sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A economia do fim do mundo


por Dal Marcondes*, da Envolverde

Movimentar a economia por meio do consumo foi uma decisão tomada após a Segunda Guerra Mundial, e serviu apenas para acelerar o uso e a degradação dos recursos naturais e econômicos do planeta.

Os Estados Unidos emergiram da Segunda Guerra Mundial como a única grande economia que não teve sua indústria arrasada por bombas. Um parque produtivo superdimensionado pela guerra, uma economia global em frangalhos e milhares de soldados voltando para casa. O que fazer para não voltar à situação de recessão anterior à guerra, quando hordas de desempregados vagavam em busca de trabalho e comida? A ideia, aparentemente genial, veio de um consultor norte-americano especializado em varejo, Victor Lebow, que viu na aceleração do ciclo de produção e consumo a saída para o impasse: “nossa economia enormemente produtiva (…) requer que façamos do consumo o nosso modo de vida, que convertamos a compra e o uso de mercadorias em rituais (…) que busquemos a nossa satisfação espiritual ou do nosso ego no consumo (…) nós precisamos de coisas consumidas, destruídas, gastas, substituídas e descartadas numa taxa continuamente crescente”. E isto foi feito, a ponto de 99% dos produtos vendidos pelo comércio nos Estados Unidos já terem sido abandonados no fundo de armários ou gavetas, ou simplesmente descartados em apenas seis meses.
A economia do consumo substituiu a “economia do abastecimento”, na qual as pessoas compravam aquilo que precisavam e a ideia central era vender mais, para mais pessoas. Nossos avós compravam coisas duráveis para poderem se dedicar a outras atividades e não terem de retornar sempre às compras para repor coisas cuja obsolescência foi planejada em um laboratório. “Da mesma forma que se planejou a sociedade de consumo, é preciso planejar que tipo de economia vai desconstruir essa armadilha onde nos metemos”, explica o economista Ladislau Dowbor. Há diagnósticos realizados e metas estabelecidas sobre o que há de errado com o modelo econômico atual, que mantém cerca de um terço da humanidade sem acesso a direitos universais como educação, água e saneamento, alimentos e habitação, entre outros. No entanto, há uma crônica falta de planejamento sobre como mudar a produção e o consumo em direção a uma economia de baixo impacto ambiental e dentro das metas nacional e global de redução de emissões de carbono.

Não há dúvida que a economia deu grandes saltos nestes 50 anos, com o desenvolvimento de tecnologias e materiais extremamente avançados. No entanto, as curvas de crescimento da população, do Produto Interno Bruto, da extinção de espécies, do uso de combustíveis fósseis, da redução de florestas e da sobrepesca mostram que os níveis de exploração do planeta e os impactos causados pelas atividades humanas vêm crescendo de forma exponencial nos últimos 50 anos (ver gráfico 1). E isto está acontecendo apesar do aumento da eficiência no uso de materiais e energia no mesmo período. Os carros dirigidos por nossos avós continham mais materiais (eram mais pesados) e consumiam mais combustível do que qualquer outro nas ruas de hoje. Porém, o volume de combustível utilizado hoje pela humanidade é centenas de vezes maior do que 50 anos atrás. “A ecoeficiência na produção tem caminhado a passos largos, mas o modelo de economia baseado no ciclo de aceleração do consumo e descarte apenas aumenta o impacto sobre os ecossistemas e não reduz as desigualdades sociais”, explica Ricardo Abramovay, professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP).

Nos anos 1950, a diferença de salários entre um operário da General Motors e seu presidente era cerca de 50 vezes. Hoje, em grande parte das empresas globais essa diferença entre chão de fábrica e alta direção pode atingir quase mil vezes. Para modificar este quadro é necessário o planejamento do uso dos recursos naturais e energéticos de forma a definir onde se quer chegar. “Algumas pessoas diriam que isto é socialismo”, diz Luiz Pinguelli Rosa, cientista e diretor da Coppe, órgão ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos mais respeitados centros de pesquisa em engenharia da América Latina. Pinguelli Rosa explica que a área de energia precisa de um planejamento com décadas de antecedência para evitar apagões. “Os investimentos são altos e os projetos demoram para entrar em operação”. Por isto, planejar é fundamental, mas o mesmo não acontece com outras áreas da economia. “Muita coisa é deixada para a vontade do mercado”, diz o pesquisador. O mercado, no entanto, não tem uma visão de futuro, apenas busca soluções para manter sua diretriz de crescimento em um planeta com recursos naturais finitos. “Essa filosofia de crescer por crescer só tem um paralelo na natureza, o câncer”, explica Ladislau Dowbor.

A desigualdade na distribuição dos benefícios entre a humanidade é gritante. Os 20% mais ricos se apropriam de 82,7% da renda. Os dois terços mais pobres têm acesso a apenas 6% da renda, e esta disparidade vem crescendo. Em 1960, a renda apropriada pelos 20% mais ricos era 70 vezes maior do que a renda dos 20% mais pobres. Em 1989, essa diferença havia subido para 140 vezes. Para Dowbor, este é o problema central a ser atacado, e fazer a economia crescer não passa nem perto de solucionar o problema ético da injustiça e dos dramas de bilhões de pessoas. “Não haverá tranquilidade no planeta enquanto a economia for organizada em função de um terço da população mundial”, afirma.

Um dado importante, levantado por Ricardo Young, empresário e ex-presidente do Instituto Ethos, organização que atua em responsabilidade socioambiental empresarial, é que já há mudanças em curso na economia. “Porém, não são uniformes”, alerta. Para ele muitas empresas e governos estão não apenas preocupados, mas atuando para reverter o quadro de degradação econômica e ambiental. “É o caso do Brasil, que está conseguindo ampliar a renda nas classes mais baixas e, também, vem exercendo uma liderança global em temas  ambientais, como as metas que o governo assumiu em relação às mudanças climáticas”, explica. Young alerta que é preciso saber identificar os movimentos na sociedade, que buscam uma nova organização da economia, mais criativa, com menor impacto ambiental e maior benefício social. E esta tendência não está sendo identificada apenas por militantes sociais ou economistas otimistas. Um estudo publicado pela revista inglesa The Economist concluiu que a ascensão das mulheres na sociedade nos últimos dez anos contribuiu mais para o crescimento global da economia do que o desenvolvimento da China. Essa percepção levou a agência Goldman Sachs a indicar que diversas regiões do mundo poderiam aumentar seu PIB se reduzissem as desigualdades nas taxas de emprego de homens e mulheres. O Brasil poderia se beneficiar ainda mais desse movimento de equilíbrio entre os gêneros no trabalho. Desde os anos 1970, essa inclusão vem avançando. Naquela época, as mulheres representavam 20% dos trabalhadores do país, passando para 44% no final da primeira década do Século 21. Registre-se ainda que 35% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres.

O Brasil atualmente vive uma grande oportunidade para planejar seu desenvolvimento com base em questões bastante objetivas, como os investimentos superiores a R$ 500 bilhões que estão em andamento em todo o país por conta dos grandes eventos esportivos dos próximos anos, as Olimpíadas do Rio de Janeiro, a Copa das Confederações e a Copa do Mundo de Futebol. Entretanto, é preciso integrar os esforços e mostrar uma certa lógica na direção dos benefícios desejados, como melhorar a mobilidade nas cidades e redirecionar esforços para uma sociedade que esteja estruturada em uma economia menos baseada em consumo e exportação de commodities, e mais focada em desenvolver vetores como cultura, turismo, biociência, educação e conhecimento. No entanto, o país tem adotado nos últimos anos a mesma ortodoxia econômica com que o mundo tenta enfrentar a sucessão de crises que assola o planeta desde 2008, estimulando o aumento do consumo sem exigir contrapartidas da indústria ou do sistema financeiro. “O momento é especial para uma troca de gentilezas, o governo estimula o consumo, mas deveria exigir mais eficiência no uso de energia e matérias-primas”, explica o também economista Ignacy Sachs, que preconiza a necessidade de planejamento para adequar o modelo econômico à realidade do Século 21. Nas relações com o mundo, entre 1998 e 2008 as exportações brasileiras de commodities passaram de 20% para 35% do comércio exterior. Se, por um lado, isso elevou as reservas internacionais do país, por outro barateou as importações e desestimulou a indústria local, além do impacto sobre áreas naturais para a ampliação na produção dessas commodities.

Segundo o diretor-geral do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner, o consumo global chegou a nove toneladas anuais de matérias-primas por pessoa na Terra, e isso para os atuais sete bilhões de habitantes. Em um planeta com nove bilhões de pessoas, o consumo per capita não poderá ficar acima de cinco ou seis toneladas por habitante. Outra questão importante é o consumo de energia por habitante, que, segundo o Departamento para Assuntos Econômicos e Sociais da Organização das Nações Unidas (ONU), deveria ser limitado a 70 gigajaules por ano. Trocando em miúdos, isto significa que um europeu médio teria de cortar pela metade seu consumo de energia, enquanto um norte-americano poderia utilizar apenas 25% do que gasta atualmente. Já um indiano poderia multiplicar por quatro os 15 gigajaules que utiliza. O Brasil está no meio termo, com cerca de 50 gigajaules por ano por pessoa. Contudo, há que se levar em conta a desigualdade e o desequilíbrio no uso dessa energia.

