"Há aqueles que lutam um dia e por isso são bons; Há aqueles que lutam muitos dias e por isso são muito bons; Há aqueles que lutam anos e são melhores ainda; Porém há aqueles que lutam toda a vida, esses são os imprescindíveis." Bertolt Brecht
sexta-feira, 30 de março de 2012
domingo, 25 de março de 2012
O Amor faz milagres.
MAIS IMPORTANTE DO QUE O CONHECIMENTO
Daria para concluir (se a lógica matemática imperasse), que não haveria qualquer possibilidade prática de um “jovem ideal” encontrar-se com a “namorada ideal”. Isso só aconteceria (embora os cientistas atribuam essa atração aos feromônios) pela ação de “agentes deterministas” que fazem “a coisa ser conforme planejada”. Por seres de uma dimensão paralela (que já os chamamos de “anjos”), com poderes que ignoramos.
Curiosamente, essa fantasia que nos faz pensar, adveio da adaptação conto “The Adjustament Team”, escrito em 1954, pelo visionário Philip K. Dick, falecido em 1982. Depois de uma vida desajustada, marcada por alucinações fantásticas e paranóia decorrente do consumo de drogas. No entanto, hoje, o que era considerado loucura em seu tempo, vem se consolidando na problemática da realidade. Aquele autor, além de contos curtos, deixou 36 romances escritos em tempo “record”, antevendo os atuais “reality-shows”; a “moralidade das experiências genéticas”; a “clonagem”; a “crise de identidade”; a “interferência na liberdade humana”; as “formas de controle das mentes das pessoas” e a “ruptura da ordem natural, pela evolução tecnológica” — todos temas de incrível atualidade, a ponto de serem constantemente levados ao cinema. Hoje se procura entender a inusitada lucidez e antevisão da realidade que se manifestava no psiquismo daquele “hippie paranóico”. Que não tinha dúvidas quanto à reencarnação e aos poderes invisíveis da, agora, chamada “teoria da conspiração”. Por isso, já vem sendo posta em dúvida a conceituação das doenças mentais. Avalia-se que o escritor, ao defrontar possibilidades ainda inadmissíveis aos de sua época, dissimulava-as literariamente, em ficção e em realismo fantástico. Porque a Lógica pode não ser real.
Alguém me contou, certa vez, que o dono de um jardim, pediu a seu jardineiro, ao ver uma muda de roseira estiolada e “raquítica”, que a arrancasse e jogasse ao lixo. Pois, certamente, aquela planta não teria qualidade para lá permanecer. No entanto, o cuidadoso empregado, apiedando-se em acabar assim com um ser vivo, em vez de destruir a pequena planta, transportou-a para um lugar pouco visível e dedicou-lhe todos os cuidados para que crescesse. E foi o que aconteceu. Em pouco tempo, a muda ganhou nova vida e depois de encorpar produziu uma belíssima e volumosa rosa vermelha. O dono do jardim, ao vê-la, admirou-se. Tratava-se de uma espécie raríssima que ali tinha florescido. O jardineiro, para não contrariá-lo, já que lógica e tecnicamente seu patrão estava correto quando pediu para exterminar a planta, manteve-se em segredo. Porém, ele conhecia e guardava para si a verdade. Por isso, vale repetir: Possibilidades matemáticas caem diante de um “Dever Ser” maior. O ideal pode não estar na razão. O Acaso é muito mais surpreendente do que a imaginação humana. E como dizia Albert Einstein: “A imaginação é mais importante do que o conhecimento”.
PAULO CESAR CAVAZIN
(Esta crônica foi publicada no Jornal Visão Empresarial Limeirense - editado pela ACIL - em setembro de 2011)
Nosso Ego a serviço do nosso Eu Superior.
Por que a vida é assim?
por Mauro Kwitko - maurokwitko@yahoo.com.brA sociedade humana ainda está em um estágio inferior de desenvolvimento, sob a hegemonia dos nossos 3 chakras inferiores (visão terrena, sexualidade e Ego), e vive no mundo de Maya, a Ilusão, no qual praticamente todos nós mergulhamos, só percebendo a Verdade após o nosso desencarne, ao retornarmos para Casa, no Mundo Espiritual. Lá, vão desativando-se os nossos chakras inferiores e ativando-se os chakras superiores, e vamos, então, percebendo o nosso erro, o nosso engano, o nosso egoísmo, ficando a tentativa de correção para a próxima encarnação.
Aqui na Terra revelamos as nossas inferioridades e, no Plano Astral, as nossas superioridades. Nós reencarnamos, entre outras metas, para encontrarmos as nossas inferioridades, e a nossa Missão é aprendermos a revelar aqui as nossas superioridades, aproveitarmos melhor a nossa inteligência, o nosso tempo, a nossa disposição, não em prol de nós mesmos e dos nossos e, sim, visando o bem comum, a melhoria da sociedade humana, colaborando para que um dia o Reino dos Céus instale-se definitivamente aqui na Terra.
Precisamos aprender a colocar o nosso Ego a serviço do nosso Eu Superior, mas para isso é necessário não dedicarmos o nosso tempo demais conosco mesmos, não desperdiçarmos os nossos dias e noites com atividades egocêntricas, em buscas infantis de auto-satisfação, de leviandade, de irresponsabilidade, numa atitude de desrespeito com o nosso Espírito.
A informação dos Seres Espirituais é de que, depois da morte do nosso corpo físico, a imensa maioria de nós retorna ao Plano Astral profundamente frustrados, arrependidos e envergonhados conosco mesmos, quanto ao real aproveitamento dessa atual passagem, uma parte sendo resgatados do Umbral e outra parte conseguindo lá chegar sem passar por essa zona, mas necessitando de atendimento em hospitais do Astral.
As frases mais ouvidas nos nossos retornos, são as ditas por nós: "Ah, se eu soubesse..." e "Ah, se eu lembrasse..." e a que escutamos: "Não te preocupes, tu terás uma nova oportunidade". Devemos recordar que já estamos na nova oportunidade... Podemos aprender a nos libertar do comando do nosso Ego, elevarmos a nossa freqüência vibratória e ultrapassarmos o estágio ainda infantil ou adolescente da maioria da humanidade, rumo a um estágio adulto, como alcançaram os Mestres.
Podemos perceber o nosso grau de egoísmo, o quanto somos comandados pelo nosso Ego, contabilizando quantas vezes falamos, pensamos e agimos em prol de nós mesmos, dos nossos desejos, as nossas satisfações, o nosso prazer, o nosso lazer. Podemos perceber isso com mais clareza pelo número de vezes que pensamos e falamos iniciando por "eu". Mas isso não significa apenas vaidade e orgulho, mas também o autocentramento da tristeza, da mágoa, do sentimento de rejeição, etc. O nosso Ego está no comando quando nos sentimos mais do que os outros, mas também quando nos sentimos menos, quando nos enaltecemos ou quando nos depreciamos, quando queremos brilhar ou quando queremos nos esconder, quando queremos vencer ou quando queremos perder, quando exaltamos os nossos feitos ou quando nos fixamos em nossas próprias dores e fracassos.
Existem três tipos de pessoas:
1. As que acreditam ser mais do que os demais, no sentido da sensação de superioridade ou no equívoco do sofrimento por si mesmos.
2. As que sentem que são iguais aos demais e, embora ainda bastante autocentradas, já vivem comunitariamente, pensando muito em si, mas também nos demais.
