terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Ponta de Areia...


Para não dizer que não falei das flores ...
da mata, dos pássaros que não existem mais:

Ponto final .



De Salvador a Caravelas,
Onde mangabas, eucaliptos
Onde folha, relva, troncos esguios.
Então, cinzas, calor, fome.
Onde sabiás, sequer bem-te-vis ou pardais.
Brisa quente, silêncio, vazio.
Ponta de Areia...
Trilhos esquecidos,
Maria Fumaça silenciou.
Muralha verde sem-fim encobre a verdade
além da fumaça,
além dos gritos da floresta morta.
Choro de seriema, silêncio de rouxinóis. `
Beira-rio, quase beira-mar,
urubus observam, estáticos,
a lágrima do pescador,
silêncio, viúvas nos portais.
Lágrima.
Ao largo,
o mar
...
espera.

Josevita Tapety
Ponta de Areia, Fevereiro 2013

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

REFLEXOES QUANTO AO MECADO DO SOLO E A TITULARIZACAO DA TERRA NA AMERICA LATINA



Josevita Tapety

O valor do solo urbano e a propriedade são fatores fundamentais na busca da diminuição das diferenças sociais. A diminuição da pobreza é resultado da regularização da propriedade e  conseqüente valorização desta através da titularização.  

O preço da terra urbana se define através da oferta e da procura que determinam os valores de renda e investimentos no desenvolvimento e o planejamento da cidade.

A sistemática de estímulo da titularização, entretanto, enquanto necessariamente induzida a partir de estímulo governamental, carece de cautelosos estudos a fim de que atinja ao objetivos e não atuem de forma oposta e, ao invés de promover diminuição das diferenças, aumente o valor de venda da terra e potencialize as diferenças e o monopólio sobre o solo urbano.

O mercado de solo na América Latina se caracteriza pelo alto nível de informalidade, altos índices de segregação, preços altíssimos dos solos urbanizados e grande volume de vazios urbanos, resultado da especulação imobiliária.

Enquanto por um lado há a dificuldade em se efetivar o desenvolvimento urbano de maneira planejada, consorcia-se a esta situação o baixo nível de investimentos na criação de novos solos urbanizados mediante o processo de expansão planejada. Os valores determinados a investimentos em infra-estrutura são baixos conquanto a arrecadação em tributação destinada a re-investimentos é extremamente baixa. Os estudos mostram que os mecanismos de recuperação de mais-valia aplicados na maioria dos municípios latino americanos- são ineficientes e insuficientes. 

Ocorre que a tributação imobiliária não contempla valores capazes de transformar substancialmente as redes de abastecimento, transporte e infra-estrutura em geral. Dessa forma, também a criação de novos distritos a partir das periferias urbanas e solo rural mais próximo dos Centros de negócios  é insuficiente mediante os índices de crescimento populacional.

O valor do solo urbanizado e central é substancialmente superior ao valor do solo da periferia. As fórmulas propostas como incentivo à regularização da propriedade na America Latina, em geral, não atingem as metas propostas. Ao contrário, atua como fortalecedor de tais diferenças enquanto não cumpre a função de reverter os investimentos na melhoria dos serviços e valorização do solo urbano nas zonas periféricas.

Constatado através dos exercícios realizados e compartilhados, verifica-se que o nível de informalidade é um dos principais elementos de empobrecimento da população de baixa renda que, além de ser fadada a viver distante dos serviços de qualidade (tal como equipamentos de saúde, educação e lazer), é levada a despender mais de duas vezes os valores utilizados pela população de maior renda tanto em transportes quanto todos os demais serviços. A informalidade e precariedade das instalações mantidas nos centros urbanos e nas metrópoles Latino americana, institucionalizou-se e gerou bolsões de miséria que confrontam zonas de concentração de riqueza com possibilidade mínima de acesso à propriedade.

A situação da informalidade ( 32%, segundo a Organização da Nações Unidas – Habitat . 2003 e 43% nos países em desenvolvimento) é agente de desarticulação dos mercados imobiliários urbanos, beneficia os operadores clandestinos e sabota a arrecadação e conseqüentemente a toda a cidade.

A ilusão da possibilidade de acesso a casa  própria a baixo custo através da aquisição de lote informal leva a população de baixa renda a assumir altos custos de manutenção, transporte  e abastecimento, de maneira que tal situação mantém essas famílias em situação precária. A ilusão de viver mais barato na periferia e na informalidade pelo fato de pagar  menos impostos devido é substituída pelas altas despesas com  transporte e demais serviços adquiridos a custos muito mais altos que os serviços formais e regulares.

O mercado do solo está diretamente relacionado com  a dimensão da cidade e a expansão de suas fronteiras.  A maximização dos ganhos no mercado de terras se utiliza da informalidade como estratégia na América Latina.  Investimentos em terrenos de menos qualidade, dificuldade de acesso e má localização redundam em criação de solo urbano mais barato e maior lucratividade para os especuladores e agentes comerciais. Em contrapartida, os adquirentes assumem os custos de vida nessas localidades que se tornam mercado-alvo dos investidores.

O ciclo vicioso do loteamento clandestino que requer investimentos do poder público  em locais inadequados, titularização e criação de serviços alimenta a criação de novos assentamentos informais e exacerba a situação de precariedade municipal que provoca uma ma aplicação de recursos que dificilmente serão recuperados pela cidade.

A criação e manutenção de informalidade são características comuns tanto às grandes quanto às pequenas cidades na América Latina. O aprofundamento das discussões quanto às regras de regularização da propriedade, à oferta de solo urbanizado e bem localizado tanto para pobres quanto para ricos, assim como a definição de estratégias através de pacto atingido a partir de ampla participação social será, portanto, o instrumento capaz de proporcionar equidade a todos os cidadãos.

FORMALIZAÇÃO E TITULARIZAÇÃO IMOBILIÁRIA NA AMÉRICA LATINA


Josevita Tapety

As relações entre mercado imobiliário formal e informal são indicadores diretos da elevação do nível de renda e qualidade de vida da população. A partir dessa definição, compreende-se que a informalidade é reflexo da produção urbana dentro do sistema capitalista e, como tal, carece de estudos intensos e aprofundados a fim de se utilizar este elemento como fator determinante na diminuição das diferenças sociais.

" A informalidade não só é efeito, mas também causa da pobreza, na medida em que a população residente em áreas informais é capturada por muitos 'ciclos viciosos' que reiteram sua condição" Smolka.
A proposta de regularização da propriedade informal, ao tempo em que oferece paliativos à situação que vai do desconforto à miséria, institucionaliza as diferenças sociais na medida em que define bairros de pobres, construídos em sistema compatível com a renda familiar e capacidade de endividamento  para receber dessa população que, por sua vez irá, nesses distritos específicos, desenvolver serviços compatíveis com a vizinhança e entorno, ora distantes dos centros urbanos que redundam em altos custos de transporte, manutenção, infra-estrutura e serviços, ora na formação de bolsões de miséria melhorada ou assistida dentro do contexto urbano regular.

Através de programas governamentais  objetivando a diminuição dessas diferenças, os índices referenciados para a definição da situação da pobreza urbana  parecem ter-se alterado na última década. 
"Definitivamente, o crescimento espetacular do crescimento da informalidade, tanto nas periferias, como no adensamento de áreas já 'consolidadas' em grandes cidades latino americanas ( cidades como São Paulo e Rio de Janeiro) nas últimas décadas - período de notável queda das taxas de crescimento populacional e diminuição da imigração e relativa estabilização da percentagem de pobres - parece assinalar outros fatores explicativos além do aumento absoluto e relativo entre pobres urbanos: a falta de programas habitacionais, a diminuição de investimentos públicos em equipamentos urbanos e serviços e o próprio vicio do planejamento urbano. Todos  fatores que, definitivamente, incidem diretamente na oferta do solo urbanizado". Smolka.

Além da titularização da propriedade que atua como instrumento fomentador da diminuição das diferenças. O fator tributação define controladores de preços e investimentos e tem o poder de estimular o planejamento e investimento em qualidade de serviços, além de educar os cidadãos no sentido de compreender suas  obrigações e direitos no que diz respeito aos gastos públicos. No sentido da formalização da propriedade, os tributos tem o poder de influir diretamente no valor do solo como também pode ser agente de otimização do uso deste pois, da mesma forma que os tributos chamam a atenção da sociedade para contribuição, chama à responsabilidade os gestores  do bem público.

Há que se considerar, além das políticas tributárias e padrões urbanísticos referenciados como  adequados e dentro das normas aceitáveis para habitação humana, a flexibilização de tais padrões ante os investimentos de cada agrupamento social em anos de ocupação de setores em que determinados grupos sociais produziram espaços de convivência, soluções econômicas de sobrevivência e assumiram os custos (físicos, emocionais e sociais) dessas ocupações irregulares mas legítimas, face a ineficiência do Estado no seus papel de gestor do solo urbano.

Os padrões mínimos de serviços implantados versus padrões  resultantes da ocupação irregular na produção do espaço urbano carecem de estudo criterioso. Serviços anteriormente sob responsabilidade do Estado (água e esgoto, energia elétrica, coleta de lixo), em muitos municípios, passaram por processo de privatização e, com isso, os padrões propostos foram também reduzidos a fim de atender à meta proposta e compatibilizar custos com os efeitos da privatização.

As políticas e programas de habitação popular no Brasil e na maioria das cidades latino americanas tem resultado em importante redução do déficit habitacional. O sistema financeiro que atua como  regulador dos recursos para construção da casa própria, passou a gerir também os investimentos e fiscalizá-los ( como é o caso da Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil no programa Minha Vida).  O crescimento de bairros regulares, inseridos no contexto urbano através de programas governamentais, entretanto, tem-se transformado em núcleos desestruturados que resultam em guetos sociais. Esses espaços, na hierarquia social, estão um nível acima dos bairros e favelas resultantes de invasões em morros e beiras de rio no que diz respeito à propriedade e titularização da terra, ao tempo que a distância dos centros de negócios impõe, entretanto, maior custo de vida. O fato é que, além da construção da casa popular, os investimentos em infra-estrutura não acompanham o volume de financiamento de unidades habitacionais e adensamento de certas áreas de periferia. Por sua vez, a formalização da propriedade ocorre de forma ainda mais lenta.
É importante salientar que bairros irregulares não se constituem exclusivamente de pobres , conforme afirma Smolka, apesar da alta correlação entre pobreza urbana e assentamentos informais  e, segundo Durand-Lasserve , o mapa da ilegalidade corresponder, grande parte, ao da pobreza. No Brasil, o crescimento da população favelada aumentou cinco vezes mais que o número de pobres nos últimos 20 anos. No Rio de Janeiro, segundo Abramo( 2002), os investimentos em melhoria das favelas resultou numa valorização de 28% da propridade. Chama a atenção ao fato de que investimentos em urbanização da terra rústica por agentes privados chega a valorizar o patrimônio em até 100%.

Segundo Raquel Rolnik ( 1990) , 2/3 da população de São Paulo reside em situações que violam os códigos atuais de uso do solo e edificação. Certo é que esses assentamentos acontecem como resultado da dificuldade de acesso à propriedade nas proximidades dos centros comerciais e de negócios e se mantêm ilegais dado à ineficiência de todas as tentativas de levantar  os atuais índices através de programas governamentais.

Invasões nos centros urbanos, bases de morro e encostas, tem custo de melhoria e implantação de infra-estrutura muito superior ao custo de estruturação urbana planejada.  Pesquisas indicam ainda( segundo Abramo, 1999) que o custo de mão de obra para construir nas favelas do Rio é ao menos 10% superior  à do mercado formal. Além do custo ao edificar, reedificar e urbanizar, havemos que considerar também a baixa qualidade resultante no  setor formalizado sem planejamento e sujeito à permissividade política.
Conclui-se assim que investimentos em melhoria de assentamentos irregulares são mais caros, resultam em menos valorização do que investimentos em setores rústicos. Tais iniciativas, entretanto, contribuem para a melhoria geral da qualidade de vida da população e reverte algum investimento em favor das classes menos privilegiadas.

Na medida em que investimentos em melhoria dos bairros propiciam a elevação do valor dos imóveis irregulares, incrementa-se a comercialização desses imóveis e consequente transferência da população para setores mais afastados e mais baratos. Os bairros recem urbanizados passam a abrigar população de maior poder aquisitivo ao tempo que a anteriormente residente se transfere para mais distante. A partir desse fato, mais informalidade é gerada e novos investimentos são requisitados continuamente . A economia informal se mantém, institucionaliza-se e gera novas situações de informalidade, seguindo inclusive uma "lei " própria do mercado baseada na necessidade de sobrevivência e subsistência.
No Brasil, a ocupação supostamente programada, como é o caso das ocupações coordenadas pelo Movimento dos Sem Terra, invadem áreas de risco, limites de rodovias e beiras de rio. Formam aglomerados humanos em locais inadequados que, a curto prazo, constituirão aglomerados caóticos que, mesmo que passem por processos de formalização e titularização através de ações públicas.

