– 18 DE MAIO DE 2011
Novos setores sociais conscientizam-se sobre os danos do consumo de carne. Para enfrentar força do hábito, surgem opções com o flexitarianismo. Entrevista deGuilherme Carvalho, IHU On-line
Um dos principais reflexos da produção intensiva de carne se dá na água da região onde a pecuária existe. O problema é ainda maior quando se analisa a produção de alimentos para animais que depois vão para o prato das pessoas. A soja é um dos principais produtos utilizados em rações. O Mato Grosso é o Estado que mais produz esse grão no país e uma pesquisa, realizada em algumas cidades produtoras de soja, “encontrou resíduos de agrotóxicos no sangue e urina de moradores e nos reservatórios de água e poços artesianos das regiões pesquisadas”, como indica Guilherme Carvalho. Ele concedeu a entrevista a seguir por telefone à IHU On-Line em que falou a respeito das consequências e alternativas para o consumo e para a produção de carne no mundo.
Guilherme Carvalho é biólogo e gerente de campanhas da Humane Society International (HSI) no Brasil, uma ONG internacional de proteção animal. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como você relaciona a questão das mudanças climáticas com o consumo de carne?
Guilherme Carvalho – Há uma relação muito próxima entre a produção de alimentos de cultura animal e as mudanças climáticas. Segundo um relatório de 2006 da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), 18% dos dados de efeito estufa emitidos por atividades humanas vêm deste setor, da cultura animal. Isto vem de vários subsetores dentro da cultura animal, incluindo principalmente o uso de combustíveis fósseis nas propriedades, a utilização de fertilizantes em grãos que vão virar ração animal, grandes quantidades de metano, o manejo, a destinação e o tratamento dos dejetos animais… Isto tudo junto soma, segundo os cálculos da FAO, 18% dos dados do efeito estufa que é comparável ou até mesmo superior à contribuição do setor de transporte.
IHU On-Line – Quanto o consumo de carne no mundo pode alterar o atual patamar das mudanças climáticas?
Guilherme Carvalho – Sem dúvida uma redução gradual do consumo per capita de produtos animais, principalmente em classes médias e emergentes, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento tem potencial, sim, de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Hoje, matam-se mais de 67 bilhões de animais terrestres por ano, somente para consumo de carne, leite e ovos. Este é um número astronômico.
Os Estados Unidos conseguiram, pela primeira vez em décadas, reduzir o número de animais que criam e abatem anualmente. Entre 2000 e 2009, reduziram de dez bilhões para nove bilhões, ou seja, ainda é um número enorme. Isto mostra que a redução do consumo de carne, que é uma questão que está sendo lentamente conquistada nos Estados Unidos, tem potencial de diminuir o número de animais, os impactos e as mudanças climáticas.
IHU On-Line – Que tipo de movimentos existem hoje na luta pela diminuição do consumo de carne no mundo?
Guilherme Carvalho – Existem várias opções de estilos de vida que trazem a ideia de diminuir o consumo de carne. Há vegetariano ou vegano e também o flexitariano, como se tem chamado aquele que chega a reduzir 50% do consumo de carne. Nos Estados Unidos, há um movimento chamado WeekendVegetarian, ou seja, aquele que só come carne nos finais de semana. Há ainda um movimento conhecido por Segunda sem Carne, que faz uma campanha internacional de grande potencial que está ganhando força no Brasil e pode ajudar a reduzir o nosso impacto no efeito estufa. Inclusive esta é uma das principais medidas que podemos empreender – junto com outras, é claro –, tal como reduzir o uso do transporte individual.
IHU On-Line – E o que o consumo de água tem a ver com o consumo de carne?
Guilherme Carvalho – Uma questão essencial de ser entendida na cadeia de produção de carne, leite e ovos, é a da convenção alimentar. Quando consumimos a carne de um animal que se alimentou durante a sua vida de alimentos de origem vegetal, estamos diminuindo a eficiência do uso daquele alimento de origem vegetal. Porque cada espécie tem uma taxa de conversão alimentar, ela come X quilos de alimento vegetal para produzir Y quilos de carne. No caso dos bovinos, esta taxa de conversão está nas casas de sete a dez, ou seja, para cada sete a dez quilos de proteína vegetal ingerida, é gerado um quilo de proteína animal.
