimos no equívoco. Quanto maior a certeza
egocêntrica da impunidade pelo engano da desculpa da boa intenção, maior o
equívoco. Quanto maior o mal causado, maior a consequência: seja nesta vida ou
em vida posterior. Isso se reflete em todas as pessoas de nossa relação por que
somos todos conectados em espírito em todos os reinos da natureza.
Recebi a paga daquela injustiça e pago o pecado há anos. Qualquer
motivação dos meus algozes, embora torpe, espelha a injustiça que cometi. A
pressão do momento, a inconsequência, fragilidade, o que for, não justificam a
falta de sensibilidade: naquele momento eu estava ocupada em sobreviver aos
transtornos causados por mim mesma ao assumir responsabilidades além da minha
capacidade de suportar pressão social, emocional, física.
Adoeci. Se a calúnia lançada contra mim foi capaz de me
colocar em profunda depressão por tanto tempo, imagino o que aquele rapaz sente
até hoje, sem a chance de receber meu pedido de perdão.
Há algo, porém, que redime a tudo em nível espiritual: o
reconhecimento da culpa e a responsabilidade no pedido sincero de perdão. No
campo da materialidade, o sistema de gestão da vida trata de colocar tudo
dentro da normalidade e as farsas, cedo ou tarde, são desmascaradas.
Nada fica impune.
Josevita Tapety Pontes
03.03.2017
Um comentário:
Bela e importante reflexão.
Adorei a leitura. Ajuda a fazer um "mea culpa".
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