Decisões políticas se sobrepõe aos estudos técnicos e a geram institucionalização de desordem urbana. A permissividade política de interesse eleitoreiro gera, portanto, situações de difícil solução a posteriori.
A discussão quanto à eficácia da regularização de assentamentos irregulares é tema que carece de atenção especial. A determinação do Plan de Accion del programa Cities without Slums ( 2001) que propos a melhoria da qualidade de vida para aproximadamente 1 milhão de moradias e 5 milhões de pessoas tem caráter humanitário além de político.  O investimento de 50% dos projetos financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento em programas de diminuição da pobreza resultou em urbanização e melhoria de assentamentos irregulares. Cabe discutir, além dos investimentos em melhoria e recuperação de assentamentos irregulares, o resultado desses investimentos no momento em que geraram novas demandas. Parece claro que a oferta adequada de terra urbanizada a preços acessíveis seria a solução definitiva para atender a necessidade da população crescente e anularia a necessidade da posse ilegal. O diagnóstico dos organismos internacionais de financiamento das cidades indica o investimento em regularização fundiária como elemento fundamental na diminuição das diferenças e tem sido implementado com o objetivo de modificar as situações de injustiça social. Entretanto, compreende-se hoje que  o efeito real desses programas não tem assegurado o efeito proposto mas, de fato, tem contribuído para a manutenção da informalidade e gera efeitos indesejados na medida em que mantém o ciclo de criação da informalidade e regularização com altos investimentos públicos.

O estabelecimento de uma cultura fiscal, onde a carga tributária seja adequada à capacidade de pagamento, em que a evasão de impostos seja mínima, incluídos os imóveis informais ( mediante avaliação específica que contemple as diferenças físicas entre os vários bairros, setores e situações de infra-estrutura existentes ou em projeto) em cadastro devidamente atualizado permitirão a ampliação da arrecadação ao tempo que propiciará ações públicas que resultarão em benefícios e possível redução da informalidade. Ainda não se identificam sistemáticas de controle sobre  os efeitos cíclicos desse procedimento.

Além do incremento do IPTU e instituição de Contribuições de Melhoria, a adoção de Outorga Onerosa deveria recuperar parte dos investimentos a serem realizados pelo Poder Público para suprir as demandas geradas pelas altas densidades resultantes de novos empreendimentos. Curiosamente, o Estatuto da Cidade, no Brasil, veda a utilização dos recursos arrecadados com a Outorga em implantação de infra-estrutura, que seria a demanda mais diretamente ligada ao aumento da densidade. Parece-nos justo e conveniente que quaisquer mais valias resultantes do processo de ocupação do solo sejam revertidas em alguma contribuição social. A ação dos governos municipais, mediante a adoção de políticas tributárias eficazes e contundentes sobre o valor da terra urbanizada, apesar da ingerência política, é agente capaz de realizar as propostas admitidas como forma de melhoria da qualidade de vida da população em geral.

 As parcerias entre governos municipais, estaduais e federais poderão assegurar acesso às linhas de financiamento que, somadas às sistemáticas de participação social de fato e efetiva e a políticas fiscais patrimoniais rigorosas, poderão gerar o desejado pacto social pela diminuição da pobreza e consequente transformação das cidades em organismos mais justos e equânimes, contanto que sejam estabelecidas regras que neutralizem as regras do jogo imobiliário urbano capazes de propiciar equidade e sustentabilidade às cidades.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Religiosidade e Religião,Athanasius Kircher


Los saberes de la antigüedad podrían señalar nuevos horizontes

Leandro Sequeiros*

Revisión de la figura de Athanasius Kircher, que ha sido considerado como un visionario


Los visionarios tienen mala prensa. Y en muchos casos, con razón. Pero han existido visionarios que pueden señalar caminos y tendencias, como el jesuita del siglo XVII Athanasius Kircher. Un curso de posgrado reciente de la Universidad de Granada sobre Hermetismo, Magia y Alquimia ha recuperado su memoria. Además, en él se concluyó que saberes de la antigüedad podrían enriquecer a las religiones y señalar nuevos horizontes. Por Leandro Sequeiros.



















































Entre los grupos de investigación radicados en la Universidad de Granada, uno de ellos se dedica a la recuperación de los saberes antiguos (el grupo HUM 404, Tradición y pervivencia de la cultura clásica ). Algunos de estos saberes no gozan de buena reputación entre los investigadores. Hay quienes opinan que deben ser considerados saberes pseudocientíficos e incluso producto de los muchos charlatanes que emergen en tiempos de crisis. 

Una figura controvertida en este amplio campo del Hermetismo, la Magia, la Cábala judía y la Alquimia es el jesuita alemán Athanasius Kircher. Este fecundo escritor e investigador, en el siglo XVII, pretendió la armonía entre los saberes antiguos ocultos y la teología. Para el profesor Ignacio Gómez de Liaño, Kircher fue un visionario
Para algunos otros, fue un hombre al que sobró imaginación y estuvo escaso de rigor científico. Athanasius Kircher fue un estudioso jesuita. Un hombre inmensamente curioso por el mundo que le rodeaba. Escribió miles de páginas en latín, publicó casi 50 gruesos libros en varios tomos, dominaba unas 30 lenguas de todo el mundo, antiguas y modernas e incluso inventó una lengua universal; y mantuvo correspondencia en 24 lenguas con estudiosos de todos los continentes. Miles de cartas, algunas muy extensas. Y muchas cosas todavía inéditas. 
Simbología, hermetismo, magia, cábala, alquimia y, en definitiva, ocultismo. El misterio del saber humano vedado a los mortales y transmitido desde la antigüedad remota a partir de los egipcios.. El visionario Kircherdesea encontrar en la herencia hermética el secreto del saber universal. Por eso, sus obras están plagadas de imágenes con significado esotérico y hermético. Una tarea inmensa que desde hace unos años se intenta desentrañar.. Pero ¿dónde aprendió Kircher esas cosas? ¿Qué fuentes consultó? A veces nos parece un extraterrestre, un mago, un ser fuera de nuestra realidad marcada por la racionalidad aristotélica.

De alguna manera, Kircher se sitúa en un punto de debate entre la ciencia del siglo XVII, la filosofía y la teología postridentina, así como de los conocimientos ocultos, y con frecuencia perseguidos y proscritos. El interés que los investigadores dedican a la figura de Kircher puede medirse en función de los trabajos de investigación y tesis doctorales sobre su figura.

¿De qué fuentes obtuvo Kircher todo su saber? Apenas lo sabemos. Pasó gran parte de su vida en el Colegio Romano. Y no se conoce con exactitud lo que contenían en esa época las bibliotecas romanas. Pero pasó parte de su época de formación en Würzburg, donde se inició –creo- en el ocultismo y las fuentes siríacas y egipcias.

Kircher era conocido en Europa

En su tiempo, Kircher gozó de merecida fama en la revuelta Europa de las guerras de religión por su capacidad para descifrar enigmas y jeroglíficos. Prueba de ello es que, al parecer, recibió hacia 1666 un manuscrito que le remitía un antiguo alumno rector de la Universidad de Praga. Kircher no logró traducirlo y lo depositó en el Colegio Romano. En un oculto lugar de la biblioteca permaneció olvidado 250 años, hasta que en el año 1912, hace ahora un siglo, el librero inglés Wilfrid Voynich lo descubrió en la vieja biblioteca del colegio jesuita de Mondragone, cerca de Roma. Aunque algunos dudan de la veracidad de esta historia.

Se trataba, al parecer, de un rarísimo manuscrito (conocido como códice Voynich ) depositado allí 250 años antes por el jesuita y criptólogo alemán Athanasius Kircher. El documento, al que según su numeración le faltaban 28 páginas, era un volumen con gruesas tapas de pergamino (en formato 27 por 15 cm) que conservaba todavía 230 páginas de texto manuscrito fácilmente legible; en él podían verse dibujos con tinta de color que representaban extrañas flores, esquemas astrológicos, "mujercitas" desnudas bañándose en extraños lagos de tinta, algo que semejaban intestinos o tubos, arabescos, estrellas y otros extraños diseños no identificados.

Según una carta que acompañaba al manuscrito, fechada en agosto de 1666, Kircher lo habría recibido de su antiguo alumno Johannes Marcus Marci, rector de la Universidad de Praga. El libro habría formado parte de la biblioteca del emperador Rodolfo II (1552-1612), gran aficionado al ocultismo y las artes mágicas, quien lo habría adquirido en el año 1586 por la nada despreciable suma de 600 ducados (unos 40.000 euros actuales).

En Praga, el sabio Johannes de Tepenecz (Jacobus Horcicky de Tepenecz alias Sinapius, 1575-1622), alquimista checo de humilde origen que llegó a ser responsable de la farmacia real y favorito del emperador Rodolfo II, intentó descifrar su contenido. Pero estaba escrito en una lengua misteriosa que nadie sabía interpretar. Tepenecz llegó a dejar su firma en uno de los márgenes cuando el libro pasó a ser propiedad suya a la muerte del emperador.

Esta anécdota es expresiva: Athanasius Kircher era una figura reconocida en toda Europa, gracias a sus contactos y a sus trabajos, en el mundo de las ciencias y de los conocimientos “ocultos” y a veces proscritos (alquimia, hermetismo, magia, gnosis, etc.). Kircher fue un hombre que vivió obsesionado por la armonía entre el conocimiento humano de todo tipo, el saber antiguo y el moderno, la ciencia y la teología.

Profesor del mítico Colegio Romano de la Compañía de Jesús, sumergió su poderosa mente en problemas científicos. Buscaba –como los grandes sabios de la antigüedad – la respuesta a los grandes interrogantes del ser humano, de la cultura, del conocimiento racional y científico y de Dios. El filósofo y escritor italiano Umberto Eco, ha escrito de Kircher: es el más contemporáneo de nuestros antecesores, el más trasnochado de nuestros contemporáneos.

¿Quién es este Athanasius Kircher?

No son muy abundantes los datos biográficos fiables del P. Kircher. Las fuentes directas son poco accesibles y, por lo general, se trabaja sobre fuentes secundarias. Incluso en las redes de Internet son abundantes las páginas web con datos biográficos de Kircher, muchos de los cuales están escasamente contrastados o se reducen a copiarse unos de otros. Los autores coinciden en estos datos generales sobre la biografía de nuestro autor:

Athanasius Kircher nació en Geisa (Ghysen), cerca de Fulda (provincia de Hesse-Nassau, en Sajonia-Weimar) un 2 de mayo, día de San Atanasio de 1601 (o tal vez, de 1602, según nuestro calendario).

Athanasius fue el más pequeño de los ocho hijos (seis varones y dos mujeres) fruto del matrimonio entre Johannes Kircher y Anna Gansek. Johannes Kircher, su padre, había nacido en Maguncia (Mainz), y era doctor en Teología. Siendo un joven teólogo laico, obtuvo un puesto de trabajo de tipo administrativo en la Abadía benedictina de Fulda. Esto le hizo trasladarse a esta ciudad en la que conoció a la que sería su esposa, Anna. Precisamente, en Fulda tenían los jesuitas un colegio donde estudiaron los hijos varones, y entre ellos el joven Athanasius. En este centro estudió latín, griego y hebreo desde 1614 a 1618 (desde los 13 a los 17 años) y allí sintió su vocación a la Compañía.

El 2 de octubre de 1618 ingresa como novicio en la Compañía de Jesús, y en 1620 se traslada a la ciudad de Paderborn, donde estudia Humanidades Clásicas, Filosofía escolástica, Ciencias Naturales y Matemáticas hasta 1622. Estos estudios los completó un año más en Münster y Colonia.

La formación intelectual y académica de Kircker

Una vez terminados los estudios de Humanidades y Filosofía, Kircher pasó a la etapa que en la tradición jesuítica se llama el "magisterio", durante la cual el joven estudiante pasa a ser temporalmente profesor en alguno de los colegios para niños y jóvenes.

1. Los primeros años como jesuita: En 1623, el joven Kircher fue destinado al Colegio de Coblenza donde imparte clases de lengua griega a los niños y a los jóvenes. El curso siguiente, 1624 -1625, Athanasius Kircher, a la sazón de 24 años, pasa a impartir clases en el laboratorio de Física del Colegio jesuita de Heiligenstadt en Sajonia. Este laboratorio tenía una fama bien ganada, pues en él se encontraban los aparatos "más modernos" (entonces) para acercar a los jóvenes a los métodos de lo que hoy llamamos la investigación científica. Esta experiencia será de gran valor para Kircher. Hasta el momento no tenemos datos sobre sus inquietudes “ocultistas” y herméticas.

2. Su formación teológica: finalizada la etapa llamada de "magisterio" en 1625, Athanasius Kircher inicia sus estudios de Teología en la Universidad de Maguncia, donde también había estudiado la misma materia su propio padre. En esta ciudad fue ordenado sacerdote en 1628, con 27 años. Sus estudios los compaginó con trabajos de planimetría y agrimensura por encargo del Elector de Maguncia que contribuyeron grandemente a su posterior interés por la geografía. También empezó a utilizar el telescopio para sus observaciones que tuvieron como objetivo principal el estudio de las manchas solares. Retomaba el debate que casi 20 años antes mantuvieron Galileo y el jesuita Scheiner. Hasta el momento no tenemos datos sobre sus inquietudes “ocultistas” y herméticas. Parece ser que era un physico convencional, con tendencias platónicas propias de la época.