3. As que descobriram que os outros são mais importantes do que elas. Essas são Mestres na arte de viver.
Podemos perceber claramente em que tipo nos classificamos pela preocupação que norteia os nossos dias, pelo stress que sentimos na vida, pela sensação de tensão que nos aflige, pelas buscas de satisfação e alegria que nos chamam a atenção e pelo grau de sofrimento que sentimos. Sairmos do "eu" e vivermos para o "nós" é a grande lição que os Mestres nos ensinam. Poucos estão dispostos a aprendê-la e, menos ainda, a praticá-la em sua vida diária. Como sairmos do "eu" na prática? Uma das maneiras é percebermos como nosso Ego nos ilude, seduz e domina, por exemplo, nas polaridades:
1. "Eu" sou muito bom nisso ou "eu" sou um fracasso...
2. "Eu" quero alcançar o sucesso ou "eu" não consigo...
3. "Eu" vivo para ajudar os outros ou Como "eu" sofro...
4. "Eu" tenho um espírito de liderança ou "eu" preciso que me ajudem...
5. "Eu" sinto muita pena das pessoas ou "eu" tenho pena de mim...
6. A "minha" vida é ótima ou a "minha" vida é tão triste...
7. "Eu" adoro me divertir ou "eu" sou muito depressivo(a)...
8. "Eu" não tenho nada a ver com isso ou como "eu" fico indignado com as coisas...
9. Nada "me" afeta ou Como "eu" me magôo...
10. "Na vida é cada um por "si" ou Como "eu" me sinto rejeitado...
A ilusão da separatividade que o nosso corpo físico nos traz é a causa e a origem do "eu". Os discípulos e os futuros discípulos ainda acreditam ser uma individualidade e vivem para "si", os Mestres já se libertaram dessa ilusão. Cuidemos quantas vezes pensamos ou falamos a palavra "eu" e saberemos em que grau estamos.
Aqui na Terra revelamos as nossas inferioridades e, no Plano Astral, as nossas superioridades. Nós reencarnamos, entre outras metas, para encontrarmos as nossas inferioridades, e a nossa Missão é aprendermos a revelar aqui as nossas superioridades, aproveitarmos melhor a nossa inteligência, o nosso tempo, a nossa disposição, não em prol de nós mesmos e dos nossos e, sim, visando o bem comum, a melhoria da sociedade humana, colaborando para que um dia o Reino dos Céus instale-se definitivamente aqui na Terra.
Precisamos aprender a colocar o nosso Ego a serviço do nosso Eu Superior, mas para isso é necessário não dedicarmos o nosso tempo demais conosco mesmos, não desperdiçarmos os nossos dias e noites com atividades egocêntricas, em buscas infantis de auto-satisfação, de leviandade, de irresponsabilidade, numa atitude de desrespeito com o nosso Espírito.
A informação dos Seres Espirituais é de que, depois da morte do nosso corpo físico, a imensa maioria de nós retorna ao Plano Astral profundamente frustrados, arrependidos e envergonhados conosco mesmos, quanto ao real aproveitamento dessa atual passagem, uma parte sendo resgatados do Umbral e outra parte conseguindo lá chegar sem passar por essa zona, mas necessitando de atendimento em hospitais do Astral.
As frases mais ouvidas nos nossos retornos, são as ditas por nós: "Ah, se eu soubesse..." e "Ah, se eu lembrasse..." e a que escutamos: "Não te preocupes, tu terás uma nova oportunidade". Devemos recordar que já estamos na nova oportunidade... Podemos aprender a nos libertar do comando do nosso Ego, elevarmos a nossa freqüência vibratória e ultrapassarmos o estágio ainda infantil ou adolescente da maioria da humanidade, rumo a um estágio adulto, como alcançaram os Mestres.
Podemos perceber o nosso grau de egoísmo, o quanto somos comandados pelo nosso Ego, contabilizando quantas vezes falamos, pensamos e agimos em prol de nós mesmos, dos nossos desejos, as nossas satisfações, o nosso prazer, o nosso lazer. Podemos perceber isso com mais clareza pelo número de vezes que pensamos e falamos iniciando por "eu". Mas isso não significa apenas vaidade e orgulho, mas também o autocentramento da tristeza, da mágoa, do sentimento de rejeição, etc. O nosso Ego está no comando quando nos sentimos mais do que os outros, mas também quando nos sentimos menos, quando nos enaltecemos ou quando nos depreciamos, quando queremos brilhar ou quando queremos nos esconder, quando queremos vencer ou quando queremos perder, quando exaltamos os nossos feitos ou quando nos fixamos em nossas próprias dores e fracassos.
Existem três tipos de pessoas:
1. As que acreditam ser mais do que os demais, no sentido da sensação de superioridade ou no equívoco do sofrimento por si mesmos.
2. As que sentem que são iguais aos demais e, embora ainda bastante autocentradas, já vivem comunitariamente, pensando muito em si, mas também nos demais.
3. As que descobriram que os outros são mais importantes do que elas. Essas são Mestres na arte de viver.
Podemos perceber claramente em que tipo nos classificamos pela preocupação que norteia os nossos dias, pelo stress que sentimos na vida, pela sensação de tensão que nos aflige, pelas buscas de satisfação e alegria que nos chamam a atenção e pelo grau de sofrimento que sentimos. Sairmos do "eu" e vivermos para o "nós" é a grande lição que os Mestres nos ensinam. Poucos estão dispostos a aprendê-la e, menos ainda, a praticá-la em sua vida diária. Como sairmos do "eu" na prática? Uma das maneiras é percebermos como nosso Ego nos ilude, seduz e domina, por exemplo, nas polaridades:
1. "Eu" sou muito bom nisso ou "eu" sou um fracasso...
2. "Eu" quero alcançar o sucesso ou "eu" não consigo...
3. "Eu" vivo para ajudar os outros ou Como "eu" sofro...
4. "Eu" tenho um espírito de liderança ou "eu" preciso que me ajudem...
5. "Eu" sinto muita pena das pessoas ou "eu" tenho pena de mim...
6. A "minha" vida é ótima ou a "minha" vida é tão triste...
7. "Eu" adoro me divertir ou "eu" sou muito depressivo(a)...
8. "Eu" não tenho nada a ver com isso ou como "eu" fico indignado com as coisas...
9. Nada "me" afeta ou Como "eu" me magôo...
10. "Na vida é cada um por "si" ou Como "eu" me sinto rejeitado...
A ilusão da separatividade que o nosso corpo físico nos traz é a causa e a origem do "eu". Os discípulos e os futuros discípulos ainda acreditam ser uma individualidade e vivem para "si", os Mestres já se libertaram dessa ilusão. Cuidemos quantas vezes pensamos ou falamos a palavra "eu" e saberemos em que grau estamos.
sábado, 24 de março de 2012
A gota d’água
Rogério Rocco
Rio - Quando o motorista para o carro no posto para abastecê-lo, ele paga em média R$ 3 pelo litro da gasolina. Para que isso aconteça, foi necessário construir e operar grandes plataformas para extração de petróleo em águas profundas, imponentes navios para seu transporte e complexas refinarias para a transformação em combustível. Ainda são necessários milhares de caminhões para a distribuição a outros milhares de postos para que, enfim, o combustível chegue ao consumidor.
Essa cadeia produtiva é caríssima, pois, além dos altos custos de construção, envolve série de riscos operacionais, sobretudo para o meio ambiente — exigindo investimentos em prevenção e, eventualmente, em multas, compensações e recuperação de áreas degradadas.
Porém, se esse mesmo motorista sente sede e resolve comprar uma água ali na loja de conveniências, pagará cerca de R$ 2 pela garrafa de 510ml. Ou seja, se quiser um litro de água mineral, pagará mais caro que a gasolina. Bem, e qual seria o custo operacional para levar a água até lá? Tem plataformas, navios, refinarias, caminhões-tanque, riscos ambientais? Não! Precisa apenas de uma nascente, alguns canos, reservatórios com estruturas para engarrafamento e o transporte.