O mundo vive atualmente uma confluência de crises, onde o desequilíbrio financeiro, ambiental e social oferece oportunidades para a construção de novos pontos de apoio. E a Conferência da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que acontecerá em junho do ano que vem, pode ser um ponto de partida importante para esta estratégia. O jornalista e ambientalista Aron Belinky, que atua na articulação de demandas da sociedade civil para o evento, explica que empresas e organizações sociais estão mais avançadas do que governos na busca de soluções. “Temos de entender que a questão não é ambiental, como alguns acreditam, mas de modelo de desenvolvimento e de governança global”, explica. Para ele, os governos devem assumir compromissos para planejar uma saída dessa encruzilhada, que olhe para o futuro e entenda que há limites que precisam ser encarados e respeitados. Porém, lembra que isto não significa a estagnação, mas sim um modelo de desenvolvimento focado em valores éticos e criativos, onde as pessoas possam ter acesso aos seus direitos universais nesta e em todas as gerações futuras. (Envolverde)

Gráfico 1 – Todos os indicadores de crescimento e consumo estão fora da escala.
grafico1 A economia do fim do mundo
Gráfico 2 – Em 50 anos o consumo de todas as fontes de energia cresceu.
grafico2 A economia do fim do mundo
* Dal Marcondes é jornalista e já foi editor de economia e finanças de diversos meios de comunicação.
(Envolverde)

domingo, 25 de dezembro de 2011

A Carta do Cacique Seattle, em 1855


Em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviou esta carta ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o Governo haver dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles índios. Faz mais de um século e meio. Mas o desabafo do cacique tem uma incrível atualidade. A carta:

"O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.
Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.

Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.
Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.
Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.
De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.
Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum."
 Mensagem recebida hoje de Luiz Antonio Carvalho via facebook. _/\_

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Utopia, não! Persistência.

Política do Bem entrevista Marina Silva

  Ela acredita e persiste. Muito. Desde a infância difícil no Acre até todas as suas conquistas políticas, a vida de Marina Silva, 53 anos, foi pautada pela superação. De candidata coadjuvante no início das eleições presidenciais de 2010 a fenômeno de quase 20 milhões de votos, Marina Silva ganhou ainda mais destaque nos últimos tempos. A ascensão verde de Marina impressiona. O perfil frágil se limita as suas características físicas porque, ao abrir a boca, ela convence. Conhecida internacionalmente por sua luta a favor do desenvolvimento sustentável, Marina está longe de integrar o grupo convencional da política brasileira. “Hoje não se discutem mais ideias e sim o poder pelo poder. Há uma polarização desgastada na política brasileira”, argumenta ela. “Não temos que ser oposição e nem situação. Temos que ter posições”, completa.

Por ser essa fortaleza de fibra e coragem, Marina vai angariando admiradores e companheiros para sua nova causa: a reinvenção dos padrões atuais, através do chamado Movimento Por Uma Nova Política. O projeto, lançado esse ano, tem como representantes membros que se dizem cansados dos moldes praticados em Brasília. Pesquisas mostram que hoje os partidos políticos estão em baixa. Os jovens, principalmente, já não se sentem representados da forma como acreditam que deveriam. O tradicionalismo político – desgastado por escândalos de corrupção, disputas partidárias, incoerência e inconstância – está abrindo aos poucos espaço para movimentos alternativos. Em um país onde seis ministros do governo caíram em menos de um ano por escândalos de corrupção, movimentos que clamam por mais ética, transparência e participação da população ganham força e cada vez mais aliados.

Segundo Marina, o Movimento Por uma Nova  Política ainda está no estágio de convocação e debate. “A pretensão não é criar partidos políticos e sim discutir com densidade algumas propostas”, avalia.
O que fica claro ao conversar com a ex-senadora e ministra do Meio Ambiente é que ela representa o ineditismo que faltava no cenário político brasileiro. Muitos não a compreendem e criticam sua plataforma política por acreditarem que é limitada e pobre, porque foca em propostas de sustentabilidade. Mas não há dúvida de que Marina deve ser considerada o respiro de ar puro na política do país. O Movimento Por uma Nova Política, bem como a postura de Marina Silva, estão com certeza um passo a frente do nosso tempo. Talvez ela seja avançada demais para o Brasil de hoje, talvez Marina não governe, mas com certeza ela deixará uma marca.

Marina é aquela figura que faz a diferença, que traz o novo, que move os sonhos. 

Ao ser questionada se pretende se candidatar para a presidência em 2014, Marina respirou fundo e respondeu: “Eu não sei. E quando falo que não sei, eu sinceramente não sei”. Ao entender mais sobre o Movimento Por uma Nova Política, é mais fácil compreender a resposta vaga e incerta de Marina. A proposta do movimento não está calcada em fórmulas, por isso, tudo ainda está no campo da construção e exploração. Por enquanto, a nova política é uma filosofia embrionária, que tem tudo para dar certo. O mais importante ela já fez: resgatou o otimismo que se perdeu.

É bonito ver como Marina Silva é firme e ao mesmo tempo tão idealista. É raro ver alguém há tanto tempo na política e com tanta motivação. Figuras assim estão em extinção na política brasileira e foi por isso que ela conseguiu um quadro tão positivo nas eleições de 2010. Uma figura política que depois de 16 anos no Senado Federal e algumas mudanças de partido conseguiu se manter de pé, íntegra, e ética é digna de palmas. Mais um motivo para admirar Marina: quando perguntada sobre momentos marcantes de sua trajetória política, ela respondeu: “Eu considero importante nunca ter me deixado aprisionar pela ideia de poder pelo poder”.

Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como Chico Mendes, nasceu e morreu em Xapuri, no Acre, assassinado aos 44 anos. Foi um seringueiro, sindicalista e ativista ambiental. Sua atividade política tinha como principal objetivo a preservação da Floresta Amazônica e lhe deu projeção mundial.



O cartaz reproduzido acima é das eleições de 1986. Chico Mendes foi candidato a deputado estadual pelo PT do Acre, ao lado de Marina Silva para deputada federal constituinte, José Marques de Sousa , o Matias, para o Senado e Hélio Pimenta para Governador. Nenhum deles foi eleito.

Chico Mendes começou seu aprendizado do ofício de seringueiro ainda criança, acompanhando o pai em incursões pela mata. Só aprendeu a ler aos 19 anos. Iniciou a vida de líder sindical em 1975, como secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia.

A partir de 1976 participou ativamente das lutas dos seringueiros para impedir o desmatamento através dos "empates" - manifestações pacíficas em que os seringueiros protegem as árvores com seus próprios corpos. Organizava também várias ações em defesa da posse da terra pelos habitantes nativos.

Em 1977 participou da fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, e foi eleito vereador pelo MDB local. Recebe então as primeiras ameaças de morte, por parte dos fazendeiros, e começa a ter problemas com seu próprio partido, que não se identificava com suas lutas.

Em 1979 Chico Mendes reúne lideranças sindicais, populares e religiosas na Câmara Municipal, transformando-a em um grande foro de debates. Acusado de subversão, é submetido a duros interrogatórios. Sem apoio, não consegue registrar a denúncia de tortura que sofrera em dezembro daquele ano.

Chico Mendes foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e um dos seus dirigentes no Acre, tendo participado de comícios com Lula na região. Em 1980 foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional a pedido de fazendeiros da região, que procuraram envolvê-lo no assassinato de um capataz de fazenda, possivelmente relacionado ao assassinato do presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Brasiléia, Wilson Sousa Pinheiro.

Em 1981 Chico Mendes assume a direção do Sindicato de Xapuri, do qual foi presidente até sua morte. Candidato a deputado estadual pelo PT nas eleições de 1982, não consegue se eleger.

Acusado de incitar posseiros à violência, foi julgado pelo Tribunal Militar de Manaus, e absolvido por falta de provas, em 1984.

Liderou o 1º. Encontro Nacional dos Seringueiros, em outubro de 1985, durante o qual foi criado o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), que se tornou a principal referência da categoria. Sob sua liderança a luta dos seringueiros pela preservação do seu modo de vida adquiriu grande repercussão nacional e internacional.

A proposta da "União dos Povos da Floresta" em defesa da Floresta Amazônica busca unir os interesses dos indígenas, seringueiros, castanheiros, pequenos pescadores, quebradeiras de coco babaçu e populações ribeirinhas, através da criação de reservas extrativistas. Essas reservas preservam as áreas indígenas e a floresta, além de ser um instrumento da reforma agrária desejada pelos seringueiros.

Em 1987, Chico Mendes recebeu a visita de alguns membros da ONU, em Xapuri, que puderam ver de perto a devastação da floresta e a expulsão dos seringueiros causadas por projetos financiados por bancos internacionais. Dois meses depois leva estas denúncias ao Senado norte-americano e à reunião de um banco financiador, o BID. Os financiamentos a esses projetos são logo suspensos.

Na ocasião, Chico Mendes foi acusado por fazendeiros e políticos locais de "prejudicar o progresso", o que aparentemente não convence a opinião pública internacional. Alguns meses depois, Mendes recebe vários prêmios internacionais, destacando-se o Global 500, oferecido pela ONU, por sua luta em defesa do meio ambiente.

Ao longo de 1988 participa da implantação das primeiras reservas extrativistas criadas no Estado do Acre. Ameaçado e perseguido por ações organizadas após a instalação da UDR no Estado, Mendes percorre o Brasil, participando de seminários, palestras e congressos onde denuncia a ação predatória contra a floresta e as violências dos fazendeiros contra os trabalhadores da região.

Após a desapropriação do Seringal Cachoeira, em Xapuri, propriedade de Darly Alves da Silva, agravam-se as ameaças de morte contra Chico Mendes , que por várias vezes denuncia publicamente os nomes de seus prováveis responsáveis. Deixa claro às autoridades policiais e governamentais que corre risco de perder a vida e que necessita de garantias.

No 3º Congresso Nacional da CUT, volta a denunciar sua situação, similar à de vários outros líderes de trabalhadores rurais em todo o país. Atribui a responsabilidade pela violência à UDR. A tese que apresenta em nome do Sindicato de Xapuri, Em Defesa dos Povos da Floresta, é aprovada por aclamação pelos quase seis mil delegados presentes.