Profesor en Würzburg: Ese mismo año, 1628, fue nombrado profesor de la Universidad de Würzburg, donde se le encarga enseñar materias tan variadas como la filosofía escolástica, las matemáticas, las lenguas hebrea y siríaca (nombre con el que se conocía entonces al arameo). Ese mismo año inicia su interés por la interpretación de los jeroglíficos egipcios con ocasión de la lectura de un libro que trataba de los obeliscos conservados en la ciudad de Roma. En Würzburg tuvo su primer contacto con la medicina profesional (a la que hace abundantes referencias en Mundus Subterraneus) y publicó su primer libro en 1631: la Ars Magnesia, referente al magnetismo terrestre. Sería muy interesante un estudio sobre Kircher en Wirzburg, hasta que cumplió los 30 años.

El tema del magnetismo terrestre lo retomará años después publicando en 1641 el Magnetes sive de arte magnetica que conoció varias ediciones (Roma, 1641; Colonia, 1643; Roma, 1654).

3. Profesor en Francia: Avignon: En 1631, Kircher abandona la ciudad de Würzburg debido al avance de las tropas de Gustavo Adolfo, y se establece en el Colegio de los Jesuitas de Avignon. Se llevó consigo a su discípulo, el también jesuita Caspar Schott (1608-1666). Caspar Schott fue un fiel discípulo del maestro, mantuvo correspondencia con Otto von Guericke, Christiaan Huygens y Robert Boyle; y publicó más tarde Magia Universalis Naturae et Artis (4 volúmenes, Würzburg, 1657-1659) sobre Óptica, Acústica, Matemáticas y Física.
La amistad entre Kircher y Schott fue constante y les llevó a una fecunda colaboración científica. Entre otras cosas, Schott será quien complete la segunda edición, editada en 1660, del Iter Extaticum coeleste et terrestre (de 1654). Más adelante hablaremos con más detalle de este interesante libro y sus imágenes.

En el Colegio de Avignon, ciudad que era territorio pontificio, Kircher (con 30 años) enseñó matemáticas y desarrolla una amplia tarea científica en muy diferentes campos: la astronomía, el desciframiento de inscripciones egipcias, la planimetría y la agrimensura. También construye un planetario para el cual realizó experimentos basados en dirigir la luz del Sol y de la Luna hacia la Tour de la Motte del Colegio mediante ingeniosas combinaciones de espejos. De todos estos experimentos resultó un libro (del que hablaremos más adelante) sobre las observaciones astronómicas por medio de la reflexión de la luz y otro sobre una disciplina extraña: la catóptrica (la parte de la óptica que trata de los procesos de reflexión de la luz).

En 1633, estando aún en Avignon, le presentaron a Gassendi en Aix-en-Provence, con el cual seguirá manteniendo correspondencia y amistad durante muchos años. Téngase en cuenta que Gasendi es un representante cualificado de las posturas opuestas al rígido mecanicismo de Descartes. Está por estudiar las influencias mutuas que Gassendi y Kircher pudieron tener.

En este mismo año (1633), Kircher se propone interpretar el lenguaje de los jeroglíficos egipcios. Casi dos siglos antes de Champollion y la Piedra Rosetta, Kircher trabajó en este campo basándose en la lengua copta (que dominaba perfectamente) como herramienta lingüística para descifrar la escritura egipcia. Según los expertos, en este trabajo dominó más su juvenil fantasía que el rigor científico. De estos trabajos resultó una gramática de la lengua copta, editada en Roma diez años más tarde.

Los extraños caminos que llevan a Roma: el Colegio Romano en los tiempos de Kircher 

Hay ocasiones en que, como dice el refrán, "el hombre propone y Dios dispone". Eso le sucedió a Kircher. Esta es la historia: en el año 1633 el Emperador Fernando II, conocedor de la sabiduría del jesuita, propone a sus superiores que concedan permiso para que Kircher sea nombrado profesor de matemáticas en Viena. Otras fuentes (Diccionario Histórico de la Compañía de Jesús ) indican que fue Fabri de Peiresc (gran aficionado a las antigüedades e interesado en la investigación orientalista y egiptológica), quien persuadió, por medio del cardenal Francesco Barberini, al papa Urbano VIII para que lo destinara al Colegio Romano.

Concedido el permiso, Kircher se dirigió desde Francia a Alemania por vía marítima. En una accidentada travesía, sufrió varios naufragios que le obligan a arribar a la ciudad de Roma, donde no tenía intención de ir. Está por estudiar la abundante correspondencia de Fabri con Kircher. Posiblemente se desvelarían muchos misterios relativos a los estudios de Kircher.

Sea del modo que sea, Athanasius Kircher nunca llegó a Viena. Desde ese año 1633 hasta su muerte en 1680, permaneció como profesor en Colegio Romano, que gozaba en aquel tiempo de una merecida fama. Desde 1633 hasta 1638, Kircher dispuso de su tiempo para trabajar libremente en Roma. No tenía aún una misión concreta. Por ello se dedicó a la egiptología publicando el Prodromus Coptus sive Aegiptiacus (1636), un pequeño tratado de coptología.

Desde 1638, cuando tenía 37 años de edad, se incorporó como profesor de Física y de Matemáticas al claustro de profesores del Colegio Romano. No se puede entender la obra completa de Kircher, el impresionante esfuerzo intelectual de ámbito científico, filosófico y teológico, sin situarlo en el contexto de esta institución al servicio de la Iglesia.

El Colegio Romano fue fruto del desarrollo de una de las intuiciones más preclaras de Ignacio de Loyola y tenía como objetivo colaborar en la restauración católica que había iniciado el Concilio de Trento. En la mente de Ignacio se trataba de impulsar una institución dedicada a la educación cristiana de la juventud, a la formación del clero, a la recuperación de la presencia católica en las letras y en la ciencia, a la formación de apóstoles decididos a difundir la fe de Roma.

¿”El último hombre que lo sabía todo”? ( The last man who knew everything, Paula Findlen)

Aficionado a la ciencia, inventor y coleccionista se considera a Athanasius Kircher un erudito en diversos campos del saber en los que publicó diversos tratados: el estudio del chino, la escritura universal ( Novum hoc inventum quo omnia mundi idiomata ad unum reducuntur, 1660) o el arte de cómo pensar. Destacó por su estudio sobre la lengua copta y su aplicación al desciframiento de los jeroglíficos egipcios, campo en el que pese a que se le consideraba un experto no logró ningún resultado válido llegando a publicar un libro lleno de presuntas traducciones sin valor.

Pienso que Kircher estaba fascinado por la investigación del origen de las culturas. Este trabajo lo llevó a cabo rastreando el origen de las lenguas. Y sobre todo, si el origen de las lenguas y de las culturas provenía de Egipto o de China. Ya lo veremos en China Munumentis Illustrata (1867). Además clasificó a los animales en aquellos que nacían de la nada y aquellos que nacían normalmente.

En su obra del año 1641 Ars magna lucis et umbrae describe varios artilugios relacionados con la luz y las sombras, entre ellos varios diseños fantásticos de Relojes solares: fue una de las muchas contribuciones del siglo XVII a la gnomónica (la construcción de relojes).

La obra escrita de Kircher

La obra impresa de Kircher es de 44 títulos de muy diversos temas. De igual modo, los manuscritos y su correspondencia son muy amplios. En 2001, con ocasión de centenario, se publicó un catálogo del fondo kircheriano. Consta de 2.587 documentos en 20 lenguas, con cartas que proceden de 336 ciudades en 42 países.

Siguiendo las pautas de la Ratio Studiorum profundizó en el estudio de los autores clásicos. Séneca, Estrabón, Plinio y el Cicerón del Somnium Scipionis, son manejados con soltura y aprovechamiento. Se puede decir que constituyen la base fundamental de su pensamiento geocósmico. Pero también debió consultar otras fuentes, otras bibliotecas extrañas. Y uno lo evoca en la biblioteca de El Nombre de la Rosa de Umberto Eco, pasando páginas de los saberes prohibidos..

Una de las preguntas que me hago después de recorrer los casi 80 años de su vida es: ¿qué itinerario sigue su mente? ¿Qué experiencias le marcaron desde sus primeros años de estudiante jesuita? ¿Qué contactos? ¿Qué amistades? Y uno se lo imagina rodeado de magos, de nigromantes, de herméticos, de gente rara..

Kircher fue n auténtico friki en del sentido más moderno de la palabra. Uno de sus primeros trabajos está dedicado a los experimentos realizados en Avignon años atrás con espejos, a partir de los cuales construye un reloj de reflexión. En los primeros años de estancia en Roma, además del tratado de coptología, publicó cuatro gramáticas árabes en latín ( Lingua Aegyptiaca restituta, Roma, 1643).

Años más tarde, vio la luz un monumental tratado de Egiptología (Oedipus Aegyptiacus). Los cuatro tomos se editaron entre 1652 y 1653. Tras estos, vinieron otros muchos libros de temas variados, tocando los temas más diversos: desde la interpretación de los jeroglíficos egipcios ( Obeliscus Pamphilius, 1650), tratados de lenguas orientales, de cultura china ( China Monumentis illustrata, Amsterdam, 1667), de música ( Musurgia Universalisfeeds.feedburner.com/feedburner/gsJB, Roma, 1650), de física (Primitiae gnomonicae catoptricae, Avignon, 1635) y geofísica (Ars Magna Lucis et Umbrae, Roma, 1646) y de magnetismo (Magnes sive de Arte Magnetica, Roma, 1641; Ars magnesia, Würzburgo, 1631; Magneticum Naturale Regnum, Roma y Amsterdam, 1667), de matemáticas, de medicina (Scrutinium physico medicum contagiosae luis, quae pestis dicitur, Roma, 1657), de zoología ( Arca Noe, Amsterdam, 1675; Turris Babel, Amsterdam, 1679), etc.

Parece ser que Kircher tenía gran interés en divulgar los conocimientos. Por eso escribe en latín, que era la lengua culta normal y universal. Sus obras tienen gran claridad expositiva, acude con frecuencia a las anécdotas, acompañaba al texto con preciosas litografías y, al escribir en latín, se difundieron sin dificultad por toda Europa.

El Musaeum Kircherianum

Su afán divulgador le llevó a montar en Roma un gran Museo (conocido luego como Musaeum Kircherianum. Nuestro activo autor, empezó a coleccionar objetos curiosos en su propio cuarto en Roma. Como la cantidad de objetos aumentó desmesuradamente, el Rector concedió a Kircher una estancia mayor. Pero en 1615 Alfonso Donnini (más conocido por su nombre latinizado de Donninus) había donado al Colegio una colección de cosascuriosas y valiosas. Este fue el germen del Musaeum Kircherianum que fue dirigido por el P. Athanasius Kircher en Roma.

El Museo comprendía colecciones de curiosidades, rarezas naturales, arqueología, etnografía, instrumentos científicos, malacología, rocas, minerales y fósiles, etc. En 1678, Jorge de Sepi, bajo la dirección de Kircher, publicó un catálogo del mismo ( Romani Collegii Soc. Jesu Musaeum celeberrimum, cuius magnum antiquariae rei, statuarium imaginum, picturarumque partem ex legato Alphonsi Donnini S.P.Q.R. a secretis munifica liberalitate relictum P. Athanasius Kircherus Soc. Iesu novis et raris inventis locuplectatum, cumpluriumque Principum curiosis donariis magno rerum apparatu instruxit; Amsterdam, 1678).

A la muerte de Kircher, los jesuitas encomendaron al padre Filippo Bonanni (1638-1735) su reorganización e ilustración. En 1709 publica la obra Musaeum Kircherianum (539 páginas y 171 láminas). Con la supresión de la Compañía de Jesús en 1773, las piezas del Museo fueron dispersadas. Aunque tras la restauración hubo un intento de agruparlas, la incautación por parte del Gobierno italiano en 1870 acabó con el Musaeum. Los restos del mismo se integraron en 1913, parte de ellos en el Museo Paleoetnográfico del Museo de Roma, y otros en los fondos del Museo Nazionale de Castel Sant´Angelo.

Se atribuyen a Kircher muchos "inventos" curiosos, entre ellos, un sistema de proyección a través de colores, que puede considerarse antecesor del cinematógrafo. Kircher pretendía difundir y divulgar los conocimientos de que disponía por medio de esta obra monumental. Sus obras son de gran claridad, reúne los avances científicos de su época en armonía con los datos de la Escritura, de los Santos Padres y la tradición de la Iglesia, así como los mitos, lo saberes ocultos, la alquimia, la magia, el hermetismo.

Kircher deseaba un saber universal que incluyese todos los conocimientos dentro del marco del saber teológico. Al estar escrito en latín el libro se divulgó rápidamente por Europa en la que obtuvo gran popularidad. Jungius y Leibniz citaron las obras de Kircher y von Guericke aprovechó muchas de las ideas de la Magnes, sive de arte magnetica (1643), de la Ars magna lucis et umbrae (1646), del Iter Exstaticum (1654) y del Mundus Subterraneus(1665).