Não estamos falando da situação de um país europeu ou do árido Saara, mas do Brasil — potência mundial em produção de água. Sequer falamos de projeção futura, quando a água seria mais cara que o petróleo... a água já é mais cara que o petróleo. A explicação talvez esteja associada ao fato de que a água mineral brasileira já esteja quase que integralmente nas mãos da norte-americana Coca-Cola e da francesa Nestlé.
Enquanto esperávamos por uma guerra pela água, eles entraram e compraram tudo, na maior paz! Ontem foi o Dia Mundial da Água. A Coca-Cola e a Nestlé comemoraram. E o Brasil, comemora o quê?
Analista ambiental e mestre em Direito da Cidade
quinta-feira, 22 de março de 2012
Carta Capital
Entenda por que o conflito envolvendo as terras Guarani Kaiowá tornou-se uma das maiores tragédias do País na área dos direitos humanos.
Por Spensy Pimentel, pesquisador do Centro de Estudos Ameríndios da USP
A difícil situação dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul, e particularmente dos Guarani Kaiowá, em sua natureza, não é diferente do que se verifica em várias outras regiões do Brasil e da América Latina. Estamos falando de um processo de expropriação territorial, com o objetivo de utilizar-se dos recursos naturais (terra, água, madeira) e consequentes violações dos direitos mais básicos dessas populações, como o acesso à alimentação, educação e saúde.
O que impressiona no Mato Grosso do Sul é, sobretudo, a dimensão dos problemas e o grau de acirramento dos conflitos. Em primeiro lugar, isso acontece porque se encontra ali, hoje, a segunda maior população indígena do País, 73.295 pessoas, número somente superado pelo Amazonas (168.680).
Juntos, os grupos de língua guarani falantes do dialeto Kaiowá (autodenominados Kaiowá) e os que falam nhandeva (autodesignados Guarani) conformam hoje o maior grupo indígena do País, com cerca de 45 mil pessoas, distribuídas por mais de 30 terras indígenas e 31 acampamentos à beira de estradas ou em pequenas porções de terra dentro de fazendas.
Nos últimos anos, diversos relatórios nacionais e internacionais, de organizações da sociedade civil, como a Anistia Internacional e a Survival, além de órgãos de governo e mesmo de Estado, como o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), têm apontado a situação dos Guarani Kaiowá como um dos maiores desafios atuais do governo brasileiro na área dos direitos humanos.
O outro forte fator que agrava a crise no Mato Grosso do Sul é o grande poder político da elite local, particularmente acentuado na conjuntura atual, em que o agronegócio se tornou um dos pilares de um modelo econômico baseado, em grande parte, na exportação de commodities primárias. De fato, é um mar de soja, cana-de-açúcar e pastagens para o gado bovino o que se vê, hoje, sobre as terras reivindicadas pelos Guarani Kaiowá, outrora uma região de grande biodiversidade, com matas ricas em madeiras nobres, como a peroba, o cedro e a aroeira.
O poder econômico e político dessa elite local, fortemente associada ao capital transnacional que financia o agronegócio protelaram ao máximo o processo de demarcação das terras indígenas na região. Desde que o movimento indígena Aty Guasu passou a organizar ocupações de terra como estratégia para pressionar o Estado brasileiro a agir na região, em meados dos anos 1980, a Fundação Nacional do Índio sempre agiu de forma pontual, sem buscar uma solução estrutural para os conflitos. Uma determinada área era ocupada, e somente ali se iniciava um processo de identificação e delimitação.
O movimento Guarani Kaiowá pela recuperação das terras surgiu na virada dos anos 80, no bojo da redemocratização, ao mesmo tempo em que se organizavam os setores populares de todo o País. Ao longo das quatro décadas anteriores, os indígenas haviam visto seu território ser ocupado progressivamente por milhares de colonos vindos de vários cantos do País. Com incentivo oficial, tanto do governo federal quanto do estado de Mato Grosso (a criação do Mato Grosso do Sul aconteceu em 1979). Nos anos 50 e 60, os líderes que ousavam reagir a esse processo de espoliação eram tachados de “comunistas” pelos órgãos indigenistas.
A mão de obra indígena já era explorada na região desde o século XIX, na extração de erva-mate, atividade instalada logo depois que o País ganhou a posse daquelas terras com a Guerra da Tríplice Aliança. Logo, os trabalhadores indígenas passaram a ser empregados no desmatamento massivo da região e implantação da monocultura extensiva, sobretudo da soja e da cana. Nos anos 70, intensificou-se o processo de expulsão das centenas de grupos locais para dentro de oito reservas indígenas que haviam sido demarcadas entre 1915 e 1928 pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI, substituído em 1968 pela FUNAI).
Essas antigas reservas, contudo, não chegavam a 18 mil hectares de terra. Quando milhares de pessoas passaram a ser retiradas das áreas que ocupavam em “fundos de fazendas” por toda a região, os recursos naturais das antigas áreas do SPI rapidamente se esgotaram, e apareceram os problemas que, há 30 anos, assolam com força os Guarani kaiowá: conflitos entre as famílias, suicídios dos jovens, desnutrição infantil. Com a falta de terras, os homens, sobretudo, deslocam-se para longe da família a fim de buscar remuneração principalmente nas usinas de cana-de-açúcar – alvos de frequentes denúncias em razão da precariedade das condições trabalhistas.
Hoje, a situação enfrentada pelos jovens Guarani Kaiowá nessas reservas lembra muito a que é vivida nas periferias das grandes metrópoles brasileiras. Em Dourados, a área mais problemática, onde o índice de assassinatos chega a ser superior ao de países em guerra, como o Iraque, já surgiu até um grupo de rap, o Bro MC’s, inspirado em grupos como o Racionais MC’s.
“Sei que não é fácil levar a vida desse jeito/ Fazer o quê? Me rendo ou luto/ contra o preconceito?/ Sou índio, sim/ problema, não burro/ como pensa esse sujeito/ Daquele jeito!/ Continuo minha sina/ sabendo muito bem quem gerou minha ruí-na/ 510 anos de abandono confinados/ em reservas que mal cabem nossos sonhos (…)/ Vai achando graça, mas o papo aqui é sério/ você e sua cachaça mandam muitos pro cemitério/ (…) De lá pra cá, guerras, conflito/ Chegou a hora de lutar pelo direito dos índios”, cantam os rappers desse que é o primeiro grupo de rap -indígena a gravar um CD no País.
REAÇÃO EM CADEIA
A reação ao processo de confinamento foi contundente. Uma a uma, os militantes da Aty Guasu reconquistaram, desde os anos 80, mais de 20 pequenas porções de terra, hoje em diferentes fases de regularização fundiária. Inicialmente, a FUNAI adotou uma política de demarcar áreas minúsculas, obviamente insuficientes para as necessidades das comunidades – vide as terras indígenas jaguari (405 hectares), sucuriy (500 hectares) e jarará (479 hectares), todas demarcadas e homologadas ao longo dos anos 90.
Mais recentemente, as demarcações passaram a contemplar áreas maiores, porém esbarrando, cada vez mais, nas ações judiciais. Das três áreas homologadas no governo Lula, duas foram barradas por liminares de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso aconteceu em 2005 com a terra indígena Nhanderu Marangatu (9.317 hectares no município de Antônio João), suspensa por Nelson Jobim, e, em 2009, com a terra indígena Arroio-Korá (7,1 mil hectares em Paranhos), embargada por Gilmar Mendes.