Ao término do Congresso, Mendes é eleito suplente da direção nacional da CUT. Assumiria também a presidência do Conselho Nacional dos Seringueiros a partir do 2º Encontro Nacional da categoria, marcado para março de 1989, porém não sobreviveu até aquela data.

Em 22 de dezembro de 1988, exatamente uma semana após completar 44 anos, Chico Mendes foi assassinado com tiros de escopeta no peito, na porta dos fundos de sua casa, quando saía de casa para tomar banho.

Chico anunciou que seria morto em função de sua intensa luta pela preservação da Amazônia, e buscou proteção, mas as autoridades e a imprensa não deram atenção. Casado com Ilzamar Mendes (2ª esposa), deixou dois filhos, Sandino e Elenira, na época com dois e quatro anos de idade, respectivamente. Em 1992 foi reconhecida através de exames de DNA uma terceira filha.

Após o assassinato de Chico Mendes mais de trinta entidades sindicalistas, religiosas, políticas, de direitos humanos e ambientalistas se juntaram para formar o "Comitê Chico Mendes". Eles exigiam providências e, através de articulação nacional e internacional, pressionaram os órgãos oficiais para que o crime fosse punido.

Em dezembro de 1990, a justiça brasileira condenou os fazendeiros Darly Alves da Silva e Darcy Alves Ferreira, responsáveis por sua morte, a 19 anos de prisão. Darly fugiu em fevereiro de 1993 e escondeu-se num assentamento do INCRA, no interior do Pará, chegando mesmo a obter financiamento público do Banco da Amazônia sob falsa identidade. Só foi recapturado em junho de 1996. A falsidade ideológica rendeu-lhe uma segunda condenação: mais dois anos e 8 meses de prisão.

 


Entre nós
( Mauricio RH, Marina Silva )

E chega novamente aquela expectativa própria dessa época, em que se misturam uma correria de fim de ano com uma típica calmaria pela chegada de um novo ano.

Correria que invade a alma, junto com o turbilhão de coisas que recaem sobre as pessoas. Problemas pendentes, não resolvidos, chegam a dezembro com um prazo final.

Questões não respondidas reaparecem e insistem em nos acompanhar após as festas. E todo o trabalho realizado no decorrer do ano também se apresenta como interrogação, a buscar validação, chancela, avaliação criteriosa... temos que fechar as contas.

A calmaria vem com a confortante promessa de que tudo poderá mudar para melhor no ano que chega. Sonhos não realizados comparecem na esperançosa bandeja dos compromissos futuros: mais tempo para viver a vida, em lugar de ser vivido por ela. Mudar antes de ser mudado. Renunciar mais às certezas que ensoberbecem a alma, antes de ser estagnado por elas.

O que se fez e o que não se fez, muitas vezes, vira fardo nessa época tão intensa. Alívio e aflição, já que o ano termina e chegamos lá, e um pouco de chateação pelas coisas que ficam para trás sem, de fato, ficarem. Abraços não dados agora apertam o coração, e partimos a nos acotovelar em shoppings e em mercados para lá encontrar os presentes que dirão a amigos e parentes que, na verdade, os amamos e os queremos por perto.

Pensamos também nas pessoas que perdemos, nos amados que se foram e não poderemos mais abraçar. Que saudade de nosso grande Chico Mendes, que foi arrancado de nós há 23 anos, e da partida precoce de André Urani.

Na espécie de tsunami emocional que costuma acometer as pessoas nas festas de fim de ano, há algo que, lá, meio soterrado por preocupações e ansiedades e pelo consumismo desenfreado no qual se transformou o Natal, pode dar sentido às coisas e ser o fio condutor a nos levar de uma etapa a outra, fechando as contas com o ano que passa e abrindo o livro para o que vem.

Para mim, é o que dá sentido às festas. Vem com a saudação do anjo a Maria, como lemos no Evangelho de Lucas: "Alegra-te". É que chega a boa-nova, de grande alegria.

Como diz Hannah Arendt, "esta fé e esta esperança no mundo talvez nunca tenha sido expressa de modo tão sucinto e glorioso como nas breves palavras com as quais os Evangelhos anunciam a 'boa-nova': 'Nasceu uma criança entre nós'". É a alegria da fé em nossa eterna capacidade de começar.

Que o espaço entre pensar e agir, findar e começar, brincar e trabalhar, e outras coisas que só se realizam entre nós e os mundos que nos habitam, possa ser sempre ocupado pela criança que nasce e renasce em cada um de nós.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Sono das Águas


Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme. Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água.
nos grotões fundos.
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...

Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folhagem.
E adormece
até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Ma nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono...

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Amor é . . .


Uma pessoa enferma necessita de sexo, uma pessoa saudável ama, e amor é uma coisa totalmente diferente. E quando duas pessoas saudáveis se encontram, a saúde é multiplicada. Assim eles podem ser de ajuda um ao outro para o supremo. Eles podem ir juntos para o supremo, auxiliando um ao outro. Porém, a necessidade desaparece. Não é mais uma necessidade, não é mais uma dependência.

No Ocidente isso está acontecendo demais porque alguma coisa muito básica está sendo mal entendida. As pessoas acham que os relacionamentos são para quando elas estão felizes, quando estão bem. Quando algo dá errado - mesmo um problema físico - então porque se incomodar? Encontre outra mulher, ou outro homem! Isso me parece muito desumano. Se essa atitude permanecer, o amor não pode crescer. Então o que quer que você chame de amor não é nada senão sexo, porque amor significa que você se importa com a pessoa na saúde, na doença. Você cuida da pessoa. Quando a pessoa está amando - e às vezes a pessoa não está amando - assim também você tem cuidado. Você cuida da pessoa e você aceita todos os verões e invernos. Você aceita tudo que está na pessoa. Ela está saudável, ela está enferma, ela está envelhecendo, ela está jovem, ela está zangada, ela está furiosa - tudo é possível.

Osho.When The Shoe Fits

É preciso ter em mente estas três coisas: o amor de nível inferior é o sexo -- este é físico -- e o refinamento maior do amor é a compaixão. O sexo encontra-se abaixo do amor, a compaixão está acima dele; o amor fica exatamente no meio.

Bem pouca gente sabe o que é o amor. Noventa e nove por cento das pessoas, infelizmente, pensa que sexualidade é amor -- não é. A sexualidade é por demais animal; certamente, ela contém o potencial para transformar-se em amor, mas ainda não é amor, apenas potencial...

Se você se tornar consciente e alerta, meditativo, então o sexo poderá ser transformado em amor. E se a sua atitude meditativa tornar-se total, absoluta, o amor poderá ser transformado em compaixão. O sexo é a semente, o amor é a flor, compaixão é a fragrância.

Buda definiu a compaixão como sendo "amor mais meditação". Quando o seu amor não é apenas um desejo pelo outro, quando o seu amor não é apenas uma necessidade, quando o seu amor é um compartilhar, quando seu amor não é de um pedinte, mas de um imperador, quando o seu amor não está pedindo nada em troca, mas está pronto para dar apenas -- dar só pela total alegria de dar --, então, acrescente a meditação a ele, e a pura fragrância é exalada. Isso é compaixão; compaixão é o fenômeno mais elevado.

Osho Zen, Zest, Zip, Zap and Zing Chapter 3

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Demasiado tarde?

Sex, 16 de Dezembro de 2011 11:06


Em artigo na Folha de São Paulo, Marina Silva avalia os pontos positivos e negativos da COP-17, realizada em Durban, e lamenta que a sociedade continue refém de uma política que se isola da vida.
logodurban




















O resultado da COP-17, a Conferência da ONU sobre Mudança Climática, finalizada na semana passada em Durban, África do Sul, tem sido comemorado e lamentado.
A comemoração se baseia numa decisão que é, de fato, uma promessa. A de que até 2020 todos os países terão suas metas de redução das emissões de gases-estufa capaz de manter a elevação da temperatura do planeta na faixa de segurança dos 2°C até o final o século.
A lamentação vem do fato de que os países ignoraram a realidade e os alertas da ciência, que mostram que já sofremos com as mudanças climáticas. E, assim, nenhuma decisão concreta foi tomada para ampliar os tímidos esforços de redução das emissões, que seguirão crescendo até 2020. Vamos ficar quase uma década à espera de uma promessa!
Nesse limbo, a sociedade continua refém de uma política que se isola da vida: empobrecida, burocratizada e sem estadistas. Verdadeiros líderes são os que se apresentam nas crises, que se dispõem a ajudar a sociedade a fazer o que precisa ser feito, em nome do bem comum e dos mais nobres valores humanitários. E uma política sem estadistas interessa a quem não quer mudanças.
Quantos presidentes ou chefes de Estado estiveram em Durban? Quantos dão importância ao tema em suas agendas? Infelizmente, a discussão da crise climática perde para assuntos menores. O exílio da ciência, a domesticação dos políticos e a burocratização das negociações são a melhor forma para se perpetuar a mediocridade no âmbito multilateral.
A COP-17 representa esse retrocesso. Decidiram postergar as ações, as responsabilidades, e continuar condenando os mais pobres e vulneráveis a pagar a maior parte da conta, com suas vidas e esperanças. Em vez de agir, os países debaterão por quase uma década. Serão anos preciosos investidos em discussões nas quais interesses econômicos continuarão influenciando, impondo ganhos marginais ao processo.
Retrocesso ainda com o recuo dos compromissos dos países ricos, com o abandono do Protocolo de Kyoto por parte do Canadá, do Japão e da Rússia. E os EUA ganham quase uma década a mais de inação.
As próximas COPs, se continuarem apenas com negociadores e diplomatas, por mais comprometidos que sejam, correm o risco de ser ainda mais pobres política e cientificamente. Cria-se a condição para blindar os que não querem ser expostos ou constrangidos.
Como bem questionou Viriato Soromenho-Marques, da Universidade de Lisboa: "Como foi possível que a sociedade tecnológica e cientificamente mais avançada que o planeta já conheceu corra o risco de chegar demasiado tarde àquela incerta encruzilhada que separa a estrada da crise daquela outra que conduz ao colapso?".

sábado, 10 de dezembro de 2011

Aperto no Aviáo e no Coraçáo


Cada dia me convenço mais que viajar náo é coisa prá quem quer.......é  prá quem pode.

