Desmatamentos e ocupação de áreas que deveriam ser preservadas, somados às chuvas cada dia mais intensas, são a combinação perfeita para o drama das enchentes.
Nova Friburgo (RJ) - O bairro de Duas Pedras ficou destruído com as fortes chuvas que atingiram o município de Nova Friburgo, na região serrana do Rio de Janeiro. Valter Campanato / ABr
Pouco mais de mil quilômetros separam o palco das enchentes e Brasília, arena onde deputados ligados ao agronegócio batalham por mudanças drásticas no Código Florestal brasileiro. Por esta estrada cruzamos alguns dos mais de 100 municípios em situação de emergência ou calamidade pública no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Na paisagem, dois dos biomas brasileiros mais desmatados: a Mata Atlântica, que perdeu 93% de sua cobertura florestal, e o Cerrado, devastado pela metade.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e da ONG SOS Mata Atlântica, na última década, o ritmo de desmatamento da Mata Atlântica se manteve em torno de 34 mil hectares ao ano, uma área equivalente a quase 350 mil campos de futebol de mata nativa. No Rio de Janeiro, estado mais castigado pelas chuvas, mais de 80% de floresta já foi desmatado.
Também segundo o INPE, os últimos 60 anos foram de aumento gradativo da intensidade das águas. Chuvas acima de 50 mm por dia, algo raro até a década de 1950, hoje ocorrem entre duas a cinco vezes por ano na cidade de São Paulo, por exemplo. No dia de maior temporal em Nova Friburgo foram 182,8 mm, o que equivale a dizer que para cada metro quadrado, quase 183 litros de água caíram do céu. Em Teresópolis foram 124,6 mm de chuva.
“Eventos extremos, que tendem a aumentar por conta das mudanças climaticas, têm sido cada vez mais freqüentes e intensos. Se há dúvidas sobre como lidar com o problema, existe ao menos a certeza de que a solução não é a derrubada de mais floresta”, diz Nicole Figueiredo, coordenadora da Campanha de Clima do Greenpeace.
Enquanto isto, em Brasília, os deputados ruralistas insistem em transfigurar a legislação florestal. É o caso das Áreas de Preservação Permanente (APP), cuja função é proteger margens de rios, encostas e topos de morros, garantindo a estabilidade geológica e a proteção do solo. Se depender da turma da motosserra, algumas faixas de APP serão reduzidas até pela metade. A proteção de beira de rios com larguras de até cinco metros, por exemplo, passariam dos atuais 30 metros para 15. Ficariam liberados para ocupação também os topos de morro, montes, montanhas e serra e áreas de várzea.
Para visualizar o resultado do ideário da motosserra, basta olhar as imagens da tragédia da região serrana. Aos pés de morros lambidos pela terra, o fruto deste tipo de ocupação e do desmatamento de áreas que deveriam ser preservadas, à revelia do que hoje prevê o Código Florestal, é de pura destruição.
“A legislação florestal existe com um propósito claro, o de assegurar o bem-estar da população. É por questão de segurança que há a necessidade de proteger o solo e os rios”, diz Rafael Cruz, da campanha de Florestas do Greenpeace. “As alterações são propostas pela bancada ruralista são irresponsáveis”, complementa.
O Brasil tem mais de 40 milhões de hectares de Áreas de Preservação Permanente ocupadas irregularmente, uma área equivalente ao estado de Minas Gerais. Muitas destas regiões desmatadas estão em municípios que hoje estão em calamidade pública como Petrópolis e Teresópolis, que já perderam 70% de sua cobertura florestal, e São João do Vale do Rio Preto, com quase 80% desmatados.
A bancada ruralista também espera conceder ampla anistia a quem desmatou até 2008, o que inclui as APPs. “A proposta segue na contramão da necessidade de recuperação de regiões frágeis, seja nas cidades, ou em áreas rurais, responsáveis pela produção de alimentos e o abastecimento de água para as áreas urbanas”, completa Rafael Cruz.
Um comentário:
Tragedia e ter uns politicos desses legislando...
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