Nos últimos anos, os fazendeiros da região, fortalecidos política e economicamente, também tornaram as disputas cada vez mais violentas. Os assassinatos de lideranças, que já alcançavam repercussão internacional desde a morte de Marçal de Souza, em 1983, passaram a ser cada vez mais frequentes, sobretudo a partir de 2003, quando assassinam Marcos Verón, liderança de destaque no movimento Aty Guasu.
A crise nas reservas superlotadas também se intensifica na última década. Entre 2005 e 2006, ganham destaque na mídia nacional e no meio político as mortes em decorrência da desnutrição infantil. Como forma emergencial de combater o problema, intensifica-se a distribuição de cestas básicas. Em paralelo, o Ministério Público Federal intensifica suas pressões por uma solução real para o problema.
Segundo a legislação brasileira, o que está em jogo são as terras de “ocupação tradicional” do grupo (categoria definida pela Constituição de 1988, em seu artigo 231). Na cosmologia Guarani Kaiowá, essas áreas são chamadas de tekohá (de teko – modo de ser – + ha – lugar, uma palavra que poderia ser traduzida como “lugar onde se pode viver do nosso próprio jeito”). Isso ajuda a entender a formação dos acampamentos – geralmente buscando as poucas áreas de mata que restam na região, na proximidade de onde se localizavam antigos assentamentos indígenas.
A alusão a esse “outro jeito de ser” demonstra que o movimento Guarani Kaiowá é, sobretudo, uma reação cultural à imposição do estilo de vida dos Juruá (como os indígenas designam os brancos). Não por acaso, os xamãs são figuras importantes na luta pela terra, eles fundamentam o sentido dessa ação política com profecias sobre o retorno dos tempos de fartura e alegria, a partir da recuperação do antigo território indígena. Retomar um tekohá, como fez Nisio Gomes, é voltar ao contato com os espíritos da terra e dos ancestrais.
No fim de 2007, a FUNAI assina, junto ao MPF, e com o testemunho das lideranças da Aty Guasu, um Compromisso de Ajuste de Conduta para resolver de uma vez por todas a situação das terras Guarani Kaiowá. Em julho de 2008, são lançados seis grupos de trabalho para identificar e delimitar as terras indígenas, divididas de acordo com as bacias hidrográficas da região. Uma estimativa inicial dos antropólogos envolvidos é de 600 mil hectares a serem identificados – a extensão exata do território reivindicado só será conhecida com a publicação dos relatórios, nos próximos meses.
Na época, fazendeiros e políticos do estado difundiram a versão – prontamente desmentida pela FUNAI– de que as terras a serem demarcadas poderiam chegar a 12 milhões de hectares (quase um terço da área do Mato Grosso do Sul). Após um ato político na Assembléia Legislativa, o principal diário do estado estampou a manchete: “Produtores declaram guerra aos índios”.
Enquanto os políticos locais pressionavam o governo federal, os fazendeiros buscavam impedir o trabalho das equipes da FUNAI usando todo tipo de artifício jurídico. Diante da demora nos processos de identificação, mais uma vez os Guarani Kaiowá lançaram mão da estratégia de ocupar as terras reivindicadas para pressionar as autoridades.
O resultado tem sido uma série de conflitos sangrentos, desde 2009. Sem uma ação mais contundente do poder público, mais problemas certamente continuarão a ocorrer.
A difícil situação dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul, e particularmente dos Guarani Kaiowá, em sua natureza, não é diferente do que se verifica em várias outras regiões do Brasil e da América Latina. Estamos falando de um processo de expropriação territorial, com o objetivo de utilizar-se dos recursos naturais (terra, água, madeira) e consequentes violações dos direitos mais básicos dessas populações, como o acesso à alimentação, educação e saúde.
O que impressiona no Mato Grosso do Sul é, sobretudo, a dimensão dos problemas e o grau de acirramento dos conflitos. Em primeiro lugar, isso acontece porque se encontra ali, hoje, a segunda maior população indígena do País, 73.295 pessoas, número somente superado pelo Amazonas (168.680).
Juntos, os grupos de língua guarani falantes do dialeto Kaiowá (autodenominados Kaiowá) e os que falam nhandeva (autodesignados Guarani) conformam hoje o maior grupo indígena do País, com cerca de 45 mil pessoas, distribuídas por mais de 30 terras indígenas e 31 acampamentos à beira de estradas ou em pequenas porções de terra dentro de fazendas.
Nos últimos anos, diversos relatórios nacionais e internacionais, de organizações da sociedade civil, como a Anistia Internacional e a Survival, além de órgãos de governo e mesmo de Estado, como o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), têm apontado a situação dos Guarani Kaiowá como um dos maiores desafios atuais do governo brasileiro na área dos direitos humanos.
O outro forte fator que agrava a crise no Mato Grosso do Sul é o grande poder político da elite local, particularmente acentuado na conjuntura atual, em que o agronegócio se tornou um dos pilares de um modelo econômico baseado, em grande parte, na exportação de commodities primárias. De fato, é um mar de soja, cana-de-açúcar e pastagens para o gado bovino o que se vê, hoje, sobre as terras reivindicadas pelos Guarani Kaiowá, outrora uma região de grande biodiversidade, com matas ricas em madeiras nobres, como a peroba, o cedro e a aroeira.
O poder econômico e político dessa elite local, fortemente associada ao capital transnacional que financia o agronegócio protelaram ao máximo o processo de demarcação das terras indígenas na região. Desde que o movimento indígena Aty Guasu passou a organizar ocupações de terra como estratégia para pressionar o Estado brasileiro a agir na região, em meados dos anos 1980, a Fundação Nacional do Índio sempre agiu de forma pontual, sem buscar uma solução estrutural para os conflitos. Uma determinada área era ocupada, e somente ali se iniciava um processo de identificação e delimitação.
O movimento Guarani Kaiowá pela recuperação das terras surgiu na virada dos anos 80, no bojo da redemocratização, ao mesmo tempo em que se organizavam os setores populares de todo o País. Ao longo das quatro décadas anteriores, os indígenas haviam visto seu território ser ocupado progressivamente por milhares de colonos vindos de vários cantos do País. Com incentivo oficial, tanto do governo federal quanto do estado de Mato Grosso (a criação do Mato Grosso do Sul aconteceu em 1979). Nos anos 50 e 60, os líderes que ousavam reagir a esse processo de espoliação eram tachados de “comunistas” pelos órgãos indigenistas.
A mão de obra indígena já era explorada na região desde o século XIX, na extração de erva-mate, atividade instalada logo depois que o País ganhou a posse daquelas terras com a Guerra da Tríplice Aliança. Logo, os trabalhadores indígenas passaram a ser empregados no desmatamento massivo da região e implantação da monocultura extensiva, sobretudo da soja e da cana. Nos anos 70, intensificou-se o processo de expulsão das centenas de grupos locais para dentro de oito reservas indígenas que haviam sido demarcadas entre 1915 e 1928 pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI, substituído em 1968 pela FUNAI).
Essas antigas reservas, contudo, não chegavam a 18 mil hectares de terra. Quando milhares de pessoas passaram a ser retiradas das áreas que ocupavam em “fundos de fazendas” por toda a região, os recursos naturais das antigas áreas do SPI rapidamente se esgotaram, e apareceram os problemas que, há 30 anos, assolam com força os Guarani kaiowá: conflitos entre as famílias, suicídios dos jovens, desnutrição infantil. Com a falta de terras, os homens, sobretudo, deslocam-se para longe da família a fim de buscar remuneração principalmente nas usinas de cana-de-açúcar – alvos de frequentes denúncias em razão da precariedade das condições trabalhistas.