E poder - nesse caso -náo é só questáo de dinheiro.... é também de preparo fìsico e mental prá suportar todo o estresse que acompanha cada viagem.  Viajar prá descansar náo existe .....quem quiser descansar que fique em casa! 

Até chegar ao destino e desfrutar de seus prazeres sáo tantas as preocupaçóes que quem náo for um teimoso e apaixonado pelas viagens, acaba desistindo de programar a próxima. Começa com o peso das malas, cada vez mais restringido, atrasos e overbookings, medo que a mala náo apareça na esteira e que o cara da imigraçáo náo vá com a sua cara, aeroportos desconfortáveis, corredores intermináveis, sapatos que fazem calos, enfim...  contratempos que podem acontecer de uma só vez ou todos ao mesmo tempo.

Cada viagem que faço é diferente da outra, uma nova emoçáo, mesmo que o itinerário seja repetido. Já tive a viagem da mala roubada, a do passaporte errado, a do passeio de camburáo, a do depoimento na Polícia Federal, a dos 1000 metros rasos no aeroporto, e até a viagem no aviáo errado, mas tudo bem, como sou  persistente e adoro viajar, ainda náo desisti de nenhuma.....até agora os fins sempre justificaram os meios.

Essa foi a viagem do aperto. Começando com o aperto mais fácil de explicar, mas náo de justificar....o aperto do aviáo. JAMAIS viajei num aviáo táo apertado, tanto pelos lados como pela frente. TInha uma poltrona de 0,40 x 0,40m, ou seja, a maravilha de 0,16m2 por passageiro. Tive ainda a má idéia de colocar a bolsa no cháo logo que sentei, e só pude pegar alguma coisa depois que o passageiro do lado se levantou, pois era impossível ter acesso a ela sem topar com a cabeça na poltrona da frente ou ter que pedir ao cara do lado que levantasse a perna. Sentei e encaixei na poltrona, sem mexer até o aviáo aterrisar.

Pensei: se tivesse crescido um pouquinho mais ou ganho uns quilinhos na viagem, náo teria cabido...me conformei. Sem poder me mexer e sem sono, resolvi ler o livro da Danuza, que espertamente já tinha deixado fora da bolsa. Duas realidades diferentes mesmo que o assunto fosse viagens.  Na minha - só aperto e nenhum glamour- na dela, cenários idílicos de Paris e dicas de viagem que só me davam raiva, porque nem tudo é táo simples assim, Danuza.

 A começar pelos sapatos....para livrar peso e volume das malas escolhi viajar com um sapato de salto alto, que adoro, mas que depois de 7 horas passa a ser um instrumento de tortura, qdo os pés incham. Mas um dia chego lá ...náo prometo ir de tênis, mas uma sapatilha com um saltinho de 1 dedo pode ser....Outra dica impossível da Danuza....viajar pela Emirates.  Prá quem tem que fazer o trecho Recife- Lisboa o jeito é mesmo se apertar na TAP.

Chega a hora da surpresa boa... náo ter que descer as escadas do aviáo que sempre para a quilômetros de distância do aeroporto. Nas inúmeras vezes que fiz escala em Lisboa, sempre me perguntava quais seriam os
privilegiados que teriam direito ao mimo de desembarcar num daqueles fingers e dessa  vez fomos nós!  Obaaa!

Pra compensar o luxo, nos tocou andar por corredores intermináveis. Assim mesmo, diminuiu um poco  minha antipatia
por esse aeroporto...uma vez, para tentar escapar de uma fila enorme na hora de fazer controle de passaportes resolvi me meter na fila para países de lingua portuguesa, que parecia menor.  Péssima idéia, a fila náo andava e só tinha um atendente mal humorado prá atender a todos os ex-colonos africanos e brasileiros na pátria máe. Náo recomendo...

Caminhei sem pressa- afinal tinha 5 horas de espera para a minha próxima conexáo com Madrid. O próximo desafio seria encontrar um lugar confortável para poder esticar um pouco as pernas, e quem sabe dar algum cochilo depois de uma noite mal dormida.  Encontrei um  bar em frente ao portáo de embarque,com umas poltronas vermelhas maravilhosas que levariam a Danuza ao delírio.  Entre um café e outro, e longe do aperto do aviáo, lembrei do outro aperto que sentia, o do coraçáo.

Viajo de coraçáo apertado quando deixo prá trás meus seres queridos e absolutamente imprescindíveis como pais, irmáos e amigos. Sinto um aperto no coraçáo por deixar prá trás também minha terra querida.

Esse sentimento que me acompanha sempre quando a viagem é de volta, dessa vez foi ainda mais realçado por uma profunda indignaçáo ao  ver minha terra táo decadente. Cheguei ansiosa para ver os táo propalados efeitos de uma economia punjante, dos grandes avanços sociais e das melhorias nas infra-estruturas e acabei me deparando com outra realidade.
Me conformaria se tivesse visto que os investimentos tinham ido para a periferia, e que o nível de vida dos mais necessidados tinha realmente melhorado, mas o que vi foi muito lixo, esgotos a céu aberto, e  mendigos pelas ruas. A mediocridade e a corrupçáo estáo produzindo efeitos a olhos vistos. É chocante ver o atraso e a decadência  das instituiçóes encarregadas de zelar pelo bem estar e melhoria da populaçáo e mais triste ainda presenciar o anestesiamento de uma cidadania acomodada que náo reivindica e nem protesta.  Tudo no Brasil está caríssimo, e me pergunto que país é esse que cobra tanto em impostos e náo devolve nada??Revolta ver um contribuinte que só paga e náo recebe nada em troca. Posso citar milhóes de exemplos que vivenciei e me pergunto se minha vista foi obnublada por aspectos pontuais ou meu eterno otimismo no meu país virou algo anacrônico e impossível?

Voltando ao Recife, cheguei com a expectativa de ver a capital de um estado que se gaba de seu crescimento e de suas oportunidades de emprego, dos megas investimentos e me deparo com uma cidade feia, caótica,suja e abandonada. Continuo a ver buracos e calçadas destruídas que têm a minha idade, engarrafamentos constantes, canteiros e jardins absolutamente descuidados. Vi muros imundos e terrenos baldios que mais parecem mini lixóes, mesmo em bairros ditos como nobres.  Negócios desordenados funcionando em calçadas, impedindo a livre circulaçáo dos pedestres. Acessibilidade? Nem pensar... 

Vi um viaduto recém construído na Estrada da Batalha, que quando acaba náo é nivelado com o nível da rua que se encontra, falta acabamento e sinalizaçáo. Falha na gestáo, na fiscalizaçáo ou na mentalidade???

Vi uma Av. Recife com os mesmos buracos de quando eu ia para a faculdade, há quase 30 anos atrás. Predios abandonados e destruídos que mais parecem ter saído de uma guerra como o antigo centro de distibuiçáo do Bompreço, e o da  loja Esplêndidos. Náo há uma cultura de manutençáo e limpeza nem da coisa púbica nem da privada.  A prática nos indica que tudo o que é construído novo dentro de 10 anos será lixo.  Basta ver o predio da Casa de Carolina, onde arquitetos e empresas reformaram com tanto esforço e hoje náo passa de uma ruína.

Seguindo pela Av. Recife, me deparei com o prédio da Justiça Federal que está sendo comido pelo mato e pelo mofo na fachada. Melhor nem falar da triste visáo que dá ver o estado da Faculdade de Medicina e Hospital das Clínicas.

Sigo pela BR 101, e vejo os morros de Casa Amarela mais inchados de favelas, e sinto vontade de chorar quando vejo um serviço de manutençáo de estradas medindo buraquinhos de 0,50 x 0,80 recém tapados com uma capinha de asfalto que náo aguentaráo 2 chuvas mas que custaráo o preço de uma estrada nova ao contribuinte.... mas náo me detenho mais nessa maravilhosa estrada federal, pois ninguém merece ouvir falar do tempo que demorei para sair de Abreu e Lima, outro modelo de desenvolvimento urbano.

Volto à Casa Forte e me deparo com ruas ainda descalçadas. Numa delas, havia uma festa armada pela prefeitura, com direito a comes e bebes, maracatu e discurso do prefeito para propagar que em breve seria pavimentada.  Segundo a propaganda, era coisa do orçamento participativo, onde só eles participam!  E ainda temos que dar graças a Deus à essa mediocridade??? Em Boa Viagem, precisei entrar numa  paralela à Domingos Ferreira, a poucos metros do Aero Clube e encontro um verdadeiro caos urbano , esgoto corrente, gente desocupada nas ruas  e muito lixo.  e náo precisa nem ser numa favela, pois no Encanta Moça, onde está sendo construído o Shopping Rio Mar, têm ruas alagadas por esgotos perenes.  

