Reintegração de posse destrói sonhos de 100 famílias em Murici
Acampamento Bota Velha
Acampamento Bota Velha
Sede onde as famílias se reúnem no acampamento
Acampado trabalhando na Casa de Farinha de Bota Velha
Entrada do acampamento Bota Velha, em Murici
Hoje, 19 de janeiro de 2011, um dia antes da data prevista para a reintegração de posse do acampamento Bota Velha, em Murici, foi publicada uma reportagem onde a manchete foi supostamente uma afirmação da CPT: “O sangue vai dar na canela”. Porém, tal frase jamais sairia de um organismo cristão.
De acordo com os representantes da CPT em Alagoas, em nenhum momento a entidade previu um clima hostil em uma reintegração de posse, muito pelo contrário, sempre prezou pela paz. Jailson Tenório, coordenador da zona da mata, ressalta que somente neste mês de janeiro já houve quatro reintegrações e em nenhuma houve conflito.
O caso de Bota Velha é destacado porque as famílias acamparam muitos anos antes de a Usina Santa Clotilde arrendar esta fazenda, o que só aconteceu em 2006, e durante todo este tempo o acampamento se manteve produzindo. Apenas em 2010 a Usina resolveu entrar com a reintegração de posse que está marcada para amanhã (20/01).
Os trabalhadores rurais do acampamento mencionado estão há 9 anos produzindo alimentos, morando, criando e educando seus filhos e filhas. São mais de 100 famílias que hoje vivem momentos dramáticos, pois toda a vida do acampamento está estruturada, com vários hectares de terras plantados; energia elétrica nas casas de taipa (não mais barracos de lona), muitas cobertas com telha, assim como a casa de farinha; duas sedes, com 3 turmas de escola funcionando, as quais foram alvo de reportagem da Gazeta de Alagoas em meados de dezembro de 2010.
A notícia da reintegração de posse chegou como mais uma tempestade no município devastado pelas enchentes do inverno passado, o qual recebeu a solidariedade do acampamento, através da distribuição dos alimentos lá produzidos para saciar a fome dos desabrigados. Em termos cristãos, Bota Velha repartiu do pão e agora está entregue a própria sorte.
Mais informações: (82) 9127-2364 / (82) 9127-2364 / (82) 9127-5773 / (82) 9341-4025
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Setor de Documentação e Comunicação - (82) 3221-8600
O pão que o Estado amassou
*Carlos Lima
O ano de 2011 para as famílias acampadas começou de forma impactante. Não passou nem o primeiro mês do ano o Juiz Agrário, Airton Tenório, e o Governo de Alagoas – no segundo mandato de Teotônio Vilela, com um giro ainda mais à direita – estão com disposição de leão.
Eles Já desalojaram 123 famílias, destruindo moradias e alimentos, num Estado de esfomeados. Já foram destruídos, somente em janeiro, 63 hectares de alimentos nos acampamentos acompanhados pela Pastoral da Terra (em Messias, nos acampamentos Pachamama: 40 famílias e 05 hectares de alimentos destruídos; Baixa funda: 26 famílias e 10 hectares de alimentos; Flor do Bosque 2: 18 famílias e 33 hectares destruídos e; Gitirana: 39 famílias e 15 hectares de alimentos destruídos). No caso do acampamento Gitirana, este merece um comentário a parte. Em visita ao imóvel, o juiz disse a este coordenador e aos acampados que área era improdutiva e ele não daria reintegração de posse, mas concedeu.
A Vara Agrária e governo estão utilizando a estratégia de promover tamanha violência no inicio do ano, que enquanto ainda reina o clima de comemorações ou férias, as reintegrações estão acontecendo numa velocidade assustadora (quem dera a reforma agrária caminhasse no mesmo ritmo), numa clara intenção de passar o rolo compressor sem que haja qualquer tipo de reação da sociedade.
Na próxima quinta, 20 de janeiro, está agendada a reintegração de posse da fazenda Bota Velha, em Murici, cidade arrasada pelas chuvas que caíram em junho de 2010, na qual centenas de famílias estão desabrigadas, 489 morando de forma indigna em barracas, esquecidas pelo poder publico. Na tragédia de junho os acampamentos e assentamentos da região doaram muitos alimentos aos atingidos. O Estado, que ainda não construiu uma casa sequer para as vitimas das enchentes, pretende ampliar para 589 o número de barracas.
Numa reintegração como a do acampamento Bota Velha – onde as 100 famílias estão há 9 anos produzindo alimentos e construindo vida em comunidade, com escola, capela, catequese e energia – não se trata apenas de um despejo, mas de colocar uma “pá de cal” na vida de muita gente. Gente jovem, gente idosa, gente criança, seres humanos, filhos desta pátria, que enxergam na reforma agrária a possibilidade de voltar a viver, de construir futuros, de buscar horizontes.
As “outoridades” que vão empurrar essas famílias para as periferias de Murici e Maceió, entregando-as como reféns do tráfico e da marginalização, decidem a vida das pessoas, a partir dos seus mundos, de suas castas, com salários robustos, dos seus compromissos de classe.
Caso o despejo da Bota Velha seja concretizado, vamos chegar à soma de 223 famílias despejadas e 95 hectares de alimentos destruídos. Considerando que o despejo pode acontecer no dia 20 de janeiro, vamos ter uma média de 11,15 famílias desalojadas por dia e 4,75 hectares de alimentos destruídos por dia. Fica difícil não fazer uma relação direta com 56% da população consideradas pelo senso do IBGE como extremamente pobres.
A vida, a dignidade da pessoa humana deve prevalecer diante de injustiças centenárias. O Estado criado para regular a sociedade não deve continuar apoiando as mesmas elites escravocratas de sempre, tem que incluir as famílias e garantir terra, moradia e renda. Do contrário, estamos próximos da barbárie.
*Coordenador da Comissão Pastoral da Terra em Alagoas (CPT/AL) e formado em história pela UFAL
Revisão e edição: Lara Tapety
Acesse o blog: www.cptalagoas.blogspot.com
Também no twitter: @cptalagoas
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