Hoje, a situação enfrentada pelos jovens Guarani Kaiowá nessas reservas lembra muito a que é vivida nas periferias das grandes metrópoles brasileiras. Em Dourados, a área mais problemática, onde o índice de assassinatos chega a ser superior ao de países em guerra, como o Iraque, já surgiu até um grupo de rap, o Bro MC’s, inspirado em grupos como o Racionais MC’s.
“Sei que não é fácil levar a vida desse jeito/ Fazer o quê? Me rendo ou luto/ contra o preconceito?/ Sou índio, sim/ problema, não burro/ como pensa esse sujeito/ Daquele jeito!/ Continuo minha sina/ sabendo muito bem quem gerou minha ruí-na/ 510 anos de abandono confinados/ em reservas que mal cabem nossos sonhos (…)/ Vai achando graça, mas o papo aqui é sério/ você e sua cachaça mandam muitos pro cemitério/ (…) De lá pra cá, guerras, conflito/ Chegou a hora de lutar pelo direito dos índios”, cantam os rappers desse que é o primeiro grupo de rap -indígena a gravar um CD no País.
REAÇÃO EM CADEIA
A reação ao processo de confinamento foi contundente. Uma a uma, os militantes da Aty Guasu reconquistaram, desde os anos 80, mais de 20 pequenas porções de terra, hoje em diferentes fases de regularização fundiária. Inicialmente, a FUNAI adotou uma política de demarcar áreas minúsculas, obviamente insuficientes para as necessidades das comunidades – vide as terras indígenas jaguari (405 hectares), sucuriy (500 hectares) e jarará (479 hectares), todas demarcadas e homologadas ao longo dos anos 90.
Mais recentemente, as demarcações passaram a contemplar áreas maiores, porém esbarrando, cada vez mais, nas ações judiciais. Das três áreas homologadas no governo Lula, duas foram barradas por liminares de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso aconteceu em 2005 com a terra indígena Nhanderu Marangatu (9.317 hectares no município de Antônio João), suspensa por Nelson Jobim, e, em 2009, com a terra indígena Arroio-Korá (7,1 mil hectares em Paranhos), embargada por Gilmar Mendes.
Nos últimos anos, os fazendeiros da região, fortalecidos política e economicamente, também tornaram as disputas cada vez mais violentas. Os assassinatos de lideranças, que já alcançavam repercussão internacional desde a morte de Marçal de Souza, em 1983, passaram a ser cada vez mais frequentes, sobretudo a partir de 2003, quando assassinam Marcos Verón, liderança de destaque no movimento Aty Guasu.
A crise nas reservas superlotadas também se intensifica na última década. Entre 2005 e 2006, ganham destaque na mídia nacional e no meio político as mortes em decorrência da desnutrição infantil. Como forma emergencial de combater o problema, intensifica-se a distribuição de cestas básicas. Em paralelo, o Ministério Público Federal intensifica suas pressões por uma solução real para o problema.
Segundo a legislação brasileira, o que está em jogo são as terras de “ocupação tradicional” do grupo (categoria definida pela Constituição de 1988, em seu artigo 231). Na cosmologia Guarani Kaiowá, essas áreas são chamadas de tekohá (de teko – modo de ser – + ha – lugar, uma palavra que poderia ser traduzida como “lugar onde se pode viver do nosso próprio jeito”). Isso ajuda a entender a formação dos acampamentos – geralmente buscando as poucas áreas de mata que restam na região, na proximidade de onde se localizavam antigos assentamentos indígenas.
A alusão a esse “outro jeito de ser” demonstra que o movimento Guarani Kaiowá é, sobretudo, uma reação cultural à imposição do estilo de vida dos Juruá (como os indígenas designam os brancos). Não por acaso, os xamãs são figuras importantes na luta pela terra, eles fundamentam o sentido dessa ação política com profecias sobre o retorno dos tempos de fartura e alegria, a partir da recuperação do antigo território indígena. Retomar um tekohá, como fez Nisio Gomes, é voltar ao contato com os espíritos da terra e dos ancestrais.
No fim de 2007, a FUNAI assina, junto ao MPF, e com o testemunho das lideranças da Aty Guasu, um Compromisso de Ajuste de Conduta para resolver de uma vez por todas a situação das terras Guarani Kaiowá. Em julho de 2008, são lançados seis grupos de trabalho para identificar e delimitar as terras indígenas, divididas de acordo com as bacias hidrográficas da região. Uma estimativa inicial dos antropólogos envolvidos é de 600 mil hectares a serem identificados – a extensão exata do território reivindicado só será conhecida com a publicação dos relatórios, nos próximos meses.
Na época, fazendeiros e políticos do estado difundiram a versão – prontamente desmentida pela FUNAI– de que as terras a serem demarcadas poderiam chegar a 12 milhões de hectares (quase um terço da área do Mato Grosso do Sul). Após um ato político na Assembléia Legislativa, o principal diário do estado estampou a manchete: “Produtores declaram guerra aos índios”.
Enquanto os políticos locais pressionavam o governo federal, os fazendeiros buscavam impedir o trabalho das equipes da FUNAI usando todo tipo de artifício jurídico. Diante da demora nos processos de identificação, mais uma vez os Guarani Kaiowá lançaram mão da estratégia de ocupar as terras reivindicadas para pressionar as autoridades.
O resultado tem sido uma série de conflitos sangrentos, desde 2009. Sem uma ação mais contundente do poder público, mais problemas certamente continuarão a ocorrer.
quarta-feira, 21 de março de 2012
PESQUISADORES: BRASIL NÃO QUER DEBATER MEIO AMBIENTE NA RIO+20
20.03.2012 | |
Físico e professor da USP, José Goldemberg é um dos que acredita que o meio ambiente ocupará um papel secundário na conferência | |
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terça-feira, 20 de março de 2012
A obsolescência programada
Programado para morrer
- 22 de janeiro de 2012|
- 18h11|
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Por Tatiana de Mello Dias
A obsolescência programada reduz a durabilidade de produtos para estimular o consumo, mas um documentário vem mostrar o lado sombrio desta prática raramente admitida pela indústria
SÃO PAULO – A cineasta Cosima Dannoritzer usa o mesmo celular há 13 anos. “Ele nem tira fotos, mas eu tenho uma câmera para isso”, diz. Depois de ouvir lendas urbanas sobre obsolescência programada – a prática da indústria de determinar uma vida útil curta em seus produtos para vender mais –, ela decidiu investigar o tema. E a realidade se tornou ainda mais estranha para ela.
Em seu documentário, The Light Bulb Conspiracy (A conspiração da lâmpada, em inglês), Cosima mostra que a indústria tem práticas escusas para determinar a validade dos seus produtos. E isso ocorre especialmente na indústria da tecnologia.
O caso da primeira geração do iPod é emblemático. Casey Neistat, um artista de Nova York, pagou US$ 500 por um iPod cuja bateria parou de funcionar 8 meses depois. Ele reclamou. A resposta da Apple foi “vale mais a pena comprar um iPod novo”. O caso virou uma ação de rua nos cartazes publicitários da Apple, retratada no vídeo iPod’s Dirty Secret. O filme foi visto por Elizabeth Pritzker, uma advogada de São Francisco. Ela entrou com uma ação coletiva em nome dos consumidores – naquela altura, a Apple já havia vendido três milhões de iPods pelos EUA.
No caso do primeiro iPod, a empresa fez um acordo com os consumidores. Elaborou um programa de substituição das baterias e estendeu a garantia dos iPods por US$ 59. A Apple disse ao Link que “a vida útil dos produtos varia muito com o seu uso”.