Meus pensamentos voltam-se para Madrid, onde chego para mais uma baldeaçáo. Saio do aeroporto rumo à Estaçáo de Trens de Atocha num ônibus novo e confortável  colocado à disposiçáo  dos passageiros pela prefeitura, por um custo irrisório de 2 euros. Sáo 20 minutos de viagem, numa autopista impecável, sem sujeira, buracos nem canteiros de mato invadindo a estrada, que desemboca no centro de Madrid.  Me emociono com a beleza da decoraçáo natalina nas ruas, principalmente na Porta de Alcalá, e vejo uma cidade vibrante com milhóes de pessoas nas ruas passeando e desfrutando da sua cidade. Sem buracos, sem lixo e sem assaltos, mesmo numa das maiores crises da sua história. 

Impossível náo se perguntar...onde está o nosso problema??? Será que a Danuza tem alguma dica???  Tudo é táo simples...


sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Natal

Estou preparando a minha árvore de Natal. Quero que ela seja viva, mas não quero que seja exterior. Eu a quero dentro de mim. Tenho medo das exterioridades. Elas nos condenam. Ando pensando que o silêncio do interior é mais convincente que o argumento da palavra.

Quero que minha árvore seja feita de silêncios. Silêncios que façam intuir felicidade, contentamento, sorrisos sinceros.

Neste Natal não quero mandar cartões. Tenho medo de frases prontas. Elas representam obrigação sendo cumprida. Prefiro a gratuidade do gesto, o improviso do texto, o erro de grafia e o acerto do sentimento. A vida é mais bonita no improviso, no encontro inesperado, quando os olhares se cruzam e se encontram.

Quero que minha árvore seja feita de realidades. Neste Natal quero descansar de meus inúmeros planos. Quero a simplicidade que me faça voltar às minhas origens. Não quero muitas luzes. Quero apenas o direito de encontrar o caminho do presépio para que eu não perca o menino Jesus de vista. Tenho medo de que as árvores muito iluminadas me façam esquecer o dono da festa.

Não quero Papai Noel por perto. Aliás acho essa figura totalmente dispensável! Pode ficar no Pólo Norte desfrutando do seu inverno. Suas roupas vermelhas e suas barbas longas não combinam com o calor que enfrentamos nessa época do ano. Prefiro a presença dos pastores com seus presentes sinceros.

Papai Noel faz muito barulho quando chega. Ele acorda o menino Jesus, o faz chorar assustado. Os pastores não. Eles chegam silenciosos. São discretos e não incomodam...
Os presentes que trazem nos recordam a divindade do menino que nasceu. São presentes que nos reúnem em torno de uma felicidade única. O ouro que brilha, o incenso que perfuma o ambiente e a mirra com suas composições miraculosas.

O papai Noel chega derrubando tudo. Suas renas indisciplinadas dispersam as crianças, reiram a paz dos adultos. Os brinquedos tão espalhafatosos retiram a tranquilidade da noite que deveria ser silenciosa e feliz. O grande problema é que não sabemos que a felicidade mais fecunda é aquela que acontece no silêncio.

É por isso que neste Natal eu não quero muita coisa. Quero apenas o direito de recolher o pequenino menino na manjedoura... Quero acolhê-lo nos braços, cantar-lhe canções de ninar, afagar-lhe os cabelos, apertar-lhe as bochechas, trocar-lhe as fraldas para que não tenha assaduras e dizer nos seus ouvidos que ele é a razão que me faz acreditar que a noite poderá ser verdadeiramente feliz.

Neste Natal eu não quero muito. Quero apenas dividir com Maria os cuidados com o pequeno menino. Quero cuidar dele por ela. Enquanto eu cuido dele, ela pode descansar um pouquinho ao lado de José. Ando desfrutando nos últimos dias o desejo mais intenso de que a vida vença a morte.

Talvez seja por isso que ando desejando uma árvore invisível. O único jeito que temos de vencer a morte é descobrindo a vida nos pequenos espaços. Assim vamos fazendo a substituição. Onde existe o desespero da morte eu coloco o sorriso da vida.
 Bibi Freitas
Abri meu facebook hoje com esta mensagem linda de Sam, meu amigo querido, Anand Sampurno. A Bibi, que o escreveu, colocou em palavras todas as emções que invadem meu coração a cada final de ano. Grata, Bibi e Sam!! Namastê.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A caixa já está cheia, Seu Dito!



Onde construíram o Banco do Brasil , ficava a casa de Tia Calu. Era lá onde passava minhas férias de julho e dezembro. Passava o resto do ano a sonhar com aqueles momentos. Tio Vicente era um homem íntegro, de postura séria e ao mesmo tempo, doce, simpático, fraterno. Enquanto a casas esteve lá, o via, no final da tarde, branco, sem camisa, calças folgadas, a observar o movimento da rua. D. Zelinda voltava da loja, Ditim fechava a farmácia, Ritinha, Teté,  desciam da feira... Todos os primos e tios estavam na cidade e era lá o ponto de encontro. Ninguém se atrevia a vir a Oeiras e deixar de passar por lá. Eram os melhores dias da minha infância e adolescência. Criada distante,  sonhava um dia fazer parte daquele contexto.
Mas não era ainda de mim que pretendia contar , e sim da lembrança que me ocorreu há pouco: o poço, a bomba e a caixa d’água da casa de Tia Calu. Todas as casas da cidade tinham seu poço, a bomba, a caixa e um serviçal que puxava água no final da tarde e pela manhã. Acordava com os passos de Seu Dito, no corredor que levava ao quintal e, através dele, à bomba.  A água da caixa, cedinho, era sempre gelada. Preferia o banho à tarde, quando a água já estava morna, depois de um dia de sol quente.  Da cozinha ficava a escutar os movimentos da manivela, o sim da água a cair em jorros, no inicio percebia a queda do jorro d’água pouca, subindo aos poucos, a cada braçada, até vazar pelo ladrão. O cano que ficava no topo, mostrava que a caixa estava cheia. Seu Dito gostava de dar umas bombadas a mais para deixar “esborrar”.  E ele bombeava e olhava para o cano, no alto, e gostava de ver a água escapar, em pedaços. A expressão de sua face me parecia um riso aliviado. Como se aqueles pedaços d’água saíssem de seus olhos. Gotas de lágrimas a limpar as dores da solidão.
Talvez seja assim com a gente.
Às vezes as dores doem tanto, como aquelas bombeadas, no peito...
Transbordam pelos olhos em lágrimas... Vazam . . .aliviam em forma de sorriso.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Rescatar la dimensión chamánica

Leonardo Boff

02/12/2011
La categoría sostenibilidad, tomada en su sentido amplio y no reducida solo al desarrollo, abarca toda acción enfocada a mantener a los seres en la existencia, porque tienen derecho a coexistir con nosotros, y solo a partir de esta convivencia utilizamos, con sobriedad y respeto, una parte de ellos para atender nuestras necesidades, preservándolos también para las generaciones futuras. En este concepto cabe también el universo. Hoy sabemos por la nueva cosmología que estamos hechos de polvo de estrellas y nos sostiene y pasa por nosotros la misteriosa Energía de Fondo que alimenta todo y que se desdobla en las cuatro fuerzas –la gravitatoria, la electromagnética, la nuclear fuerte y la débil– que, actuando siempre juntas, nos mantienen así como somos.

Como seres conscientes e inteligentes tenemos nuestro lugar y nuestra función dentro del proceso cosmogénico. Si no somos el centro de todo, seguramente somos una de esas puntas avanzadas por las cuales el universo se vuelve sobre sí mismo, es decir, se vuelve consciente. El principio antrópico débil nos permite decir que, para ser lo que somos, todas las energías y procesos de la evolución se organizaron de forma tan articulada y sutil que hicieron posible nuestra aparición. En caso contrario, yo no estaría ahora escribiendo aquí.

A través de nosotros, el universo y la Tierra se ven y se contemplan a sí mismos. La capacidad de ver surgió hace 600 millones de años. Hasta entonces la Tierra era ciega. El cielo profundo y estrellado, las cataratas de Iguaçu, donde me encuentro ahora, el verdor de las selvas de aquí al lado, no se podían ver. A través de nuestra vista, la Tierra y el universo pueden ver toda esta indescriptible belleza.

Los pueblos originarios, de los andinos a los samis del ártico, se sentían unidos al universo, como hermanos y hermanas de las estrellas, formando una gran familia cósmica. Nosotros hemos perdido ese sentimiento de pertenencia mutua. Ellos sentían que las fuerzas cósmicas equilibraban el curso de todos los seres y actuaban en su interior. Vivir en consonancia con estas energías fundamentales era llevar una vida sostenible y llena de sentido.

Sabemos por la física cuántica que la conciencia y el mundo material están conectados y que la manera que un científico escoge para hacer su observación afecta al objeto observado. Observador y objeto observado se encuentran indisolublemente ligados. De ahí que la inclusión de la conciencia en las teorías científicas y en la propia realidad del cosmos es un dato ya asimilado por gran parte de la comunidad científica. Formamos, efectivamente, un todo complejo y diversificado.

Son conocidas las figuras de los chamanes, tan presentes en el mundo antiguo y que hoy están volviendo con renovado vigor, como lo ha mostrado el físico cuántico P. Drouot en su libro El chamán, el físico y el místico (Vergara 2001) que tuve el honor de prologar. El chamán vive un estado de conciencia singular que lo hace entrar en contacto íntimo con las energías cósmicas. Entiende la llamada de las montañas, de los lagos, de los bosques y selvas, de los animales y de los seres humanos. Sabe conducir tales energías para fines curativos y para  armonizarlas con el todo.

En el interior de cada uno de nosotros existe escondida la dimensión chamánica. Esa energía chamánica nos hace quedar en silencio ante la grandeza del mar, vibrar con la mirada de otra persona, estremecernos ante un recién nacido. Necesitamos liberar esta dimensión chamánica en nosotros para entrar en sintonía con todo lo que nos rodea y sentirnos en paz.