El visionario Athanasius Kircher

Está por hacer un estudio completo de las ideas de Kircher. Hay estudios parciales (sobre la música, la egiptología, las lenguas, las matemáticas, el universo, la idea de la Tierra, etc). Su extensa obra, a veces compleja, manifiesta la mente de un visionario. Un hombre de profunda fe que quiso unificar todo el saber humano bajo el vasto edificio de la revelación bíblica. Me fijaré en unos cuantos aspectos:

La Tierra oculta y mística: el Geocosmos

Kircher elaboró una visión mística y científica del mundo: elGeocosmos. ¿Pero, cómo surge la idea del Geocosmos en la mente de Kircher? Todo parecer ser un misterioso juego de casualidades. El año 1638 hay que considerarlo, según sus biógrafos, fundamental para la obra geográfica y geológica de Athanasius Kircher.

Kircher acuña un concepto nuevo que ha pasado al vocabulario científico: es el concepto de Geocosmos que se introduce para interpretar dentro de él los fenómenos naturales globales del planeta Tierra. Basándose en el organicismo, Kircher concibe en su poderosa mente una gran obra de síntesis. El primer ensayo general de su obra se publica en 1654, añadido a la primera edición de su Iter Exstaticum.

Mundus Subterraneus (1665) es un gran tratado sobre lo que el autor denomina Geocosmos: el mundo terrestre considerado como una unidad, a medio camino entre el Macrocosmos (el Mundo, kosmos en griego) y el microcosmos (el organismo humano). La interpretación organicista, de raíz neoplatónica y aristotélica, concibe el funcionamiento del globo terrestre como si fuera el de un ser vivo. El organicismo postula que el Macrocosmos reproduce la realidad del Microcosmos, representado por el hombre y los seres vivos.

Las imágenes del mundo subterráneo de Kircher tuvieron una gran aceptación durante mucho tiempo. Pero las ideas kircherianas no son del todo originales. Muchas de sus afirmaciones hunden sus raíces en las doctrinas clásicas de Platón y Aristóteles, así como en concepciones mágico-herméticas y también de la filosofía estoica.

La Centrosofía

Para entender en su justa dimensión el intento científico, filosófico y teológico del Geocosmos será necesario citar uno de los textos más clásico de Mundus Subterraneus, perteneciente al Libro Primero, "o Centrográfico, que también se llama Centrosofía " (eco hermético u ocultista).

"Cuando me propuse dar a la luz las cosas admirables del mundo subterráneo, me pareció que tenía que empezar mi disertación por aquella parte que con toda justicia se considera la base y el fundamento de todas ellas. Porque, así como el poder de Dios brilla en toda la fábrica del mundo corpóreo y en los diversos órdenes de los seres, así también luce en gran manera la inacabable sabiduría del Hacedor en la construcción del Centro. En él se esconde un no sé qué admirable y, por así decir, émulo de la divinidad, en el que casi coinciden lo máximo y lo mínimo, mientras que en toda la amplitud del mundo contiene todos los cuerpos brillantes, a todos los deriva hacia sí, los atrae y los lanza fuera de sí: obra muy admirable, obra de la diestra del Excelso, que se funda en la fuerza de Dios que del mismo modo que sacó las propagaciones del organismo mundano como de un centro, también las reduce todas a lo mismo y quiso que todas estuviesen conectadas con lo mismo" (De Mundus Subterraneus, 1665, Libro I, sección primera sobre la admirable naturaleza del centro y la mayor de las obras de Dios. Prefacio. Adaptado de E. SIERRA, opus cit., pág. 55-56).

Kircher y los jeroglíficos de Egipto

Atanasius Kircher fue también un visionario en su intento de conocer la cultura egipcia. Fue uno de los pioneros en el estudio de las lenguas del antiguo Egipto y específicamente de los jeroglíficos, además de dejar notables contribuciones en otros campos. Con una buena formación en griego y hebreo, a él debemos la consideración de que el copto es la última etapa de desarrollo de la lengua hablada en el Egipto Faraónico, o que el hierático no es más que una forma cursiva de los jeroglíficos.

Con respecto a estos últimos, si bien Kircher pensaba que pudieron tener un empleo (segundario) cotidiano y “vulgar”, como signos de valor fonético o alfabéticos, dedicó su estudio al supuesto uso, para él superior y de mayor interés, como un sistema simbólico que ocultaba misterios y verdades universales, y que, como buen jesuita ilustrado y, partícipe de las corrientes neoplatónicas imperantes, consideraba compatibles con la fe cristiana.

Aparentemente el interés de Kircher por los jeroglíficos comenzó estudiando una colección de inscripciones egipcias conservada en la ciudad alemana de Speyer. Posteriormente, se aplicó al copto, y comenzaron a aparecer sus trabajos al respecto.

Tal vez el estudio más completo de Kircher sobre este tema es el Oedipus Aegypciacus, 1652-1655 (4 volúmenes), pero en 1636 publicó el Prodromus coptus sive aegyptiacus, su primera gramática copta. En 1644 apareció suLingua aegyptiaca restituta, que durante mucho tiempo fue el mejor y casi único léxico copto al alcance de los eruditos occidentales. En 1650 apareció el Obeliscus Pamphilius, dedicado ya a los jeroglíficos.

En Oedipus Aegyptiacus, publicado entre 1os años 1652 y 1654, Kircher recopila gran cantidad de monumentos e inscripciones egipcias, incluyendo todos los obeliscos de Roma, convirtiéndose en la obra fundamental de referencia hasta la publicación de la Description de l’Égypte a comienzos del siglo XIX. En ella lleva a su máxima expresión su interpretación mistérica y simbólica de los jeroglíficos, para lo cual, además de la filosofía y las matemáticas griegas, reconoce contar con la magia y la astrología caldeas, la alquimia árabe y la Cábala hebrea.

El Oedipus contiene muchos elementos valorables, como la larga recopilación, estudio y descripción de monumentos faraónicos (incluido el templo de Isis Campensis en Roma), así como otros difícilmente aceptables en la actualidad, como el tratado de Alchymia Hieroglyphica… El volumen tercero está dedicado a la traducción de las inscripciones jeroglíficas, que, según su sistema de comprensión simbólica, conduce a lecturas totalmente erróneas. Célebre es su versión de la fórmula egipcia “Osiris dice” (que introduce las palabras puestas en boca del dios), que para Kircher contiene el siguiente texto: “La traición de Typhon termina en el trono de Isis, la humedad de la naturaleza queda guardada por la vigilancia de Anubis…”.

Los misterios de China

Por qué publica Kircher en 1667su China monumentis qua sacris profanis, nec non variis naturae et artis spectaculis, aliarumque rerum memorabilium argumentis illustrata. Kircher aquí también fue un visionario. Las motivaciones presentes en la obra de Kircher no se circunscriben únicamente a los amplios espacios del universo chino sino que remiten a problemas irresueltos ligados a la cultura egipcia. Es más, la archiconocida comparación de los caracteres chinos con los jeroglíficos egipcios supone la culminación de la obra de Kircher acerca de Egipto, cuyo comienzo data del Lingua Aegyptiaca restituta (1643) y continúa con Oedipus Aegyptiacus (1652-55).

Pese a que en diferentes partes de la China Illustrata, como en el capítulo IV (pp. 223 y ss.), Kircher acertó a vislumbrar notables diferencias entre los ideogramas chinos y los jeroglíficos (que apuntan siempre a los “conceptos ideales”), en general su recurso a la consideración sobre la naturaleza idolátrica de la religión egipcia le sirvió para explicar las derivas politeístas asentadas en India y China.

Conclusiones

Athanasius Kircher fue un visionario que quiso construir una síntesis universal de todos los saberes orientados desde la revelación divina en la Biblia. Mantiene una visión del mundo heredada de las antiguas filosofías que es el marco de referencia de sus postulados. En eso coincide con sus contemporáneos del siglo XVII, por el que la filosofía del organicismo revistió un ropaje renovado que se difundió dentro de lo que se ha dado en llamar la visión panvitalista del mundo.

Para estos médicos, sus teorías están atravesadas por una visión según la cual Dios, en uso de su omnipotencia, quiso crear el mundo como un inmenso mecanismo vivo, para que frente a él los hombres ejercieran inteligentemente su voluntad de conocerlo y dominarlo. Tal fue la tesis más central de estos mecanicistas modernos.

Usando de esa misma omnipotencia, Dios ha querido que el mundo creado fuese un ingente organismo viviente, para que dentro de él, conviviendo humanamente con todo cuanto en él existe, pudiesen los hombres comprenderlo para dominarlo y curar sus enfermedades. Dos paradigmas alternativos intentan desarrollar el conocimiento y el funcionamiento de esta realidad del cosmos: por un lado, la máquina; por otro lado, el organismo viviente.

En el siglo XVII se expresa con fuerza la interpretación organicista del mundo. Para ellos, el universo se nos aparece como una multiplicidad de cosas cualitativamente distintas entre sí. Pero la existencia visible de cada una de ellas y su peculiaridad cualitativa no son sino la manifestación de las "fuerzas" específicas y genéticas que tienen la raíz misma de su realidad activa y productivamente las hace ser y ser como son.

Muchas de las visiones del mundo de Kircher están hoy obsoletas. Pero hay una línea de continuidad: la búsqueda de nuevas fronteras de conocimiento, el intento de síntesis universales de los saberes antiguos y su convergencia hacia la Revelación Bíblica puede ser un elemento válido para una cultura, como es la del siglo XXI, que busca nuevos horizontes para situar allí su experiencia religiosa.


*Leandro Sequeiros, Catedrático de Paleontología, coeditor de Tendencias de las Religiones y colaborador de la Cátedra Ciencia, Tecnología, Religión.

Religião e Religiosidade



Na essência dos ensinamentos das religiões, existe uma tendência comum em torno de se alcançar a atitude moral equilibrada.
Em todas elas, pode-se observar uma pregação constante na permanente busca pelo
inefável, incognoscível e transcendente.

Nem sempre o caminho a ser percorrido pelos adeptos consegue atingir esse alvo, pois cada ser humano possui seu repertório de experiências que balizará sua relação com a religião.

Fundamental é que se perceba, além do aspecto concreto que existe do divino até o ser humano, o que há psiquicamente, isto é, o repertório de experiências acumuladas no inconsciente humano, que interferem no caminho a ser percorrido.

O ser humano constrói uma Religião Pessoal, independentemente do que lhe acontece externamente, por conta da percepção própria a respeito do sagrado.

Os termos religião, atitude religiosa, religiosidade, espiritualismo, inquietação mística, ascese mística, entre outros, nem sempre se referem aos mesmos objetos de interesse.

A criatura humana, mesmo estando consciente de que busca algo superior para a compreensão de si mesmo e do universo que a cerca, nem sempre sabe de fato o que quer. Sofre influências inconscientes, oriundas de suas próprias experiências pregressas, que a levam a acreditar cada vez mais em algo distinto do que conscientemente deseja.

 Medos e anseios pueris interferem na sua compreensão, levando-a muitas vezes a buscar salvações mágicas e inconseqüentes.
A adoção de uma religião parece ser um ato exclusivamente aleatório de seu livre-arbítrio ou resultante de um chamado divino, neste caso externo.
Deve ser também considerada uma necessidade psicológica, portanto, interna.
Nesse último aspecto, uma condição coletiva contra a qual não se pode resistir.
Uma tendência humana forjadora da cultura e dos valores. Nesse sentido, de existir
um imperativo psicológico inconsciente, a autoridade religiosa que norteia a busca espiritual do ser humano não deve ser externa (um livro, um líder religioso, um depoimento de alguém, um governo etc.), muito embora possa se iniciar dessa maneira.

 A autoridade real deve ser a própria consciência humana, a partir das experiências
adquiridas em suas vidas sucessivas, conduzidas pelo sentido que atribui a sua vida atual e futura.
Sobre a tendência inconsciente deve prevalecer uma atitude consciente.

Nas organizações religiosas de pequenas comunidades, as escolhas individuais se estruturam contaminadas pelo arquétipo dominante que atua em seus líderes. Só a maturidade do ego pode fazer a consciência assumir a atitude religiosa.

Religiosidade é a tendência ao sagrado, isto é, ao que transcende o humano para além dele mesmo.
Necessariamente não obriga o ser humano à adoção de uma religião.
Quando a religião é adotada, a religiosidade adequou-se, podendo resultar, ou não, em estagnação da consciência que deseja realizar-se.

A religião formal tende a permitir um certo alívio da tensão provocada pelo inconsciente,
que impulsiona o ego na direção do sagrado.
 A religiosidade o impulsiona para a compreensão de si mesmo, assimilando os conteúdos inconscientes, direcionando sua energia para a compreensão da realidade e de sua existência no mundo.

O conhecimento a respeito das coisas do espírito, vindo do Espiritismo ou de outras religiões mediúnicas, do Hinduísmo, do Cristianismo ou de crenças esotéricas, deve ser utilizado para a formação da Religião Pessoal.

Por enquanto ele ainda é elemento da curiosidade da consciência pueril da humanidade, usado como sistema de proteção contra o medo e o desconhecido.

Em face da infância espiritual do ser humano, tal conhecimento é misturado com crendices e superstições, que apenas atendem ao anseio coletivo de aliviar as tensões inconscientes.

Ainda não estão a serviço da religiosidade nem da formação da Religião Pessoal, muito embora sirvam à atualização do arquétipo, necessitando da conscientização adequada pelo ego para a internalização do resultante das experiências vividas.