“Eu acredito que o desenvolvimento do iPod foi intencionalmente uma obsolescência programada”, diz a advogada no documentário.
De diretora, Cosima abraçou a causa e virou ativista contra o consumismo. “Na indústria da tecnologia, muitos consumidores estão sempre procurando pela última versão, para ter novas funções, mas também para seguir a moda”, afirma. “Muitas formas de obsolescência programada estão juntas. Na forma tecnológica pura, mas também na forma psicológica em que um consumidor voluntariamente substitui algo que ainda funciona só porque quer ter o último modelo.”
Uma dessas travas eletrônicas é a que está em impressoras a jato de tinta. No filme, um rapaz vai à assistência para consertar sua impressora. Os técnicos dizem que não há conserto. O rapaz então procura pela web maneiras de resolver o problema. Ele descobre um chip, chamado Eeprom, que determina a duração do produto. Quando um determinado número de páginas impressas é atingido, a impressora trava.
A Epson nega. A assessoria de imprensa afirma que não há nenhum prazo para seus produtos. “Rejeitamos totalmente a afirmação de que eles são fabricados para apresentar defeitos depois de algum tempo”, disse. “A almofada de tinta e o Eeprom mencionados no programa são instalados para manter a alta qualidade da impressora e não para controlar a vida útil do produto.”
Crescimento. A prática, porém, não é de agora. A história da obsolescência programada confunde-se com a história da indústria no século 20. E tudo começou com lâmpadas.
Na década de 1920, um cartel que reunia fabricantes de todo o mundo decidiu que as lâmpadas teriam uma validade: 1.000 horas (embora a tecnologia da época já pudesse produzir lâmpadas mais duráveis, e uma lâmpada de 100 anos que ainda permanece acesa é citada logo no início do documentário). Assim, as empresas conseguiriam garantir que sempre haveria consumidores para seus produtos.
Com a crise de 1929 o consumo caiu. E a obsolescência programada se consolidou como uma estratégia da indústria para retomar o crescimento.
O economista Bernard London foi o primeiro a teorizar sobre a prática. Em 1932, publicou o livro The New Prosperity. O primeiro capítulo deixa claro: “Acabando com a depressão através da obsolescência programada”. Ele sugere que, se as pessoas continuassem comprando, a indústria continuaria crescendo e todos teriam emprego.
Em teoria, diz Cosima, não há nada de errado na obsolescência programada. “Nós não queremos um computador com 20 anos de idade”, exemplifica. “Mas a vida útil dos produtos está se tornando mais curta e não dá para atualizar nada sem jogar o objeto inteiro no lixo”, diz a cineasta.
E é aí que vem a conta. Cosima visitou lixões em Gana, na África, para chegar o final da cadeia produtiva dos eletrônicos de consumo rápido. Viu pessoas serem exploradas em busca dos metais valiosos dos produtos.
“Se eu uso meu celular por dois anos em vez de um, não é um grande sacrifício, mas se todos fizerem isso, significaria que apenas metade dos celulares em desuso seriam enviados para lixões ilegais.”
“Se eu uso meu celular por dois anos em vez de um, não é um grande sacrifício, mas se todos fizerem isso, significaria que apenas metade dos celulares em desuso seriam enviados para lixões ilegais.”
Para a diretora, a crise mundial mais uma vez pode refletir no comportamento da indústria. Só que, desta vez, ao contrário. Na Consumer Eletronics Show, a CES, maior feira de tecnologia dos EUA, que ocorreu no início do ano, a pirotecnia de lançamentos de aparelhos dividiu espaço com outra tendência: a durabilidade dos produtos. Passou quase despercebido, mas algumas empresas já estão partindo para a “desobsolescência programada”, como escreveu Lance Ulanoff, editor-chefe do site de tecnologia Mashable.
Ele cita as smart TVs “à prova de futuro” da Samsung, que têm um kit para se manterem atualizadas. “Claramente a Samsung descobriu que os consumidores não estão tão interessados em TVs de alta definição que ficam desatualizadas ou saem de moda em poucos anos de uso”, escreveu. Ele também falou do Motorola Droid Razr Max, smartphone Android, cuja bateria roda até 15 horas de vídeo com uma carga.
“Há empresas que estão vendendo produtos mais duráveis convencendo seus consumidores de que isso é um bom investimento”, diz Cosima. Ela cita no documentário as lâmpadas ultra-duráveis da Philips que ficam acesas por até 25 mil horas. Segundo a assessoria da Philips, os produtos verdes representaram 31% do total das vendas da companhia. Foram mais de 800 lançamentos nessa área nos últimos dois anos.
“A obsolescência programada sempre faz sentido enquanto você pensa em como manter o crescimento da indústria e a criação de empregos a curto prazo”, diz Cosima. “O problema é a longo prazo. Estamos usando nossos recursos naturais e criando montanhas de lixo. A obsolescência programada funcionou bem no passado, mas estamos começando a ver as consequências. É um sistema que não pode ser usado para sempre.”
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segunda-feira, 19 de março de 2012
A centralidade da água na disputa global por recursos estratégicos
19/03/2012 14:50:03
Mônica Bruckman**
Duas visões contrapostas estão em choque na disputa global pela água. A primeira, baseada na lógica da mercantilização deste recurso, que pretende convertê-lo em uma commodity, sujeita a uma política de preços cada vez mais dominada pelo processo de financeirização e o chamado “mercado de futuro”. Esta visão encontra no Conselho Mundial da Água, composto por representantes das principais empresas privadas de água que dominam 75% do mercado mundial, seu espaço de articulação mais dinâmico.
O Segundo Fórum Mundial da Água, realizado em 2000 declarou, no documento final da reunião, que a água não é mais um “direito inalienável”, mas uma “necessidade humana”. Esta declaração pretende justificar, do ponto de vista ético, o processo em curso de desregulamentação e privatização deste recurso natural. A última reunião realizada com o nome de IV Fórum Mundial da Água, em março de 2009, em Istambul, ratifica esta caracterização da água. Um aliado importante do Conselho Mundial da Água foi o Banco Mundial, principal impulsor das empresas mistas, público-privadas, para a gestão local da água.
A outra visão se reafirma na consideração da água como direito humano inalienável. Esta perspectiva é defendida por um amplo conjunto de movimentos sociais, ativistas e intelectuais articulados em um movimento global pela defesa da água, que propõe a criação de espaços democráticos e transparentes para a discussão desta problemática a nível planetário. Este movimento, que não reconhece a legitimidade do Fórum Mundial da Água, elaborou uma declaração alternativa à reunião de Istambul, reivindicando a criação de um espaço de debate global da água nos marcos da ONU, reafirmando a necessidade da gestão pública deste recurso e sua condição de direito humano inalienável [1].
A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, em julho de 2010, a proposta apresentada pela Bolívia, e apoiada por outros 33 Estados, de declarar o acesso à água potável como um direito humano. Como previsto, os governos dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e o Reino Unido se opuseram a esta resolução, fazendo que perdesse peso político e viabilidade prática, na opinião de Maude Barlow, ex-assessora sobre água do presidente da Assembleia Geral da ONU [2]. Estes quatro países, e suas forças políticas mais conservadoras, aparecem como o grande obstáculo. O perigo para os operadores da água é grande, certamente, um reconhecimento da água e do saneamento como direito humano limitaria os direitos das grandes corporações sobre os recursos hídricos, direitos consagrados pelos acordos multilaterais de comércio e investimento.