Nuestro deseo de viajar con las naves espaciales por el espacio cósmico ¿no será tal vez el deseo arquetípico de buscar nuestros orígenes estelares y el ímpetu de regresar al lugar de nuestro nacimiento? Varios astronautas expresaron ideas semejantes. Esta incontenible búsqueda nuestra de equilibrio con todo el universo y de sentirnos parte del universo pertenece a la noción inteligible de la sostenibilidad.

La sostenibilidad lleva consigo la valoración de este capital humano y espiritual cuyo efecto es producirnos respeto y sentido de sacralidad ante todas las realidades, valores estos que alimentan la ecología profunda y que nos ayudan a respetar y a vivir en sintonía con la Madre Tierra. Hoy se hace urgente esta actitud para moderar la fuerza destructiva que en las últimas décadas se ha apoderado de nosotros.
 

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Belo Monte, nosso dinheiro e o bigode do Sarney

ELIANE BRUM - 31/10/2011 10h47 - Atualizado em 16/11/2011 12h50

Um dos mais respeitados especialistas na área energética do país, o professor da USP Célio Bermann, fala sobre a “caixa preta” do setor, controlado por José Sarney, e o jogo pesado e lucrativo que domina a maior obra do PAC. Conta também sua experiência como assessor de Dilma Rousseff no Ministério de Minas e Energia

Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: ÉPOCA) 
ELIANE BRUM Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de um romance -Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo). E codiretora de dois documentários: Uma História Severina e Gretchen Filme Estrada.
elianebrum@uol.com.br     @brumelianebrum 
Se você é aquele tipo de leitor que acha que Belo Monte vai “afetar apenas um punhado de índios”, esta entrevista é para você. Talvez você descubra que a megaobra vai afetar diretamente o seu bolso. Se você é aquele tipo de leitor que acredita que os acontecimentos na Amazônia não lhe dizem respeito, esta entrevista é para você. Para que possa entender que o que acontece lá, repercute aqui – e vice-versa. Se você é aquele tipo de leitor que defende a construção do maior número de usinas hidrelétricas já porque acredita piamente que, se isso não acontecer, vai ficar sem luz em casa para assistir à novela das oito, esta entrevista é para você. Com alguma sorte, você pode perceber que o buraco é mais embaixo e que você tem consumido propaganda subliminar, além de bens de consumo. Se você é aquele tipo de leitor que compreende os impactos socioambientais de uma obra desse porte, mas gostaria de entender melhor o que está em jogo de fato e quais são as alternativas, esta entrevista também é para você.
Como tenho escrito com frequência sobre a megausina hidrelétrica de Belo Monte, por considerar que é uma das questões mais relevantes do país no momento, observo com atenção as manifestações dos leitores que comentam neste espaço ou em redes sociais como o Twitter. Anotei as principais dúvidas para incluí-las aqui e assim colaborar com o debate.
Desta vez, propus uma conversa sobre Belo Monte a Célio Bermann, um dos mais respeitados especialistas do país na área energética. Bermann é professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP), com doutorado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Unicamp. Publicou vários livros, entre eles: “Energia no Brasil: Para quê? Para quem? – Crise e Alternativas para um País Sustentável” (Livraria da Física) e “As Novas Energias no Brasil: Dilemas da Inclusão Social e Programas de Governo” (Fase). Ex-petista, ele participou dos debates da área energética e ambiental para a elaboração do programa de Lula na campanha de 2002 e foi assessor de Dilma Rousseff entre 2003 e 2004, no Ministério de Minas e Energia. Célio Bermann foi também um dos 40 cientistas a se debruçar sobre Belo Monte para construir um painel que, infelizmente, foi ignorado pelo governo federal.

Vale a pena ouvir o professor a qualquer tempo. Mas, especialmente, depois de uma semana dramática como a passada. Na quarta-feira (26/10), o julgamento da ação movida pelo Ministério Público Federal reivindicando que os índios sejam ouvidos sobre a obra, como determina a Constituição, foi interrompida e adiada mais uma vez no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. Na mesma quarta-feira, chamado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) para explicar por que não suspendeu as obras de Belo Monte, o Brasil não compareceu, desrespeitando o organismo internacional e exibindo um comportamento mais usual em ditaduras. Em reportagem publicada em 20/10, o Estadão denunciou que, como retaliação por ter sido advertido sobre Belo Monte, o Brasil deixou de pagar sua cota anual como estado-membro.
Na quinta-feira (27/10), centenas de pessoas, entre indígenas, ribeirinhos e moradores das cidades atingidas, ocuparam pacificamente o canteiro de obras de Belo Monte, no rio Xingu, pedindo a paralisação da construção da usina. Foram expulsos por ordem judicial. Enquanto o canteiro de obras era ocupado por uma população invisível para o governo de Dilma Rousseff, o cineasta Daniel Tendler apresentava no Seminário Nacional de Grandes Barragens, no Rio de Janeiro, o projeto de uma megaprodução cinematográfica que se propõe a documentar as obras de Belo Monte por cinco anos. O projeto é comandado pela LC Barreto, a produtora da poderosa família Barreto, a mesma que fez “Lula, O Filho do Brasil”. Tendler, aliás, foi um dos roteiristas do filme sobre a vida do ex-presidente. Entre as repercussões da megaprodução cinematográfica sobre a megaobra do PAC no Twitter, destacou-se uma: “Os Barreto estão para o cinema nacional como os Sarney para a política”.
Ainda na semana passada, o governo federal publicou um pacote de sete portarias ministeriais com o objetivo de “destravar a concessão de licenças ambientais no país para acelerar grandes empreendimentos, como rodovias, portos, exploração de petróleo e gás, hidrelétricas e até linhas de transmissão de energia”. Ou seja: o governo caminha para anular as conquistas socioambientais obtidas na redemocratização do país.

Dias antes, em 26/10, o Senado havia aprovado um projeto de lei que retira o poder do Ibama para multar crimes ambientais, como desmatamentos. Se não for vetado pela presidente, o poder de multar passará para estados e municípios, sujeito às pressões locais já bem conhecidas. A aprovação do projeto aconteceu quatro dias depois de mais um assassinato no Pará: João Chupel Primo, mais conhecido como João da Gaita, foi morto com um tiro na cabeça, depois de denunciar ao Ministério Público Federal, em Altamira, uma rota de desmatamento ilegal na reserva extrativista Riozinho do Anfrísio e na Floresta Nacional Trairão, área do entorno de Belo Monte. Como de hábito, o Congresso decide os rumos do país desconectado com o que acontece na vida real para além do aquário brasiliense.
No momento histórico em que recursos como água e biodiversidade se consolidam como o grande capital de uma nação, o Brasil, um dos países mais beneficiados pela natureza no planeta, corre em marcha à ré. O cenário que você acabou de ler tem no centro – como obra simbólica e estratégica – Belo Monte, a maior obra do PAC. A seguir, parte de minha conversa de quase três horas com o professor Célio Bermann, em sua sala no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP. 
- Por que o senhor, assim como outras pessoas que estudam o setor, afirma que a área energética do país é uma “caixa preta”. Afinal, que caixa preta é essa?

Célio Bermann – A política energética do nosso país é uma caixa preta e é mantida dessa forma por uma série de razões. Primeiro, porque a baixa escolaridade da população brasileira não permite, por exemplo, que o leitor da Época entenda o que é terawatts-hora. Mas seria interessante que a população toda tivesse conhecimento e pudesse, com informação, começar a definir junto com empresas e governo os rumos que são mais adequados. Acho que a academia tem um papel fundamental nesse processo. Eu, particularmente, tento, na área do meu conhecimento, procurar as populações tradicionais, mostrar o que é uma usina hidrelétrica, por que alaga quando você interrompe o fluxo, o que é uma barragem, e como isso vai acabar transformando a vida da comunidade. Acho importante que a academia preste esse tipo de informação, já que governo e empresas não o fazem.
- Sim, mas por que o setor energético tem sido uma caixa preta por décadas?

Bermann -
A governabilidade foi encontrada através de uma aliança que mantém o círculo de interesses que sempre estiveram no nosso país. É a mesma turma que continua na área energética. E isso é impressionante. A população não participa do processo de decisões. Não existem canais para isso. Ainda no governo FHC, durante a privatização, o governo criou um Conselho Nacional de Política Energética. Nos dois mandatos de FHC participavam os dez ministros, mas havia um assento para um representante da academia e um da chamada sociedade civil. Eles sentavam, discutiam as diretrizes energéticas de uma forma aparentemente saudável, mas, no frigir dos ovos, na prática não mudava nada. De qualquer forma, havia pelo menos esse sentido de escutar. Isso, com Lula, acabou. O resultado do governo "democrático popular" do Lula, nos dois mandatos, e da Dilma, agora, é a negação de escutar outros interesses que não sejam aqueles que sempre estiveram junto ao poder. A própria Dilma, no início do governo Lula, tinha uma dificuldade muito grande de ouvir, de sentar-se com os movimentos sociais e ouvir. Eu tive a oportunidade de vivenciar o primeiro mandato do Lula, lá, em Brasília.
- E qual era o seu papel?

Bermann –
Era apagar fogo, este era o meu papel...
- Mas, oficialmente...

