sábado, 7 de dezembro de 2013

Sonhos bons.




Quando eu era garotinha, meu pai e eu tínhamos um ritual noturno. 

Depois de eu recitar meus vinte e um Bismillahs e me acomodar na cama, 

ele sentava ao meu lado e extraía os sonhos ruins da minha cabeça com o polegar e o indicador. 

Os dedos passavam de minha testa às têmporas, com toda a paciência, procurando atrás das orelhas, 

em minha nuca, e ele fazia um som – pop, como uma garrafa sendo desarrolhada 

– para cada pesadelo que expurgava em meu cérebro. 

Guardava os sonhos ruins, um por um, num saco invisível no colo 

e amarrava o cordão bem apertado. 

Depois tateava o ar, procurando sonhos felizes para substituir aqueles que havia removido. 

Eu ficava olhando quando ele inclinava levemente a cabeça e franzia o cenho, 

os olhos viajando de um lado para o outro, como se ele se esforçasse para ouvir uma música distante.

Eu ouvia minha respiração, esperando o momento em que a expressão do meu pai 

se abriria num sorriso e ele cantarolaria: Ah, aqui está um, e estenderia as mãos

em concha para deixar o sonho pousar em suas palmas, como uma pétala caindo devagar de uma árvore. 

Então delicadamente, muito delicadamente – meu pai dizia que todas as coisas boas da vida são frágeis

e que podem ser perdidas com muita facilidade 

– ele lavava as mãos até meu rosto, esfregava as palmas em minha testa e a felicidade em minha cabeça.

Como o que eu vou sonhar esta noite, baba?


Eu perguntava. Ah, esta noite, bem, esta noite é um sonho especial, ele sempre dizia,

e inventava uma história na hora. Em um dos sonhos que me deu

eu me tornava a pintora mais famosa do mundo. 

Em outro, era a rainha de uma ilha encantada e tinha um trono voador.

Ele chegou a me dar até uma das minhas sobremesas preferidas, gelatina.

Eu tinha o poder, com um gesto de mão, de transformar qualquer coisa em gelatina.


O Silêncio das Montanhas – Khaled Hosseini

Além das noções de malfeito e bem-feito, existe uma ravina. Encontro você lá. 



(Jellaluddin Rumi – séculoXIII)

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