No caso dos frangos, que vêm sendo geneticamente selecionados, isto está na casa dos dois a três quilos ingeridos para um quilo produzido. Isto tem uma série de impactos inclusive sobre a água, porque significa que existe por trás da produção animal uma produção vegetal enorme, que está dedicada exclusivamente a alimentar estes animais de produção. Hoje, 97% da soja produzida no mundo é usada para alimentar animais. Além disso, polui muito a água com o uso de fertilizantes e agrotóxicos. Este é um dos muitos componentes do impacto que temos da agricultura animal sobre a água, tanto que existe um estudo recente da Universidade Federal de Mato Grosso junto com a Fundação Osvaldo Cruz, que encontrou resíduos de agrotóxicos no sangue e urina de moradores e nos reservatórios de água e poços artesianos das regiões pesquisadas. Um deles é Campo Verde, um dos principais produtores de grãos no Mato Grosso, que é o maior produtor de soja no Brasil.
Foi verificado que 31% dos poços artesianos com resíduos de agrotóxicos e 40% das amostras de água de chuva estavam contaminados. Este é um exemplo de como a água pode ser afetada pela produção de carne. Pense que os animais produzem quantidades enormes de dejetos que são depositados em lagoas de dejetos; por exemplo, no caso da indústria de carne suína. Estes acabam quase sempre sendo despejados nos campos, sem tratamentos ou com tratamento mínimo, infiltrando-se nos lençóis freáticos e mananciais de águas.
IHU On-Line – Esta água utilizada na produção animal é descartada de que maneira? Ela pode ser recuperada?
Guilherme Carvalho – Ela não costuma ser descartada de maneira correta. Existe um estudo que apontou que uma grande quantidade de animais pode facilmente igualar-se a uma pequena cidade em termos de produção de dejetos. Existe uma iniciativa que pretende gerar combustível a partir dos gases destes dejetos animais, e, portanto, minimizar o impacto ambiental. Se os dejetos fossem tratados corretamente, teríamos alguma redução de impacto no meio ambiente, mas os custos seriam internalizados e tornariam os produtos animais mais caros.
IHU On-Line – Sendo o Brasil o país com maior porcentagem de água doce e, ao mesmo tempo, um dos maiores produtores de carne, como este processo afeta o meio ambiente do país?
Guilherme Carvalho – Existe uma série de efeitos que a agricultura causa no meio ambiente, um deles é o despejo de dejetos animais, como dissemos antes. Além disso, temos outro dado que revela o quanto a produção de carne é prejudicial: hoje, a pecuária é, no Brasil, a maior causa de desmatamento na Amazônia. Água e floresta são coisas que andam muito juntos. Então, quando se suprem áreas de floresta, a água aproveitável do local está sendo perdida.
IHU On-Line – Como mudar essa lógica de produção?
Guilherme Carvalho – O primeiro processo é a conscientização do consumidor. É preciso consumir menos e o consumidor precisa se conscientizar a respeito da qualidade ética e ambiental dos produtos animais que ele consome. É a partir daí que podemos efetivar a pressão sobre o poder público. As políticas públicas também desde já precisam levar em conta o setor da agricultura animal, porque ele tem que ser reconhecido como um causador de alguns dos maiores impactos no meio ambiente brasileiro. Além disso, a pecuária é a maior utilizadora de terras.
IHU On-Line – Que outros hábitos alimentares humanos vêm interferindo no clima?
Guilherme Carvalho – A alimentação que reduz o consumo de carne é ambientalmente melhor. Mas não adianta reduzir o consumo de carne se comemos produtos importados, que vêm do outro lado do planeta. Consumir produtos orgânicos e da agricultura familiar e local é melhor também.
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