É importante ressaltar que a religião coletiva não se constituiu num conjunto coeso de normas e regras interpretadas e aceitas integralmente por todos. Tampouco se deve pensar que a totalidade dos adeptos de uma religião tem a mesma consciência de seus princípios, bem como a praticam da mesma forma.
Na realidade, os adeptos das grandes religiões vivenciam o sagrado de diferentes formas, mas preferem estar abrigados sob o manto protetor da coletividade a assumir, cada um, sua singularidade.

Pode-se dizer que não existe religião uniforme, pois na realidade seus diversos nomes são denominações oriundas de algum fato gerador numinoso. Foram geradas por um fenômeno místico e transcendente e se diversificaram quando se confrontaram com o processo de
simbolização da psiquê de cada indivíduo. O novo (clima, tradições, linguagem, etc.), as experiências coletivas de cada povo e as experiências de vidas passadas são responsáveis
pela multiplicidade de expressões religiosas.

O número de religiões cresce ao surgimento de cada novo paradigma que se estabelece. Essa tendência é fruto do processo de amadurecimento da psiquê, bem como do distancia-
mento do mito que deu origem àquela religião.

Todos possuem sua Religião Pessoal, muito embora não tenham consciência ou coragem de assumir. Vivem-na na intimidade de sua consciência, muitas vezes receosa de manifestar autenticamente o que pensa e sente.

A religião formal deve favorecer a construção de uma religiosidade madura, capaz de fazer face aos anseios psíquicos inconscientes de realização pessoal, de descoberta do Si-Mesmo e de encontro com Deus.
Quanto mais o indivíduo assuma sua Religião Pessoal e construa uma religiosidade que suporte todo o mal inerente à natureza humana, mais cedo alcançará a compreensão de sua existência e viverá sua essência.
 Por não suportar o mal, a religião exclui parte da natureza humana.

Uma religião que ofereça uma perspectiva de continuidade da existência do eu, que, por conta disso, impulsione as pessoas à comunicação interdimensional (mediúnica), que reforce a obrigação ética, que pugne pela responsabilidade social pessoal e que convide as pessoas a vivenciar o amor não pode ser vivida simplesmente para uma suposta salvação pessoal ou para encher os templos de adeptos.

Uma religião que se fixe em estabelecer o que é moral, bem como em condenar uma imoralidade formal, que não compreende o dinamismo do Universo tende a estagnar, falir ou alienar seus adeptos. É necessário que se entenda que o imoral, com o tempo, pode se
transformar em moral ou vice-versa.

É preciso viver religiosamente, porém sem se alienar do mundo, sem deixar de considerar que todos estão num mesmo momento evolutivo e que isso os nivela espiritualmente.

A Religião Pessoal deve ser capaz de proporcionar uma vida pacífica, harmoniosa e com
amorosidade.
Uma religião que não resiste à mínima imoralidade é apenas uma conveniência humana. A religião não é para formar crentes, mas para fazer evoluir consciências.
Sua missão é libertar as consciências, também de seus próprios egos.

Religião sem religiosidade torna-se um movimento intelectual, frio e tendente à alienação.

Religião Pessoal/Adenáuer Novaes


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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Mahamudra - A experiência definitiva


Tantra-A Suprema Compreensão (Osho)







A experiência do definitivo não é, absolutamente, uma experiência, porque quem experimenta está perdido. E onde há aquele que experimenta, o que se pode dizer da experiência - Quem o dirá? Quem relatará a experiência? Quando não há sujeito, o objeto também desaparece: as margens desaparecem, apenas o rio da experiência permanece. O conhecimento ali está, mas o conhecedor está ausente.
Este tem sido o problema dos místicos. Alcançam o Definitivo, mas não podem relatar aos que lhes vêm após. Não podem relatá-lo a outros, que gostariam d ter essa compreensão intelectual. Tornaram-se um com o Definitivo. Todo o seu ser o relata, mas a comunicação intelectual é impossível. Poderão dá-lo a ti, se estiveres pronto para recebê-lo, poderão permitir que o alcances, se também o permitires, se fores receptivo e aberto. Mas as palavras não farão isso, os símbolos não ajudarão, teorias e doutrinas não serão de uso algum.
A experiência é tal que mais se assemelha a um experimentar, do que a uma experiência. É um processo: começa, mas jamais termina. Tu entras nele, mas jamais o possuis. É como uma gota caindo no oceano, ou o próprio oceano caindo na gota. É uma fusão profunda, uma unidade: tu simplesmente te dissolves nela. Nada fica para trás, sequer um traço; assim, como te comunicarás? Voltarás para o mundo do vale? Quem voltará daquela negra noite para te dizer?
Todos os místicos, em todo o mundo, sempre se sentiram impotentes no que se refere à comunicação. A comunhão é possível, mas a comunicação não o é. Isso deve ser entendido desde o princípio. A comunhão possui uma dimensão totalmente diferente; dois corações se encontram, e dá-se um caso de amor. A comunicação se faz de cabeça para cabeça. A comunhão se faz de coração para coração; a comunhão é um sentimento. Comunicação é conhecimento: só palavras são dadas, só palavras são ditas e só palavras recebidas e compreendidas. E as palavras são tais, a própria natureza das palavras é tão morta, que nada do que é vivo pode se relacionar através delas. Mesmo na vida comum - deixando de lado o Definitivo - mesmo um momento estático, quando realmente sentes algo e tornas-te algo, é impossível dizê-lo através de palavras.
Na minha infância eu costumava ir ao rio, logo ao amanhecer. A povoação é pequena. O rio é muitíssimo preguiçoso, parece mesmo que nem flui. Pela manhã, quando o sol ainda não se levantou, não se pode ver se corre, tão lento e silencioso ele se mostra. E pela manhã, quando não há ninguém ali, antes de os banhistas chegarem, o silêncio do rio é espantoso. Nem mesmo os pássaros cantam ainda, pela manhã; é muito cedo e não há som algum, apenas uma insondabilidade penetra tudo. E o cheiro das mangueiras suspende-se ao longo de todo o rio.
Eu costumava ir até lá, para o mais recuado canto do rio, só para me sentar ali, só para estar ali. Não havia necessidade de fazer nada; só o estar ali já era suficiente, tão bela era a experiência. Tomava banho, nadava e, quando o sol se erguia, ia para a outra margem, para a vasta extensão de areia, enxugava-me sob o sol, deitando-me ali, e, às vezes, adormecendo.
Quando voltava, minha mãe costumava perguntar: "Que estiveste fazendo durante toda a manhã?" E eu respondia: "Nada." Porque, realmente, eu nada estava fazendo. Ela retornava: "Como é possível? Que não tenhas feito nada? Deves ter estado a fazer alguma coisa." Ela tinha razão, mas eu também não estava errado.
Eu não tinha estado a fazer coisa alguma. Estivera apenas ali, com o rio, sem nada fazer, deixando que as coisas acontecessem. Se sentia vontade de nadar - preste atenção -, se sentia vontade de nadar, nadava; mas não era um ato de minha parte, eu não estava forçando nada. Se sentia vontade de dormir, dormia. As coisas aconteciam, mas não havia o que as fazia acontecer. E minha primeira experiência de satori iniciou-se junto àquele rio: nada fazer, estar ali, simplesmente, e milhões de coisas acontecendo.
Minha mãe, entretanto, insistia em que alguma coisa eu estivera fazendo; então eu dizia: "Está bem, tomei um banho e enxuguei meu corpo ao sol." Ela, então, se mostrava satisfeita. Eu, porém, não o estava, porque o que se passava no rio não podia ser expressado por palavras. "Tomei um banho" parece algo tão falho e descorado! Brincar no rio, boiar, nadar no rio eram experiências de tal modo profundas, que não fazia sentido algum dizer simplesmente: "Tomei um banho." Ou dizer apenas: "Eu estive ali, caminhei pela margem, sentei-me ali" - palavras que nada transmitiram.
Mesmo na vida cotidiana sentimos a inutilidade das palavras. E se ainda não sentiste a inutilidade das palavras, é porque não estiveste vivo, viveste apenas superficialmente. Se o que viveste, seja lá o que for, pode ser transmitido através de palavras, isso significa que absolutamente não viveste.
Quando, pela primeira vez, algo para além das palavras começa a acontecer, então a vida acontece para ti, a vida bate à tua porta. E quando o definitivo bate à tua porta, tu simplesmente te vês para além das palavras - tornas-te mudo, não podes falar. Nem mesmo uma só palavra se delineará em teu interior. E o que for que possas dizer parecerá tão descorado, tão morto, tão sem sentido, tão destituído de qualquer significação, que pensarás estar sendo injusto para com a experiência que te aconteceu. Lembra-te disto, porque Mahamudra é a última, a Definitiva experiência.
Mahamudra significa um orgasmo total com o Universo. Se tiveres amado alguém, algumas vezes sentiste uma fusão, uma submersão - os dois já não são dois. Os corpos permanecem separados, mas há algo entre esses corpos, algo como uma ponte, uma ponte de ouro, e a duplicidade interior desaparece. Uma vida-energia vibra em ambos os pólos. Se isso já aconteceu contigo, poderás compreender o que é Mahamudra.