Bermann -
O meu papel era tentar amenizar um pouco os conflitos, mas, oficialmente, eu fui trabalhar com a Dilma como assessor ambiental no Ministério de Minas e Energia. A ideia inicial era criar uma Secretaria de Meio Ambiente dentro do ministério. Era a época em que tínhamos a Marina (Silva) falando em transversalidade, então havia um ambiente extremamente propício para aparar arestas e ver se a coisa poderia caminhar de uma forma mais adequada. Achei, então, que a melhor forma de fazer isso não era criar um lugar dos ambientalistas no ministério, mas colocar em todas as secretarias do ministério gente que pensasse o meio ambiente. Mas acabei ficando um ano lá em Brasília. Mesmo assim, foi extremamente interessante, porque me permitiu sair da academia e ter, na prática, a percepção de como as coisas se dão no dia a dia dentro do governo.
- E como as coisas se dão no dia a dia dentro do governo?

Bermann –
É um horror. É uma lentidão. É um imobilismo. É incrível a capacidade da máquina de governo de fazer de conta que faz sem estar fazendo absolutamente nada. Eu falo isso com todos os pontos nos “is”. No início do governo se buscava um entendimento entre os chamados "ministérios fins" e o meio ambiente. Transportes, por causa da construção de estradas e portos, e Minas e Energia, por causa da atividade mineral, metalúrgica e energética, e as questões ambientais que são intrínsecas a essas atividades. Houve uma boa intenção de levar adiante a possibilidade do estabelecimento de pontos comuns. Fizemos, então, um acordo entre Ministério de Minas e Energia e Ministério do Meio Ambiente em função da definição de "pontos comuns", de procurar verificar onde poderíamos estabelecer alguns consensos. Era um documento em que se definia uma agenda energética e ambiental comuns aos dois ministérios. Se bem me lembro, o documento foi concluído em setembro de 2003. Mas as duas ministras só foram assinar em 31 de março de 2004.

- Por quê?

Bermann –
Boa pergunta. Por quê? Boas intenções... mas por quê? Eu realmente não consigo definir exatamente se era uma questão de veleidade... não sei. No final de 2003 a Marina começou a perceber a dificuldade de ela continuar, e o Lula, daquele jeito dele, deixando a coisa acontecer. Naquele momento, o governo poderia ter tido uma agenda comum, um processo extremamente positivo de entender que existem usinas hidrelétricas que não devem ser construídas.

Em 2003, a Dilma estava feliz porque tinha conseguido afastar a turma do Sarney do setor elétrico"
Célio Bermann
- Imagino que não era fácil ser assessor ambiental da Dilma Rousseff...

Bermann -
É, foi uma coisa meio... difícil. Como falei, eu tinha uma relação particular com os movimentos sociais e estava mais numa situação de bombeiro. Vou te contar uma coisa, como referência. Eu encontrei a Dilma na posse do (físico) Luiz Pinguelli Rosa, no Rio de Janeiro, como presidente da Eletrobrás. Ela estava extremamente satisfeita, alegre, contente, porque tinha conseguido, politicamente, afastar a turma do (José) Sarney da seara energética. (Luiz Pinguelli Rosa deixaria o cargo em 2004, a pedido de Lula, que precisava colocar alguém ligado ao PMDB e a José Sarney.) Para você ver. Na época, o (José Antonio) Muniz (Lopes) era diretor da Eletronorte... e depois tornou-se presidente da Eletrobrás (de 2008 a 2011).
- O José Antonio Muniz Lopes, um homem da cota do Sarney, é um personagem longevo nessa história de Belo Monte... Só para situar os leitores, em 1989, no último ano do governo Sarney, ele era diretor da Eletronorte e foi no rosto dele que a índia caiapó Tuíra encostou seu facão por causa da proposta de Belo Monte (então chamada de Kararaô), naquela foto histórica que correu mundo. O tal do Muniz já estava lá... Depois de deixar a presidência da Eletrobrás, no início deste ano, continuou lá, agora como diretor de Transmissão da Eletrobrás...
Bermann –
Pois então. Naquela época, em 2003, era ele o diretor da Eletronorte que a Dilma tinha ficado feliz por ter conseguido afastar. Por isso que eu falo que não é o governo Lula, é o governo Lula/Sarney. E agora Dilma/Sarney. Constituiu-se um amálgama entre os interesses históricos do superfaturamento de obras, sempre falado, nunca evidenciado. Não se trata de construir uma usina para produzir energia elétrica. Uma vez construída, alguém vai precisar produzir energia elétrica, mas não é para isso que Belo Monte está sendo construída. O que está em jogo é a utilização do dinheiro público e especialmente o espaço de cinco, seis anos em que o empreendimento será construído. É neste momento que se fatura. É na construção o momento onde corre o dinheiro. É quando prefeitos, vereadores, governadores são comprados e essa situação é mantida. Estou sendo muito claro ao expor a minha percepção do que é uma usina hidrelétrica como Belo Monte.
- No momento em que o senhor encontrou a Dilma, logo na constituição da equipe do primeiro mandato de Lula, o senhor conta que ela estava feliz porque tinha conseguido tirar a turma do Sarney do comando da área energética. O que aconteceu a partir daí?
Bermann -
A pergunta é: tirou mesmo?
- E qual é a resposta?
Bermann -
Naquele momento, manter esse pessoal à distância era estratégico para reconstruir as relações e viabilizar algumas das diretrizes que tinham sido objeto da proposta de governo. O que aconteceu é que a vida dessa situação (de afastamento) foi extremamente curta devido às relações de poder. Eles não gostaram de se sentir afastados. E eu suponho que a percepção do problema da governabilidade no governo Lula foi uma ação desses setores que tinham percebido que estavam longe da teta da vaca e que não podiam continuar assim. Qual era o jeito de fazer? PMDB era oposição. Vamos conversar... E aí se reacomodam as questões. Eu não digo que seja um grupo de ladrões mercenários. Não é isso que está em jogo. Mas essa capilaridade do Sarney permite manter o usufruto do poder. Eu não sou psicólogo para entender o que o senhor Sarney pensa quando vê o Muniz voltar para o governo, ou quando se encontra diante da incapacidade técnica do senador Edison Lobão ao conduzir o Ministério de Minas e Energia no governo Lula e agora no de Dilma. Não há lógica para isso. Vou dizer de novo: não é possível a gente acreditar na capacidade gerencial de um governo que se submete a esse tipo de articulação política, colocando uma pessoa absolutamente incapaz de entender o que é quilowatt, quilowatt-hora. De ir a público sem saber a diferença entre tensão em volts e energia em quilowatts-hora.

- O senhor está falando do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão?
Bermann-
Edison Lobão.

- E Belo Monte ocupa que lugar nesse jogo?

Bermann -
É a oportunidade de se fazer dinheiro e de se reconstituir as relações de poder. Essa obra tinha sido sepultada em 1989, por conta da mobilização da população indígena, e voltou à tona no governo Lula, aprovada pelo Congresso (em 2005) com o discurso de que era um novo projeto.
“O valor de Belo Monte aumentou em mais de R$ 20 bilhões em apenas cinco anos. E deverá ser maior ainda. Sem contar que 80% do financiamento é dinheiro público"
Célio Bermann
- A ameaça de retomar Belo Monte esteve presente também durante o governo Fernando Henrique Cardoso, mas só no governo Lula saiu mesmo do papel, o que ninguém imaginava que acontecesse, devido ao apoio massivo dos movimentos sociais da região à campanha de Lula. O senhor acha que o fato de Belo Monte ter saído do papel tem a ver com a denúncia do Mensalão, em 2005, e a recomposição das forças políticas para a eleição de 2006?
Bermann - Não tenho a mínima ideia. Mas vamos falar em cifras, agora. Em 2006 o projeto foi anunciado com um custo de R$ 4,5 bilhões. Você sabe, as cifras avançaram violentamente. Antes de ir para o leilão, a usina foi avaliada em R$ 19 bilhões. Foi feito o leilão e se definiu um custo fictício de geração de energia elétrica de R$ 78 o megawatt-hora.

- Por que fictício?

Bermann -
Fictício porque esse custo não remunera o capital investido. É por isso que várias empresas caíram fora do empreendimento, sob o ponto de vista da geração da energia elétrica. Mas as grandes empreiteiras estão presentes, porque não é na venda da energia elétrica, mas sim na obra que se dá uma parte significativa da apropriação da renda. Com o consórcio constituído com 50% entre Eletrobrás e Eletronorte, as empreiteiras voltaram para fazer a obra. A elas interessa a obra – e não ficar vendendo energia elétrica. Essa situação é entendida pelos dirigentes, pelo governo, como normal. Para o governo federal, é uma parceria público-privada que está dando certo. Em que termos? A obra hoje está oficialmente orçada em R$ 26 bilhões. Imagine, de R$ 4,5 bilhões para R$ 26 bilhões...
- Em cinco anos, o valor da obra avançou em mais de R$ 20 bilhões?
Bermann –
Oficialmente está hoje orçada em R$ 26 bilhões. Mas existem estimativas de que não vai sair por menos de R$ 32 bilhões. Isso sem falar em superfaturamento.

- Deste valor, quanto sairá do BNDES, ou seja, do nosso bolso?

Bermann –
Oitenta por cento da grana para isso é dinheiro público. O que estamos testemunhando é um esquema de engenharia financeira para satisfazer um jogo de interesses que envolve empreiteiras que vão ganhar muito dinheiro no curto prazo. Um esquema de relações de poder que se estabelece nos níveis local, estadual e nacional – e isso numa obra cujos 11.200 megawatts de potência instalada só vão funcionar quatro meses por ano por causa do funcionamento hidrológico do Xingu. Então, é preciso entender que a discussão sobre a volta da inflação não se dá porque está aumentando o preço da cebola, do tomate, do leite... É por causa da volúpia de tomar recursos públicos que será necessário fabricar dinheiro. O ritmo inflacionário vai se dar na medida em que obras como Belo Monte forem avançando e requerendo que se pague equipamento, que se pague operários, que se pague uma série de coisas e também que se remunere com superfaturamento.