Os governos da América Latina estão avançando no reconhecimento da água como direito inalienável e na afirmação da soberania e gestão pública destes recursos. A Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia reconhece, em seu artigo 371, que o “a água constitui um direito fundamentalíssimo para a vida, no marco da soberania do povo”, estabelece também que “o Estado promoverá o uso e aceso à água sobre a base de princípios de solidariedade, complementaridade, reciprocidade, equidade, diversidade e sustentabilidade”.
Certamente, a disputa pela apropriação e o controle da água no planeta adquire dimensões que extrapolam unicamente os interesses mercantilistas das empresas transnacionais, colocando-se como um elemento fundamental na geopolítica mundial. Está claro que o planeta necessita urgentemente de uma política global para reverter a tendência do complexo processo de desordem ecológico que, ao mesmo tempo em que acelera a dinâmica de desertificação em algumas regiões, incrementa os fenômenos de inundação produto de chuvas torrenciais em outras. As consequências devastadoras que a degradação do meio ambiente está provocando e a gravidade da situação global que tende a se aprofundar colocam em discussão a própria noção de desenvolvimento e de civilização.
Os aquíferos e a preservação de ecossistemas
Há muito tempo as investigações hidrológicas dos ciclos globais da água vem demonstrando que 99% da água doce acessível do planeta se encontram nos aquíferos de água doce, visíveis nos rios, lagos e capas congeladas de gelo. Estas águas constituem sistemas hídricos dinâmicos e desenvolvem seus próprios mecanismos de reposição que dependem, fundamentalmente, das chuvas. Parte deste caudal se infiltra nas rochas subjacentes e se deposita debaixo da superfície, no que se conhece como aquíferos. Os aquíferos recebem reposição das chuvas, portanto são, em sua maioria, renováveis.
Dependendo do tamanho e as condições climáticas da localização dos aquíferos, o período de renovação oscila entre dias e semanas (nas rochas cársticas), ou entre anos e milhares de anos tratando-se de grandes bacias sedimentares. Em regiões onde a reposição é muito limitada (como nas regiões áridas e hiperáridas) o recurso da água subterrânea pode ser considerado como “não renovável” [3].
Os aquíferos e as águas subterrâneas que os conformam, fazem parte de um ciclo hidrológico cujo funcionamento determina uma complexa inter-relação com o meio ambiente. As águas subterrâneas são um elemento chave para muitos processos geológicos e hidroquímicos, e tem também uma função relevante na reserva ecológica, já que mantém o caudal dos rios e são a base dos lagos e dos pântanos, impactando definitivamente nos habitat aquáticos que se encontram neles. Portanto, os sistemas aquíferos além de serem reservas importantes de água doce, são fundamentais para a preservação dos
ecossistemas.
ecossistemas.
A identificação dos sistemas aquíferos é um requisito básico para qualquer política de sustentabilidade e gestão de recursos hídricos que permitam que o sistema continue funcionando e, do ponto de vista de nossas investigações, é imprescindível para uma análise geopolítica que procure pôr em evidência elementos estratégicos na disputa pelo controle e apropriação da água.
As grandes reservas hídricas como a bacia do Congo, Amazonas, o aquífero Guarani ou os grandes lagos de África central coincidem com a existência de grandes populações em expansão e fortes conflitos étnicos e religiosos. Além disso, grande parte dos países desta região se encontram fortemente pressionados pelo sistema financeiro internacional que tenta implantar uma gestão neoliberal dos recursos hídricos através de seu pessoal técnico para os quais as estações de tratamento de água, reciclagem e construção de mecanismos que evitem a contaminação dos aquíferos são gastos supérfluos [4].
Trata-se de um processo violento de expropriação e privatização do recurso natural mais importante para a vida. Apesar da centralidade da água potável para consumo humano, é necessário assinalar também a importância vital deste recurso para a agricultura, que afeta diretamente a soberania alimentar e para o processo industrial em seu conjunto.
Os maiores aquíferos da Europa se encontram na região euro-asiática, destacando-se, por sua dimensão, a bacia Russa, mais próxima à região polar. A Europa ocidental se vê reduzida a um único aquífero de médio porte, na bacia de Paris. Em quase todos os casos, as reservas de água da Europa padecem de problemas que afetam sua qualidade, o que ampliou drasticamente o consumo de água engarrafada, que se converteu em um item obrigatório na cesta de consumo familiar [5]. A Europa registra, proporcionalmente, a maior taxa mundial de extração de água para consumo humano: do total de água que se extrai, mais de 50% é utilizada pelos municípios, aproximadamente 40% se destina à agricultura e o resto é consumido pelo setor industrial.
A Ásia depende dos grandes aquíferos do norte de China e a Sibéria, mais próxima da região polar. Um dos casos mais graves é o da Índia, que junto com os Estados Unidos, tem uma das taxas mais altas de extração de água subterrânea do mundo.
A América do Sul possui três grandes aquíferos: a Bacia do Amazonas, a Bacia do Maranhão e o sistema aquífero Guarani, que mais parece um “mar subterrâneo” de água doce que se estende por quatro países do cone sul: Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Pelo volume das reservas destes aquíferos e pela capacidade de reposição de água destes sistemas, a América do Sul representa a principal reserva de água doce do planeta.
As regiões mais críticas, por ter uma reposição limitada de água (menos de 5 milímetros de chuva por ano), são: o norte de África, na região desértica do Saara; a Índia; a Ásia central; grande parte da Austrália; a estreita faixa desértica que vai da costa peruana até o deserto de Atacama no Chile e a região norte do México e grande parte da região centro-oeste dos Estados Unidos. Nestas regiões, pode-se considerar a água como recurso não renovável. A África sub-saariana, o sudeste asiático, a Europa, os Bálcãs, a região norte da Ásia e a região nor-ocidental da América do Norte registram níveis moderados de reposição de água, entre 50 e 100 mm por ano.
A região de maior reposição de água do mundo é a América do Sul onde, em quase todo o território subcontinental, registram-se níveis de reposição de água maiores de 500 mm/ano, o que constitui o principal fator de abastecimento dos sistemas aquíferos da região. Esta altíssima capacidade de reposição de águas superficiais e subterrâneas é fundamental, não só para o abastecimento de água doce, mas também para a manutenção e reprodução dos sistemas ecológicos e da biodiversidade na região.
Notas
1) Ver: Mabel Faria de Melo. “Água não é mercadoria”. Em: ALAI, 3 de abril de 2009.
2) Ver: Roberto Bissio. El derecho humano al agua. Disponível em
http://alainet.org/active/39769
http://alainet.org/active/39769
3) Atlas of Transboundary Aquifers. Global maps, regional cooperation and local inventories. Paris: UNESCO, p. 16.
4) TEIXEIRA, Francisco Carlos. Por uma geopolítica da água. 23 de janeiro de 2011. Disponível em http://www.tempopresente.org/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=77
5) Ibid.
* Ver texto completo em: http://alainet.org/publica/473.phtml da revista “América Latina en Movimiento”, No 473, correspondente a março de 2012 e que tem como tema “Extractivismo: contradicciones y conflictividad”.
** Monica Bruckmann é socióloga, doutora em ciência política, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil) e investigadora da Cátedra e Rede UNESCO/Universidade das Nações Unidas sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável – REGGEN.