Milhões e milhões de vezes mais profunda,
milhões e milhões de vezes mais alta é Mahamudra.
É um orgasmo total com o Todo, com o Universo.
É fundir-se na fonte do Ser.
Essa é a canção de Mahamudra. Foi belo da parte de Tilopa chamar a isso canção. Tu podes cantá-la, mas não podes dizê-la; podes dançá-la, mas não podes dizê-la. É algo tão profundo que o cantar pode transmitir, dela, minúscula parte - não o que cantares, mas a forma pelo qual cantares.
Muitos místicos simplesmente dançaram, depois de sua experiência com o definitivo. Não poderiam fazer outra coisa. Estavam dizendo algo através de todo o seu ser, de todo o seu corpo: corpo, mente, alma, tudo se envolvia naquela experiência. Dançavam, e aquelas não eram danças comuns. Na verdade, toda a sua dança nascera deles mesmos: era uma forma de contatar o êxtase, a felicidade, a beatitude.
Algo do desconhecido penetrara no conhecido, algo do além viera à terra - e que outra coisa poderias fazer? Dançar o fato, cantar o fato. Essa é a canção de Mahamudra.
E quem a cantará? Tilopa já não existe. A sensação orgásmica, ela própria está cantando, não é cantada por Tilopa. Tilopa já não existe. A própria experiência vibra e canta. Daí, a canção de Mahamudra, a canção do êxtase a canta. Tilopa fundiu-se. Quando aquele que procura se perde, só então a meta é atingida. Quando já não existe a experiência, a experiência ali está. Procura e perderás o que procuras, porque através da busca o que procuras se fortalecerá. Não procuras e encontrarás. O próprio fato de procurar, o próprio esforço torna-se uma barreira, porque quanto mais procurares, mais o ego se fortalecerá, como também aquele que procura... Não procures.
Esta é a mensagem mais profunda em toda a canção de Mahamudra: não procures; fica apenas onde estás, não vás a parte alguma. Ninguém jamais alcança Deus, ninguém o pode fazer porque não sabe qual é o endereço. Para onde irás? Onde encontrarás o Divino? Não há mapas, não há caminhos e não há ninguém para dizer onde Ele está. Não, ninguém jamais alcança Deus. Sempre se dá o contrário: Deus vem a ti. Quando estiveres pronto. E o estar pronto nada mais é do que estar em receptividade. Quando estiveres completamente receptivo, não haverá ego. Tu te tornarás um templo oco, sem ninguém lá dentro.
Tilopa diz, na canção, para te tornares oco como um bambu, nada por dentro. E, subitamente, no momento em que fores um bambu oco, os lábios do Divino estarão sobre ti, o bambu oco transformar-se-á numa flauta, e a canção começará - a canção de Mahamudra. Tilopa tornou-se um bambu oco, o Divino veio e a canção teve início. Não a canção de Tilopa, mas a canção da própria experiência Definitiva.
Alguma coisa sobre Tilopa antes de entrarmos nesse belo fenômeno. Não se conhece muito sobre Tilopa, porque nada, na verdade, pode ser conhecido sobre tais pessoas. Elas não deixam traços, não se tornam parte da História. Existem ao lado, não são parte do trânsito principal em que toda a Humanidade está se movendo. Elas não se movem no mesmo terreno. Toda a Humanidade move-se através do desejo, e pessoas como Tilopa movem-se na ausência do desejo. Elas simplesmente se afastam do trânsito principal da Humanidade, onde existe a História.
E, quanto mais distantes se colocam, mais mitológicas se tornam. Existem na qualidade de mitos; já não são acontecimentos do tempo. E assim é que deve ser, porque elas se movem para além do tempo - vivem na eternidade. Desta dimensão da nossa Humanidade comum, elas simplesmente desaparecem, evaporam-se. Só do momento em que estão evaporando, só desse momento é que nós nos recordamos, até então elas são parte de nós. Por isso é que não se conhece muito sobre Tilopa, sobre quem era ele.
Só existe a canção. É a dádiva de Tilopa; e foi concedida a seu discípulo Naropa. Essas dádivas não podem ser concedidas a ninguém - a não ser que exista uma profunda intimidade de amor. A pessoa tem de ser capaz de receber tal dádiva. E aquela canção foi concedida a Naropa, seu discípulo. Antes de recebê-la, Naropa foi testado de mil maneiras: sua fé, seu amor, sua confiança. Quando se soube que nada de duvidoso existia nele, nem mesmo a mais insignificante partícula de dúvida, quando seu coração estava inteiramente repleto de confiança e de amor, a canção lhe foi dada.
A indiferença é a chave; sê simplesmente indiferente. Ela aí está - aceite-a. Leva tuas energias, mais e mais, em direção à confiança e ao amor, porque a energia que se torna dúvida é a mesma energia que se torna confiança. Mantém-se indiferente à dúvida. No momento em que te tornares indiferente, tua cooperação será rompida, tu não a estarás alimentando - porque é através da atenção que todas as coisas se alimentam. se deres atenção à tua dúvida, mesmo que seja contra ela, será perigoso, porque essa mesma atenção é alimento, é cooperação. Devemos, apenas, ser indiferentes - nem a favor, nem contra: não sejas a favor da dúvida e nem sejas contra a dúvida.
Assim, terás que compreender três palavras. Uma palavra é dúvida, a outra é crença e a terceira é confiança ou fé, aquilo que no Oriente se conhece como shraddha. A dúvida é uma atitude negativa em relação a qualquer coisa. O que quer que se diga é ouvido, de inicio negativamente. Tu te sentes contra aquilo e encontras razões, racionalizações, que apóiam tua "negatividade". Há, então, a mente da crença. É tal e qual a mente da dúvida, só que de cabeça para baixo - não há muita diferença. Tal mente vê tudo como positivo e tenta encontrar razões, racionalizações, que apóiem essa atitude "a favor". A mente que duvida suprime a crença, a mente que acredita suprime as dúvidas - mas ambas são do mesmo tipo, a qualidade não é diferente.
Há, então, um terceiro tipo de mente; e dessa mente a dúvida simplesmente desapareceu. Quando a dúvida desaparece, a crença também desaparece. Fé não é crença, é amor. Fé não é crença, porque não é a metade, é total. Fé não é crença, porque nela não há dúvida, portanto, como podes crer? Fé não é racionalização, absolutamente: não é contra, nem a favor disto ou daquilo. Ter fé é ter confiança, uma confiança profunda, amor. Não encontrarás racionalização para isso; simplesmente é assim. Então, que fazer?
Não crie crenças contra a fé. Sê indiferente a ambas, crença e dúvida, e leva tuas energias em direção ao amor: ama mais, ama incondicionalmente. Não ames a mim apenas, porque isso não é possível: se amas, simplesmente amas. Se amas, simplesmente existes sob uma forma mais amorosa - tem amor não só pelo Mestre, mas pelo céu e pela terra. Tu, o teu ser, a tua própria qualidade de ser tornam-se um fenômeno de amor. Então, surge a confiança. E só a confiança assim pode ser concedida uma dádiva como a canção de Mahamudra. Quando Naropa esteve pronto, Tilopa concedeu-lhe sua dádiva.
Portanto, recorda-te de que, com um Mestre, não estás "viajando-com-a-cabeça". Dúvida e crença são, ambas, "viagens-com-a-cabeça". Com um Mestre tu "viajas-com-o-coração". E o coração não sabe o que é dúvida, o coração não sabe o que é crença - o coração simplesmente, confia. O coração é como a criança pequena que vai pela mão do pai, e o segue para onde ele for, sem confiar, nem duvidar: a criança é indivisa. A dúvida é metade, a crença é metade. Uma criança ainda é total, inteira. Vai, simplesmente, para onde quer que seu pai se dirija. Quando um discípulo se torna tal qual uma criança, só então podem ser concedidas as dádivas do mais alto grau da percepção.
Quando tu te tornas o mais profundo vale da recepção, os mais altos graus da percepção te podem ser concedidos. Só um vale pode receber um grau. Um discípulo deve ser absolutamente feminino, receptivo, como um útero. Só então tal fenômeno acontece, como vai acontecer nesta canção.
Tilopa é o Mestre, Naropa o discípulo, e Tilopa diz: Mahamudra está para além das palavras e símbolos, mas para ti, Naropa, sério e leal, isto deve ser dito...
Aquilo está para além de palavras e símbolos, de todas as palavras e de todos os símbolos. Então, como pode ser dito? Há, então, alguma forma? Sim, há uma forma. Se há um Naropa, há uma forma. Se há, realmente, um discípulo, há uma forma. Depende do discípulo o ser, ou não, encontrada essa forma.
Se o discípulo for tão receptivo que não tenha mente própria, não julgará se é errado ou certo: ele não tem mente própria, cedeu sua mente ao Mestre; ele é, simplesmente, receptividade, um vazio pronto para receber incondicionalmente o que quer que lhe dêem - e então as palavras e os símbolos não são necessários. E, então, algo pode ser dado. Podes ouvir isso entre as palavras, podes ler entre as linhas; e as palavras são apenas uma escusa. O que é verdadeiro acontece exatamente às margens das palavras.
Palavras são apenas artifícios, expedientes. O real segue as palavras como uma sombra. E, se estiveres muito preso à mente, ouvirás as palavras, mas não poderás comunicar-te. Mas se não fores absolutamente uma mente, então as sombras sutis que seguem as palavras, muito sutis, só o coração as pode ver, sombras invisíveis, ondulações invisíveis da percepção, "vibrações"... então a comunhão será imediatamente possível.
Diz Tilopa:
"Mas para ti, Naropa, sério e leal, isto deve ser dito" - Aquilo que não pode ser dito deve ser dito ao discípulo. Aquilo que não pode ser dito, aquilo que é absolutamente invisível deve se tornar visível para o discípulo. Isso depende, não apenas do Mestre, mas, e ainda mais, do discípulo.
Tilopa foi afortunado, encontrando Naropa. Tem havido alguns desafortunados mestres que jamais encontraram um discípulo como Naropa. Assim, o que quer que tenham ganho desaparece com eles, porque não há ninguém para receber.
Às vezes, os mestres viajam milhares de milhas para encontrar um discípulo. O próprio Tilopa foi da Índia para o Tibete para encontrar Naropa, para encontrar um discípulo. Tilopa vagueou por toda a índia e não pôde encontrar um homem daquela qualidade, um homem que recebesse a dádiva, que a apreciasse, que estivesse em condições de absorvê-la, de renascer através dela. E, desde que a dádiva foi concedida a Naropa, ele se transformou totalmente. Conta-se que Tilopa disse a Naropa: "Agora vai e procura o teu Naropa."
Naropa também foi afortunado, pôde encontrar um discípulo cujo nome era Marpa. Marpa também teve muita sorte: encontrou um discípulo cujo nome era Milarepa. E então a tradição desapareceu, não houve mais discípulos daquele grande calibre que fossem encontrados. Por muitas vezes surgiram e desapareceram religiões; por muito tempo aparecerão e desaparecerão. Uma religião não se pode tornar uma seita, uma religião depende de comunicação pessoal, de comunhão pessoal. A religião de Tilopa existiu apenas durante quatro gerações - de Naropa a Milarepa -, depois desapareceu.
A religião é como um oásis; o deserto é vasto, mas, às vezes, em minúsculas partes do deserto aparece um oásis. Enquanto dura, procura-o. Enquanto ele ali estiver, bebe da sua água - ele é muito raro.
Jesus disse muitas vezes aos seus discípulos: "Um pouco mais permanecerei aqui. E, enquanto eu estiver aqui, comam da minha carne, bebam do meu sangue. Não percam essa oportunidade" - por milhares de anos, um homem como Jesus pode não aparecer aqui. O deserto é vasto. O oásis, às vezes, aparece e desaparece, porque o oásis vêm do desconhecido e precisa de uma âncora sobre esta terra. Se não houver âncora, ele não poderá permanecer. Um Naropa é uma âncora.
Se te embriagares de Jesus ou Naropa, serás totalmente transformado. A transformação é muito fácil e simples; é um processo natural. Só precisa tornar-te solo e receber a semente; tornar-te útero e receber a semente.
Mahamudra está para além das palavras e símbolos, mas para ti, Naropa, sério e leal, isto deve ser dito...
Isso não pode ser expresso - é inexprimível -, mas tem de ser dito a um Naropa. Assim que o discípulo esteja pronto, o Mestre aparecerá, terá de aparecer. Onde quer que exista uma profunda necessidade, ela deve ser satisfeita. A completa existência responde à tua necessidade mais profunda, mas deves sentir a necessidade. De outra maneira, poderás passar por um Tilopa, por um Buda, por um Jesus, e não serás capaz nem mesmo de ver que passaste por Jesus.
Tilopa viveu neste país. Ninguém o ouviu, mas ele estava pronto para conceder a dádiva do Definitivo. Que aconteceu? E isso aconteceu neste país muitas vezes; deve haver algo por trás disso. E isto aconteceu neste país mais do que em qualquer outro lugar, porque mais Tilopas foram nascidos aqui. Mas por que acontece que um Tilopa tenha de ir ao Tibet? Por que acontece que um Bodidarma tenha de ir à China?
Este país sabe demais, este país têm se tornado demasiadamente preso à cabeça. Eis por que é difícil encontrar um coração - o país dos brâmanes e pundites, o país dos grandes conhecedores, dos filósofos. Eles conhecem todos os Vedas, todos os Upanixades; podem dizer de memória todas as escrituras: um país da cabeça. Por isso é que aquilo tem acontecido muitas vezes.
Mesmo eu sinto, tantas e tantas vezes senti, que onde chega um brâmane é difícil haver comunicação. Um homem que sabe demais torna-se quase impossível, porque ele sabe sem saber. Reuniu muitos conceitos, teorias, doutrinas, escrituras. Apenas sobrecarregou sua percepção, não a fez florescer. Nada do que sabe aconteceu a ele, tudo é emprestado; e tudo o que é emprestado não passa de entulho, podridão. Deita isto fora, assim que o puderes fazer.
Só o que acontece contigo é verdadeiro.
Só o que em ti floresce é verdadeiro.
Só o que em ti cresce é verdadeiro e vivo.
Lembra-te sempre disso: evita conhecimentos emprestados.
O conhecimento emprestado torna-se um artifício da mente; esconde a ignorância, jamais a destrói. E, quanto mais estiveres rodeado de conhecimentos, bem profundamente, no centro, na própria raiz do teu ser, haverá mais ignorância e obscuridade. E um homem de conhecimento, de conhecimento emprestado, está quase que completamente fechado dentro de seu próprio conhecimento. E é difícil penetrá-lo, é difícil encontrar-lhe o coração, pois ele próprio perdeu o contato com o seu coração. Assim, não foi incidentalmente que Tilopa teve que ir ao Tibete, e Bodidarma à China: a semente teve de viajar para muito distante, não encontrando solo aqui.
Lembra-te disso, porque é muito fácil alguém tornar-se fortemente apegado ao conhecimento: é uma paixão, uma droga. O LSD não é tão perigoso, a maconha não é tão perigosa. De certa forma, são similares, porque a maconha dá um vislumbre de algo que ali não existe, dá-te um sonho de algo que é inteiramente subjetivo, dá-te uma alucinação. O conhecimento também: dá-te a alucinação de conhecer. Começas por sentir que sabes, porque podes declamar os vedas; sabes, porque podes argumentar; sabes porque tens a mente muito lógica e aguda. Não sejas tolo! A lógica nunca levou ninguém à Verdade. E uma mente racional é apenas um jogo. Todos os seus argumentos são pueris.
A vida existe sem argumento algum e a Verdade não necessita de provas - necessita apenas do teu coração. Não de argumentos, mas do teu amor, da tua confiança, da tua disponibilidade para receber.
"O Vácuo não precisa de confiança,
Mahamudra repousa sobre nada.
sem fazer esforço,
mas permanecendo desprendido e natural,
é possível quebrar o jugo,
ganhando assim, a libertação."
Se há alguma coisa, ela necessita de apoio, necessita de confiança. Mas se nada há, se apenas o vazio existe, não há necessidade de apoio nenhum. E esta é a compreensão mais profunda de todos os conhecedores: que o seu ser é um não-ser. Dizer-se que é um ser está errado, porque isso não é nada, não se parece com coisa alguma. Parece-se a coisa alguma: um vasto vazio, sem fronteiras. É apenas um anatma, um não-eu; não é um eu dentro de ti.
Todos os sentimentos do eu são falsos. Todas as identificações com "sou isto ou aquilo" são falsas.
Quando chegas ao Definitivo, quando chegas ao teu âmago mais profundo, sabes, subitamente, que não és isto, nem aquilo; que não és ninguém. Não és um ego; és apenas um vasto vazio. E, algumas vezes, se te sentares, fecha os olhos e procuras sentir o que és, para onde vais. Desce mais profundamente e poderás ter medo, porque quanto mais profundamente desceres, mais profundamente sentirás que és ninguém, que és um nada. Por isso é que as pessoas temem a meditação: ela é a morte, é a morte do ego; e o ego é apenas um falso conceito.
Agora os físicos chegaram a esta mesma verdade, através de sua pesquisa científica, aprofundando-se no terreno da matéria. O que Buda, Tilopa e Bodidarma encontraram mediante a visão interior, a Ciência tem estado a descobrir também no mundo exterior. Dizem, agora, que não há substância - e substância é um conceito paralelo do ego.
Uma pedra existe e sentes que ela é bem substancial. Podes atirá-la à cabeça de alguém e ela produzirá sangue; a pessoa atingida poderá até morrer. A pedra é muito substancial. Mas indaga dos físicos, e eles dirão que ela é não substância, que nada existe nela. Dirão que é apenas um fenômeno de energia. Muitas correntes de energia cruzando-se sobre aquela pedra dão uma sensação de substância, tal como tu, quando riscas muitas linhas cruzadas sobre um pedaço de papel: onde muitas linhas se cruzam, surge um ponto. O ponto não estava ali. Duas linhas se cruzam e o ponto surge; muitas linhas e se cruzam e um grande ponto surge. Aquele ponto está, realmente ali? Ou apenas as linhas, ao se cruzarem, é que dão a ilusão de que ali há um ponto?
Os físicos dizem que correntes de energia, cruzando-se, criam matéria. E, se perguntares o que são essas correntes de energia, dirão que não são materiais, que não têm peso, que são não materiais. Linhas não materiais cruzando-se dão a ilusão de coisa material, substancial, como a pedra.
Buda chegou a essa iluminação 2500 anos antes de Einstein. Dentro não existe ninguém; apenas as linhas de energia cruzando-se é que te proporcionam a sensação do eu. Buda costumava dizer que o eu é como uma cebola: tu a descascas, jogas fora a casca, mas uma outra surge. Se continuares descascando, camada por camada, o que permanecerá, afinal? A cebola será inteiramente descascada e nada encontrarás dentro dela.
O homem é tal como uma cebola. Descasca-se a camada de pensamentos, de sentimentos, e, finalmente, o que encontramos? Um nada.
Esse nada não precisa de apoio.
Esse nada existe por si mesmo.
Eis por que Buda disse que não existe Deus: Não há necessidade de Deus, porque Deus é um apoio. E diz que não há criador, porque não há necessidade de criar um nada. Este é um dos conceitos mais difíceis de entender - a não ser que o compreendas.