(Carta Maior)
domingo, 18 de março de 2012
Mais de uma alternativa para deixar de ser carnívoro
BY ADMIN – 18 DE MAIO DE 2011
Novos setores sociais conscientizam-se sobre os danos do consumo de carne. Para enfrentar força do hábito, surgem opções com o flexitarianismo. Entrevista deGuilherme Carvalho, IHU On-line
Um dos principais reflexos da produção intensiva de carne se dá na água da região onde a pecuária existe. O problema é ainda maior quando se analisa a produção de alimentos para animais que depois vão para o prato das pessoas. A soja é um dos principais produtos utilizados em rações. O Mato Grosso é o Estado que mais produz esse grão no país e uma pesquisa, realizada em algumas cidades produtoras de soja, “encontrou resíduos de agrotóxicos no sangue e urina de moradores e nos reservatórios de água e poços artesianos das regiões pesquisadas”, como indica Guilherme Carvalho. Ele concedeu a entrevista a seguir por telefone à IHU On-Line em que falou a respeito das consequências e alternativas para o consumo e para a produção de carne no mundo.
Guilherme Carvalho é biólogo e gerente de campanhas da Humane Society International (HSI) no Brasil, uma ONG internacional de proteção animal. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como você relaciona a questão das mudanças climáticas com o consumo de carne?
Guilherme Carvalho – Há uma relação muito próxima entre a produção de alimentos de cultura animal e as mudanças climáticas. Segundo um relatório de 2006 da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), 18% dos dados de efeito estufa emitidos por atividades humanas vêm deste setor, da cultura animal. Isto vem de vários subsetores dentro da cultura animal, incluindo principalmente o uso de combustíveis fósseis nas propriedades, a utilização de fertilizantes em grãos que vão virar ração animal, grandes quantidades de metano, o manejo, a destinação e o tratamento dos dejetos animais… Isto tudo junto soma, segundo os cálculos da FAO, 18% dos dados do efeito estufa que é comparável ou até mesmo superior à contribuição do setor de transporte.
IHU On-Line – Quanto o consumo de carne no mundo pode alterar o atual patamar das mudanças climáticas?
Guilherme Carvalho – Sem dúvida uma redução gradual do consumo per capita de produtos animais, principalmente em classes médias e emergentes, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento tem potencial, sim, de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Hoje, matam-se mais de 67 bilhões de animais terrestres por ano, somente para consumo de carne, leite e ovos. Este é um número astronômico.
Os Estados Unidos conseguiram, pela primeira vez em décadas, reduzir o número de animais que criam e abatem anualmente. Entre 2000 e 2009, reduziram de dez bilhões para nove bilhões, ou seja, ainda é um número enorme. Isto mostra que a redução do consumo de carne, que é uma questão que está sendo lentamente conquistada nos Estados Unidos, tem potencial de diminuir o número de animais, os impactos e as mudanças climáticas.
IHU On-Line – Que tipo de movimentos existem hoje na luta pela diminuição do consumo de carne no mundo?
Guilherme Carvalho – Existem várias opções de estilos de vida que trazem a ideia de diminuir o consumo de carne. Há vegetariano ou vegano e também o flexitariano, como se tem chamado aquele que chega a reduzir 50% do consumo de carne. Nos Estados Unidos, há um movimento chamado WeekendVegetarian, ou seja, aquele que só come carne nos finais de semana. Há ainda um movimento conhecido por Segunda sem Carne, que faz uma campanha internacional de grande potencial que está ganhando força no Brasil e pode ajudar a reduzir o nosso impacto no efeito estufa. Inclusive esta é uma das principais medidas que podemos empreender – junto com outras, é claro –, tal como reduzir o uso do transporte individual.
IHU On-Line – E o que o consumo de água tem a ver com o consumo de carne?
Guilherme Carvalho – Uma questão essencial de ser entendida na cadeia de produção de carne, leite e ovos, é a da convenção alimentar. Quando consumimos a carne de um animal que se alimentou durante a sua vida de alimentos de origem vegetal, estamos diminuindo a eficiência do uso daquele alimento de origem vegetal. Porque cada espécie tem uma taxa de conversão alimentar, ela come X quilos de alimento vegetal para produzir Y quilos de carne. No caso dos bovinos, esta taxa de conversão está nas casas de sete a dez, ou seja, para cada sete a dez quilos de proteína vegetal ingerida, é gerado um quilo de proteína animal.
No caso dos frangos, que vêm sendo geneticamente selecionados, isto está na casa dos dois a três quilos ingeridos para um quilo produzido. Isto tem uma série de impactos inclusive sobre a água, porque significa que existe por trás da produção animal uma produção vegetal enorme, que está dedicada exclusivamente a alimentar estes animais de produção. Hoje, 97% da soja produzida no mundo é usada para alimentar animais. Além disso, polui muito a água com o uso de fertilizantes e agrotóxicos. Este é um dos muitos componentes do impacto que temos da agricultura animal sobre a água, tanto que existe um estudo recente da Universidade Federal de Mato Grosso junto com a Fundação Osvaldo Cruz, que encontrou resíduos de agrotóxicos no sangue e urina de moradores e nos reservatórios de água e poços artesianos das regiões pesquisadas. Um deles é Campo Verde, um dos principais produtores de grãos no Mato Grosso, que é o maior produtor de soja no Brasil.
Foi verificado que 31% dos poços artesianos com resíduos de agrotóxicos e 40% das amostras de água de chuva estavam contaminados. Este é um exemplo de como a água pode ser afetada pela produção de carne. Pense que os animais produzem quantidades enormes de dejetos que são depositados em lagoas de dejetos; por exemplo, no caso da indústria de carne suína. Estes acabam quase sempre sendo despejados nos campos, sem tratamentos ou com tratamento mínimo, infiltrando-se nos lençóis freáticos e mananciais de águas.
IHU On-Line – Esta água utilizada na produção animal é descartada de que maneira? Ela pode ser recuperada?
Guilherme Carvalho – Ela não costuma ser descartada de maneira correta. Existe um estudo que apontou que uma grande quantidade de animais pode facilmente igualar-se a uma pequena cidade em termos de produção de dejetos. Existe uma iniciativa que pretende gerar combustível a partir dos gases destes dejetos animais, e, portanto, minimizar o impacto ambiental. Se os dejetos fossem tratados corretamente, teríamos alguma redução de impacto no meio ambiente, mas os custos seriam internalizados e tornariam os produtos animais mais caros.
IHU On-Line – Sendo o Brasil o país com maior porcentagem de água doce e, ao mesmo tempo, um dos maiores produtores de carne, como este processo afeta o meio ambiente do país?
Guilherme Carvalho – Existe uma série de efeitos que a agricultura causa no meio ambiente, um deles é o despejo de dejetos animais, como dissemos antes. Além disso, temos outro dado que revela o quanto a produção de carne é prejudicial: hoje, a pecuária é, no Brasil, a maior causa de desmatamento na Amazônia. Água e floresta são coisas que andam muito juntos. Então, quando se suprem áreas de floresta, a água aproveitável do local está sendo perdida.
IHU On-Line – Como mudar essa lógica de produção?
Guilherme Carvalho – O primeiro processo é a conscientização do consumidor. É preciso consumir menos e o consumidor precisa se conscientizar a respeito da qualidade ética e ambiental dos produtos animais que ele consome. É a partir daí que podemos efetivar a pressão sobre o poder público. As políticas públicas também desde já precisam levar em conta o setor da agricultura animal, porque ele tem que ser reconhecido como um causador de alguns dos maiores impactos no meio ambiente brasileiro. Além disso, a pecuária é a maior utilizadora de terras.
IHU On-Line – Que outros hábitos alimentares humanos vêm interferindo no clima?
Guilherme Carvalho – A alimentação que reduz o consumo de carne é ambientalmente melhor. Mas não adianta reduzir o consumo de carne se comemos produtos importados, que vêm do outro lado do planeta. Consumir produtos orgânicos e da agricultura familiar e local é melhor também.
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