Por isso é que Tilopa diz: "Mahamudra está para além de todas as palavras e símbolos."
Mahamudra é uma experiência do nada - simplesmente, tu não és.
E, se não és, quem está aí para sofrer?
Quem está aí, em dor e angústia?
E, quem está aí para estar feliz e bem aventurado?
Buda diz que, se sentires que estás bem aventurado, tornarás a ser vítima do sofrimento, porque ainda estás ali. Quando não estiveres, então não haverá sofrimento, nem bem-aventurança; e essa será a verdadeira bem-aventurança. Então, não poderás recuar. Atingir o nada é atingir tudo.
Todo o meu esforço em relação a ti também é para conduzir-te ao nada, levar-te ao vácuo total.
"O vácuo não precisa de confiança,
Mahamudra repousa sobre nada.
Sem fazer esforço,
Mas permanecendo desprendido e natural,é possível quebrar o jugo,
ganhando assim, a libertação."
A primeira coisa a compreender é que o conceito do eu é criado pela mente - não há eu em ti.
Isto aconteceu de fato: Um grande budista, homem de esclarecimento, foi convidado pelo rei para ministrar-lhe ensino. O nome do monge budista era Nagasen; o rei era o vice-rei de Alexandre. Quando Alexandre retornou da Índia, deixou ali Minander como seu vice-rei. Seu nome hindu era Milinda. Milinda pediu a Nagasen que viesse ensinar-lhe. Estava realmente interessado e ouvira muitas histórias sobre Nagasen. Muitos rumores haviam chegado à corte: "É um fenômeno raro! Raramente acontece que um homem floresça, e aquele homem floresceu. Tem, ao derredor, um aroma de algo desconhecido, uma energia misteriosa. Caminha sobre a terra, mas não é da terra." O rei ficou interessado e o convidou.
Um mensageiro foi ter com Nagasen e voltou bastante perplexo, pois ele lhe havia dito: "Sim, se ele convida, Nagasen irá;mas diga-lhe que não há ninguém como Nagasen. se é convidado, irá, mas diga-lhe, exatamente, que não há ninguém que seja "eu sou". Eu já não sou."
O mensageiro ficou perplexo, porque, se Nagasen já não era, quem viria? Milinda também ficou perplexo e disse: "Esse homem fala por enigmas. Mas deixemos que venha." Milinda era grego, e a mente grega é basicamente lógica.
Há apenas duas mentes no mundo: A hindu e a grega. A hindu é ilógica e a grega é lógica. A hindu move-se nas profundidades das trevas, estranhas profundidades onde não há fronteiras, onde tudo é vago, enevoado. A mente grega caminha sobre a linha lógica, reta, onde tudo está definido e classificado. A mente grega move-se no conhecimento. A mente hindu move-se no desconhecido, e , ademais, no incognoscível. A mente grega é absolutamente racional, a mente hindu é absolutamente contraditória. Portanto, se encontrares demasiadas contradições em mim, não te aborreças - essa é a forma. Na contradição está a forma oriental de relatar.
Milinda disse: - "esse homem parece ser irracional, parece ter enlouquecido. Se ele não é, então como pode vir? mas deixemos que venha. Eu provarei, apenas pela sua vinda, que ele é."
Então, Nagasen veio. Milinda o recebeu ao portão e a primeira coisa que disse foi: - "estou perplexo por teres vindo, apesar de teres dito que já não és."
Nagasen respondeu: - "Ainda digo isso. Portanto, vamos resolver o caso aqui mesmo."
Um grupo reuniu-se, toda a corte apareceu ali e Nagasen disse: "Tu fazes as perguntas."
Milinda perguntou: - "Dize-me, antes de mais nada: Se algo não é, como pode vir? Se, em primeiro lugar, ele não é, então não há possibilidade para a sua vinda; mas tu vieste. É simples lógica a constatação de que tu és."
Nagasen riu e disse: - "Olha para este ratha" (o carro em que tinha vindo). Olha para ele. Tu o chamas de ratha, um carro puxado por cavalos." Milinda confirmou. Então Nagasen mandou que seus acompanhantes retirassem os cavalos. Uma vez desatrelados os animais, Nagasen perguntou: - "Os cavalos são o carro?"
Milinda disse: - "Claro que não!" Então aos poucos, tudo quanto havia no carro foi sendo retirado, parte por parte. As rodas foram removidas, e ele perguntou: "essas rodas são o carro?" Milinda disse: - "está certo que não!"
Quando tudo foi removido, nada mais restando, Nagasen indagou: - "Onde está o carro em que vim? Não removemos o carro, e tudo quanto foi removido não era, segundo foi confirmado, o carro. Assim, onde está o carro?"
E nagasen explicou: -"è exatamente assim que Nagasen existe. Remove as partes e ele desaparecerá." Apenas linhas cruzadas de energia: removam-se as linhas e o ponto desaparecerá. O carro era apenas uma combinação de partes.
Tu também és uma combinação de partes, o eu é uma combinação de partes. Remove coisas e o eu desaparecerá. Por isso é que, quando os pensamentos são removidos da percepção, não podes dizer eu, porque não há eu - apenas um vácuo é deixado. Quando os sentimentos são removidos, o eu desaparece completamente. Tu és, e contudo não és: És apenas uma ausência sem fronteiras, vacuidade.
Essa é a obtenção final; esse estado é Mahamudra, porque só nesse estado podes ter o orgasmo com o Todo. Quando não há mais fronteiras, não existe eu. Agora já não há fronteiras para ti.
O Todo não tem fronteiras. Tu deves tornar-te como o Todo - mas para isso deve haver um encontro, uma fusão. Quando estás vazio, estás sem fronteiras, e, subitamente, tornas-te o Todo.

Quando não és, tornas-te o Todo.
Quando és, tornas-te um feio ego.

 
Quando não és, tens toda a expansão da existência para que o teu ser seja.
Mas há contradições. Portanto, tenta compreender: Torna-te um pouco semelhante a Naropa, de outra forma estes símbolos nada levarão até ti. Ouve-me com confiança. E quando eu falo, ouve-me com confiança; se te digo que conheci isso, é assim como digo. Sou uma testemunha, dou um testemunho disso, isso é assim. Pode não ser possível dizê-lo, mas tal coisa não significa não significa que isso não seja. Podes dizer algo que não é, e podes ser incapaz de me compreender, se fores como Naropa, se me ouvires com confiança.
Não estou ensinando uma doutrina. De forma alguma ter-me-ia preocupado com Tilopa se essa também não fosse a minha própria experiência.


Tilopa disse isso muito bem:
"O vácuo não precisa de segurança,
Mahamudra repousa sobre nada.
Sobre nada Mahamudra repousa."

Mahamudra significa, literalmente, o grande gesto, ou o gesto definitivo; o último que podes ter e para além do qual nada é possível.
"Mahamudra repousa em nada.
Sê um nada e, então, tudo estará obtido.
Morre e te tornarás um Deus.
Desaparece e te tornarás o Todo.
Aqui a gota desaparece
e ali o oceano passa a existir."
Não te agarres a ti mesmo - isso é o que tens feito em todas as tuas vidas passadas: Agarrar-te, receoso de, se não te agarrares, ter de olhar para baixo e encontrar um abismo sem fundo.
Por isso é que nos agarramos a coisas insignificantes, triviais, e continuamos agarrados a elas. O agarrar-se mostra que também és consciente de um vasto vazio interior. Precisas de alguma coisa em que agarrar-te, mas isso é o teu samsara, a tua angústia. Deixa-te cair no abismo. E, uma vez que tenhas caído no abismo, tornar-te-ás o próprio abismo.
Então, não há morte, porque como pode um abismo morrer?
Então, não haverá fim, porque como pode o nada acabar?
Algo pode acabar, terá de acabar - mas só o nada pode ser eterno.
mahamudra repousa sobre o nada.
Deixa que te explique, através da experiência que tens. Quando amas uma pessoa, tens que tornar-te nada. Quando amas uma pessoa, tens que tornar-te um não - eu. Por isso é que o amor se torna tão difícil. É por isso que Jesus disse que Deus é igual a amor. Jesus sabia alguma coisa sobre Mahamudra, porque antes de iniciar seus ensinamentos em Jerusalém ele tinha estado na Índia. Também esteve no Tibete,onde encontrou pessoas como Tilopa e Naropa. Estagiou em mosteiros budistas e aprendeu o que é aquilo a que as pessoas chamam o nada. Então, tentou passar todo o seu conhecimento para a terminologia judaica. E foi aí que tudo se tornou confuso.
Não podes passar o entendimento budista para a terminologia judaica. É impossível porque a terminologia judaica depende de termos positivos e a terminologia budista depende de termos absolutamente niilistas: nada, vacuidade. Mas, aqui e ali, nas palavras de Jesus há vislumbres. Ele diz: "deus é amor" e está insinuando algo. O que?
Quando amas, tens que tornar-te um ninguém. Se permaneces alguém, o amor jamais acontece. Quando amas uma pessoa, mesmo por um só momento, quando o amor acontece e floresce entre duas pessoas, há dois nadas, não duas pessoas. Se já tiveste essa experiência de amor, poderás entender.
Dois amorosos, sentados lado a lado, um ao lado do outro, ou dois nadas sentados juntos: Só então o encontro é possível, porque as barreiras foram destruídas, as fronteiras postas de lado. A energia pode mover-se de cá para lá, não há obstáculos. E só em tais momentos é que um profundo orgasmo de amor é possível.
Quando dois amorosos estão fazendo amor, o orgasmo só acontece se forem, ambos, não-eus, nada. Então a energia de seus corpos, todo o seu ser, perde completamente a identidade. Eles já não são eles próprios, tombaram no abismo. Mas isso só dura por um momento. De novo voltam, de novo recomeça o apego. Por isso é que as pessoas também tem medo de amar.
No amor profundo, as pessoas temem enlouquecer, ou morrer, temem o que pode vir a acontecer. O abismo abre sua boca, toda a existência boceja e, subitamente, estás ali, podes tombar ali. As pessoas tornam-se medrosas do amor e, então, satisfazem-se com o sexo e chamam ao sexo "amor".
O amor não é sexo. O sexo pode acontecer no amor, pode ser parte dele, parte integral, mas o sexo, em si mesmo, não é amor - é um substituto. Tentais evitar o amor através do sexo. Dais a vós mesmos, a sensação de estar amando, mas não vos estais movendo em amor. O sexo é tal qual o conhecimento emprestado: dá a sensação de saber, sem saber, dá a sensação de amor e de estar amando, sem amar.
Amando não estais e o outro também não: Então, subitamente, os dois desaparecem. O mesmo acontece com Mahamudra. Mahamudra é o orgasmo total com a completa existência.
Por isso é que em Tantra - e Tilopa é um Mestre Tântrico - o coito profundo, o coito orgasmático entre dois amorosos é também chamado Mahamudra; e dois amorosos em profundo estado orgasmático estão representados nos templos tântricos, em livros tântricos. Essa figura tornou-se um símbolo do orgasmo final.
E esse é todo o método de Tilopa e todo o método do Tantra: "Sem fazer esforço"... porque, se fazes esforço, o ego se robustece. Se fazes esforço, estás ali.
Portanto, o amor não é um esforço, não podes fazer esforço para amar. Se fizeres esforço, não haverá amor. Tu fluis para ele, tu não fazes esforço, simplesmente consentes que ele aconteça; não fazes esforço. Não é uma ação, é uma contecimento: "Sem fazer esforço"... E o mesmo se dá com o final, com o total: tu não fazes esforço, simplesmente flutua nele...
Mas permanece desprendido e natural. essa é a forma, esse é o próprio terreno de Tantra.
O Ioga diz que se faça esforço, o Tantra diz que não se faça esforço. O Ioga é orientado para o ego - até que finalmente ele abandone a si mesmo - mas Tantra, desde o princípio, é orientado para o não-ego. O Ioga, ao final de sua prática, atinge tal significação, sentido e profundidade, que diz àquele que procura: "Agora, deixa cair o ego" - mas isto apenas no fim. Tantra diz isso desde o inicio - e Tantra leva à Meta Definitiva. O Ioga pode preparar para Tantra, isso é tudo, porque o ato final deve ser feito sem esforço, "desprendido e natural".
Que entende Tilopa por "desprendido e natural"? Não lutes consigo mesmo, desprende-te. Não tentes formar uma estrutura em torno do teu caráter, de tua moralidade. Não te disciplines demais, de outra forma tua própria disciplina se tornará dependência. Não cries uma prisão em torno de ti. Conserva-se desprendido, flutuando, move-te com a situação, responde à situação. Não te movas com um colete-caráter em torno de ti, não te movas numa atitude fixa. Permanece desprendido como água e não imóvel como o gelo. Permanece movendo-te e flutuando. Para onde a natureza te levar, vai. Não resistas, não tentes impor coisa alguma a ti mesmo, ao teu ser.
Toda a sociedade, entretanto, ensina-te a impor algo aos outros. Sê bom, sê moral, sê isto, sê aquilo. E Tantra está inteiramente para além da sociedade, da cultura, da civilização. Ele diz que, se fores demasiadamente culto, perderás tudo quanto é natural e, então, serás uma coisa mecânica, sem flutuar, sem fluir. Portanto, não forces uma estrutura em torno de ti - vive momento a momento, vive em vigilância. E isso já é profundo o bastante para ser entendido.
Por que razão as pessoas tentam criar uma estrutura em torno delas? Para não necessitarem da vigilância - porque, se não tiveres um caráter em torno de ti, precisarás estar muito, muito atensivo: cada momento terás de tomar uma decisão. E tu não tens decisões pré-derteminadas, não tens uma atitude. No entanto, tens de responder a uma situação: algo está ali e estás inteiramente despreparado para isso. Terás de ser muito, muito consciente.
Para evitar a vigilância as pessoas criaram um artifício, e o artifício é o caráter, Force-se uma pessoa a determinada forma de disciplina e, esteja ela ou não em vigilância, a disciplina por si só ocupar-se-á de tomar conta. Tome-se como hábito o dizer sempre a verdade, faça-se disso realmente um hábito, e já não será mais preciso ter preocupações. Alguém fará uma pergunta e, pela força do hábito, será preciso dizer a verdade. Mas, dita pela força do hábito, a verdade estará morta.
E a vida não é tão simples. A vida é um fenômeno muito complexo. Às vezes, uma mentira é necessária, como, às vezes, uma verdade pode ser perigosa - devemos estar atentos. Por exemplo, se através da nossa mentira a vida de alguém é salva, se através dela ninguém é prejudicado e a vida de alguém é salva, que faremos? Se tivermos a mente fixa na idéia de que devemos ser verdadeiros, mataremos então, uma vida.
Nada é mais valioso do que a vida, verdade alguma é mais valiosa do que a vida. E, às vezes, nossa verdade pode matar a vida de alguém. Que farias? Só para salvar teu velho padrão e hábito, teu próprio ego, o "sou um homem verdadeiro", sacrificarias uma vida - só para ser um homem verdadeiro, só por isso? Estarás completamente louco! Se uma vida pode ser salva, mesmo que as pessoas te achem um mentiroso, que mal há nisso? Por que dar tanta importância ao que as pessoas dizem a teu respeito?
É difícil! Não é assim tão fácil criar um padrão fixo porque a vida segue, movendo-se e modificando-se e, a cada momento, há uma nova situação para a qual é preciso dar resposta. Responde com inteira consciência, isso é tudo. E deixa que a decisão saia da própria situação, não pré-fabricada, não imposta. Não tenhas contigo uma mente inteiramente edificada; conserva-te desprendido e natural.
Assim é um homem realmente religioso. De outra forma, as pessoas tidas como religiosas estão mortas. Agem de acordo com seus hábitos, continuam agindo de acordo com seus hábitos - isto é condicionamento, não liberdade. E percepção exige liberdade.
Sê desprendido: Recorda-te desta palavra o mais profundamente possível. Deixa que ela penetre em ti: Sê desprendido, de forma que, a cada situação, possas fluir facilmente como a água. A água, quando despejada num copo, toma a forma desse copo. Ela não resiste, ela não diz: "Essa não é minha forma." Se a água for despejada num jarro, ou num cântaro, toma a forma deles. Não tem resistência; é desprendida.
Conserva-te desprendido como a água.
Algumas vezes terás de mover-te para o norte, às vezes para o sul. Terás constantemente de mudar de direção e, conforme a situação, terás de fluir. Mas, se souberes como fluir, isso bastará. O oceano não estará tão longe, se souberes como fluir.
Portanto, não cries um padrão. Toda sociedade tenta criar um padrão, e todas as religiões tentam criar um padrão. Só umas poucas pessoas, pessoas iluminadas, têm sido corajosas o bastante para dizer a verdade; e a verdade é esta: Sê desprendido e natural! Se fores desprendido, serás natural, é evidente.
Tilopa não diz: "Sê moral!" Mas diz: "Sê natural!" E essas são dimensões diametralmente opostas. Um homem moral nunca é natural, não pode sê-lo. Se se sentir encolerizado, não poderá demonstrá-lo porque a moralidade não o permite. Se sentir amor, não poderá amar porque a moralidade está presente. É sempre de acordo com a moralidade que ele age, e nunca de acordo com a sua natureza.
Eu, porém, te digo: Se te começares a mover de acordo com padrões morais, e não de acordo com a tua natureza, jamais alcançarás o estado de Mahamudra, porque esse é um estado natural, o mais alto grau do ser natural. Eu te digo: Se te sentes encolerizado, mostra-te encolerizado - mas a perfeita consciência deve ser retida. A cólera não deve sobrepor-se à tua percepção; isso é tudo.
Deixa que a cólera flua, deixa que ela aconteça, mas mantém-se inteiramente alerta para o que se passa. Permanece desprendido, natural, consciente, observando o que acontece. Aos poucos, verás que muitas dessas coisas simplesmente desapareceram, já não acontecem; e sem qualquer esforço de tua parte. Não tentaste suprimi-las e elas, no entanto, desapareceram.
Quando uma pessoa está consciente, a cólera, aos poucos, desaparece. Torna-se simplesmente estúpida - não má, lembra-te, porque má tem valor majorado. Ela torna-se, simplesmente, estúpida. Não será pelo fato de ela ser má que tu deixarás de permanecer tomado por ela, mas sim porque será uma tolice. Não um pecado, mas simplesmente uma estupidez. A avidez desaparece, ela é estúpida. O ciúme desaparece, ele é estúpido.
Lembra-se dessa avaliação. Na moralidade existe algo bom e algo mau. E em ser natural existe algo sensato e algo estúpido, não mau. Nada é mau, nem bom; só existem coisas sensatas e coisas estúpidas. E, se és tolo, prejudicas a ti próprio e aos demais. Se és sensato não prejudicas a ninguém - nem aos outros, nem a tua própria pessoa. 
Não existe pecado
não existe virtude
Sensatez é tudo.
Se a quiseres chamar virtude,
chama-a virtude.
E há a ignorância;
se a quiseres chamar pecado,
esse será o único pecado.
Assim, como transformar tua ignorância em sensatez? Essa é a única transformação que importa e não podes forçá-la: Acontecerá quando tiveres desprendido e natural.
"... permanecendo desprendido e natural, é possível quebrar o jugo, ganhando, assim, a libertação."

E, então, a pessoa se torna totalmente livre. É difícil, a princípio, porque os velhos hábitos constantemente ressurgirão, forçando-te a fazer algo: Gostarias de ficar encolerizado, mas o velho hábito simplesmente produzirá um sorriso em teu rosto. Há pessoas que apesar de sorrirem, podes estar certo, acham-se encolerizadas. Mesmo naquele sorriso mostraram sua cólera. Ocultam algo e um falso sorriso aflora em seus lábios. São esses os hipócritas.
Um hipócrita é um homem não natural: Se nele há cólera, ele sorri; se há ódio, demonstra amor; se há desejos assassinos, simula compaixão. Um hipócrita é um perfeito moralista, absolutamente artificial, flor de plástico, feia, que não se quer usar. Não uma flor de verdade, mas uma simulação.
Tantra é o caminho natural: Sê desprendido e natural. Será difícil, porque os velhos hábitos terão de ser rompidos. Será difícil porque tens e terás de viver em uma sociedade de hipócritas. Será difícil, porque em toda parte entrarás em conflito com os hipócritas - mas será preciso passar por isso. Será árduo, porque há muito empenho em ostentações falsas e artificiais. Poderás sentir-se completamente a sós, mas essa fase será passageira. Depressa outras virão, sentindo a tua autenticidade.
Recorda-te: Mesmo uma cólera autêntica é melhor que um sorriso falso, porque, pelo menos, é autêntica. E um homem que não pode sentir-se autenticamente encolerizado não pode, absolutamente, ser autêntico. Pelo menos ele é autêntico, verdadeiro para com o seu ser. Seja o que for que aconteça, poderás confiar nele, porque é verdadeiro.
E minha observação é esta: uma verdadeira cólera é bela e um falso sorriso é feio. Uma cólera verdadeira tem sua própria beleza, tal como o verdadeiro amor - porque a beleza está relacionada à Verdade. Não se relaciona ao ódio, nem ao amor. A beleza diz respeito ao verdadeiro. A Verdade é bela, seja qual for a forma que tome. Um homem verdadeiramente morto é mais belo do que um homem falsamente vivo, porque ao menos a qualidade básica de ser verdadeiro está presente nele.
A esposa de Mulla Nasrudin morreu. Os vizinhos reuniram-se, mas Mulla Nasrudin permanecia em pé, completamente tranqüilo, como se nada tivesse acontecido. Os vizinhos começaram a gritar, a chorar e disseram: -"Que estás tu fazendo aí, em pé, Nasrudin? Ela está morta!"
Nasrudin disse: - "Esperem! Ela era tão mentirosa que eu devo esperar pelo menos três dias para ver se é verdade ou não."
Mas recorda-te disto: A beleza é a da Verdade, da autenticidade. Torna-te mais autêntico, e florescerás. E, quanto mais autêntico te tornares, mais sentirás que muitas coisas se estão desprendendo por elas próprias. Tu não terás feito esforço algum para que isso acontecesse; tal coisa, tornar-te-ás mais e mais desprendido, mais e mais natural, autêntico. E diz Tilopa:
... é possível quebrar o jugo
ganhando assim, a liberdade.
A liberdade não está muito distante, está somente oculta atrás de ti. Desde que sejas autêntico a porta se abrirá; mas és tão mentiroso, simulador e hipócrita, tu és tão profundamente falso, que sentes que a liberdade está muitíssimo distante. E não é assim! Para um ser autêntico, a liberdade é apenas natural. Tão natural como qualquer outra coisa.
Como a água flui em direção ao oceano,
Como o vapor ergue-se em direção ao céu,
Como o sol é quente e a lua é fria,
Assim é a liberdade para um ser autêntico.
Não se trata de algo de que nos possamos gabar. Nada de que possamos falar a outros, contando que a ganhamos.
Quando perguntaram a Lin Chi: - "Que te aconteceu? As pessoas dizem que te tornas-te um iluminado" - ele encolheu os ombros e disse: - "O que aconteceu? Nada; eu corto madeira na floresta e levo água ao Ashran. Tiro água do poço e corto madeira, porque o inverno está se aproximando." - E sacudiu os ombros, num gesto muito significativo.
Estava dizendo - "nada aconteceu. Que tolice me estão perguntando! Cortar lenha na floresta e tirar água do poço é coisa natural. A vida é absolutamente natural." E Lin Chi dizia ainda: "Quando sinto sono, vou dormir, quando sinto fome, como. A vida tornou-se absolutamente natural."
Liberdade é seres perfeitamente natural. A liberdade não é algo de que nos gabemos, dizendo que atingimos algo muito grande. Nada é grande, nada é extraordinário. Tudo estará sendo apenas natural, se fores tu mesmo.
Põe de lado as tensões, põe de lado a hipocrisia, põe de lado tudo quanto cultivaste em torno do teu ser, e torna-te natural. De inicio será coisa muito árdua, mas só de inicio. Desde que o consigas, outros também começarão a sentir que algo te aconteceu, porque o ser autêntico possui muita força, muito magnetismo. As pessoas começarão a sentir que algo te aconteceu: "Este homem já não vive como se pertencesse ao nosso meio, ele se tornou totalmente diferente.” E não estarás perdido, porque apenas perdeste coisas artificiais.
Assim que o vácuo for criado, com o descarte das coisas artificiais, das simulações, das máscaras, então o ser natural começará a florescer. Ele precisa de espaço.
Esvazia-te, sê desprendido e natural. Deixa que isso se torne o princípio mais fundamental da tua vida.
Centro Metamorfose