Com Belo Monte, ganham as empreiteiras e os vendedores de equipamentos. E ganham os políticos que permitem que essa articulação seja possível"
Célio Bermann
- Quem perde a gente já sabe. Agora, quem ganha, além das empreiteiras envolvidas na obra?
Bermann -
Há as pessoas que ganham pela obra - fabricantes de equipamentos, empreiteiras. E há quem ganhe não financeiramente, mas politicamente, por permitir que essa articulação seja possível, porque é esse pessoal que vai bancar a campanha para o próximo mandato. É a escolinha ou o posto de saúde que eventualmente aquele vereador, aquele prefeito vai dizer: "É obra minha!". É isso que está em jogo. É dessa forma que a cultura política se estabelece hoje no nosso país. Isso precisa mudar. Como? É complicado.
- O senhor costuma usar a expressão “Síndrome do Blecaute” para se referir ao pânico da população de ficar à luz de velas devido a um apagão energético. Acredita que essa “síndrome” é manipulada pelo governo federal e pelos grandes interesses empresariais para emprestar um caráter de legitimidade a megaobras como Belo Monte?

Bermann –
O que eu tenho chamado de "Síndrome do Blecaute" conduz à legitimação de empreendimentos absolutamente inconsistentes. Belo Monte, como foi provado pelo conjunto de cientistas que se debruçaram sobre o tema (painel dos especialistas), é uma obra absolutamente indesejável sob o ponto de vista econômico, financeiro e técnico. Isso sem falar nos aspectos social e ambiental. Mas se dissemina uma ideia do caos e, hoje, há 77 projetos de usinas hidrelétricas somente na Amazônia que utilizam a "Síndrome do Blecaute" para se viabilizarem. O fato de hoje o aquecimento global dominar a mídia e o senso comum, assim como a própria academia, ajuda a mostrar a hidroeletricidade como uma grande maravilha, independentemente do lugar em que a usina vai ser construída e dos impactos que ela vai causar. Mas o que é preciso compreender e questionar? Hoje, seis setores industriais consomem 30% da energia elétrica produzida no país. Dois deles são mais vinculados ao mercado doméstico, que é o cimento e a indústria química. Mas os outros quatro têm uma parte considerável da produção para exportação: aço, alumínio primário, ferroligas e celulose.
- As chamadas indústrias eletrointensivas...
Bermann –
Isso. Eu não estou defendendo que devemos fechar as indústrias eletrointensivas, que demandam uma enorme quantidade de energia elétrica a um custo ambiental altíssimo. Mas acho absolutamente indesejável que a produção de alumínio dobre nos próximos 10 anos, que a produção de aço triplique nos próximos 10 anos, que a produção de celulose seja multiplicada por três nos próximos 10 anos. E é isso que está sendo previsto oficialmente.
- O que poucos parecem perceber e menos ainda questionam, quando essas metas são comemoradas, é a forma como o Brasil está inserido no mercado internacional em pleno século XXI. O quanto o fato de nossa economia estar baseada na exportação de bens primários tem a ver com a necessidade de grandes hidrelétricas?

Bermann –
Desde a ditadura militar, passando pela redemocratização, pelos sucessivos governos até FHC, tem sido assim. Nós imaginávamos que, com Lula, essa questão ia ser reorientada. Porque o programa de governo em que eu me envolvi preconizava a necessidade dessa mudança. E o que aconteceu? Se você comparar os dados de 2001 com os dados de 2010, vai constatar que a economia brasileira está se primarizando cada vez mais. Isto é: cada vez mais são produzidos no Brasil bens industriais primários, sem agregação de valor. E são justamente os bens primários que consomem muita energia e geram pouco emprego. Além disso, satisfazem uma demanda marcada pelo consumismo. E o Brasil se mostrou incapaz de dizer: "Não, nós não vamos fazer isso".

- E depois esses produtos retornam para o Brasil, via importação, com valor agregado...

Bermann –
É. Eu sempre chamo a atenção para o fato de que, do alumínio primário que o Brasil produz, 70% é exportado. E o alumínio consome muita energia. Para se pegar um barro vermelho, que é a bauxita, e transformá-la em alumínio, é preciso um processo de produção extremamente devastador sob o ponto de vista ambiental. Há um primeiro refino para obter a alumina, que é um pó branco. Esse pó branco tem como consequência ambiental uma borra chamada de “lama vermelha”. Um ano atrás, na Europa, na Hungria, houve uma catástrofe em função do rompimento de uma barragem que continha essa lama vermelha e tóxica. Ela se espalhou pelo Rio Danúbio e foi um horror. E cada vez mais se faz isso no nosso país – e, claro, não se faz mais isso nos países centrais. Isso não está acontecendo agora no Brasil, está acontecendo desde os anos 70.

“Com Lula – e agora com Dilma – ocorreu a reprimarização da economia, com exportação de bens primários sem valor agregado, numa subordinação ao mercado internacional"
Célio Bermann
- Houve acentuação desse processo no governo Lula e agora no de Dilma Rousseff?

Bermann –
O que acontece a partir de Lula é o que eu tenho chamado de "reprimarização da economia". Nós já tivemos uma época em que a economia dependia basicamente da produção de bens primários: café, açúcar e também alguns bens industriais primários. Depois, tivemos Getúlio Vargas, Juscelino (Kubitschek), e nos anos 50 houve a substituição das importações com a vinda da indústria pesada. Aquele período marca um processo acelerado de industrialização da economia brasileira em que se buscava um desenvolvimento tecnológico para acompanhar o ritmo internacional. Agora, vivemos a reprimarização da economia. E não é uma questão do governo, simplesmente. O governo poderia tornar essa questão pública, dar condições para que a população compreendesse e debatesse o que está em jogo, e isso pudesse servir como base de apoio para uma tomada de decisão do tipo: "Olha, Alcoa (corporação de origem americana com grande presença no Brasil, é a principal produtora mundial de alumínio primário e alumínio industrializado, assim como a maior mineradora de bauxita e refinadora de alumina), vocês não vão continuar aumentando a produção aqui no Brasil. Procurem um outro lugar. A produção de energia elétrica gera um problema ambiental enorme, um problema social enorme, e nós vamos priorizar a demanda da população”. Mas, infelizmente, isso não é feito.

- Mas essa obstinação do governo Lula, e agora do governo Dilma, em fazer Belo Monte, mesmo já tendo um prejuízo de imagem aqui e lá fora, mesmo tendo mais de uma dezena de ações judiciais contra a obra movidas pelo Ministério Público Federal, fora as outras... Essa obstinação se dá apenas por causa do esquema de governabilidade, do esquema político para as eleições a curto e médio prazo, ou é por mais alguma coisa?

Bermann –
Isso já não te parece plausível? Ou você acha que tem alguma coisa meio doentia, que precisa ser explicada? (risos)

- Doentia, não sei. Mas eu gostaria de compreender melhor por que o senhor e a maioria dos especialistas que estudaram o projeto afirmam que esta obra é ruim também do ponto de vista técnico.

Bermann –
Divulgaram que esta será a única usina do Xingu. Inclusive, houve um seminário recente aqui na USP em que tive a oportunidade de discutir com o Mauricio Tolmasquim (presidente da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia). E ele veio com essa ladainha: “Vai ser a única...”. E eu disse a ele: “Com o perdão do poeta, o que você está afirmando, somente de papel passado, com firma em cartório e assinado: Deus”.
- O senhor não acredita que será a única usina do Xingu, então?
Bermann –
Me diga alguma coisa no nosso país que vigorou como cláusula pétrea. Me fale alguma coisa aqui no nosso país que foi dito de uma forma e se manteve ao longo do tempo. VAI ser necessário construir outras usinas. No atual projeto, esta é uma usina que vai funcionar à plena carga, no máximo, quatro meses por ano, por causa do regime hidrológico. Se ela estiver sozinha, o volume de água para rodar as turbinas dependerá da quantidade de chuva. E aquela região tem a seguinte característica: quando chove, quando tem água, quando desce a água dos tributários para o Xingu é muita água, é um volume enorme de água. Mas isso só acontece durante quatro meses por ano. Só nesse período os 11.200 megawatts vão estar operando. Em outubro, na época da estiagem, será apenas 1.100 megawatts, um décimo. Então, a pergunta é: por que construir uma usina desse porte, se, na média anual, ela vai operar com 4.300 megawatts? Necessariamente vão vir as outras quatro. Eu estou afirmando isso, infelizmente. Tecnicamente, eu tenho absoluta certeza. Porque as usinas rio acima vão segurar a água e aí Belo Monte não vai depender da quantidade de chuva. É o único jeito dessa potência instalada de 11.200 megawatts existir de fato.

“O conceito do governo e das empresas não é o de população atingida, mas o de população afogada"
Célio Bermann
- O senhor está dizendo que o governo federal está mentindo ao afirmar que será apenas uma usina, para conseguir vencer as resistências ao projeto e aprová-la, e depois fará mais três ou quatro?

Bermann –
Estou dizendo que, da forma como esta usina está colocada, é uma aberração técnica tão grande que é totalmente ilógico construí-la.
- E essa afirmação, discutida hoje na Justiça, de que os povos indígenas não serão atingidos?
Bermann –
A noção que as empresas e o governo federal têm é a noção de população afogada – e não atingida.

- Agora, digamos que nós concordássemos que a obstinação de construir Belo Monte, ainda que atropelando a população e talvez a Constituição, se devesse à necessidade de energia elétrica. E digamos que Belo Monte fosse de fato um projeto de engenharia viável e inteligente. As usinas hidrelétricas são as melhores opções para a geração de energia no Brasil de hoje? Quais são as alternativas a elas?

Bermann –
Não podemos olhar a questão da produção de energia sem questionar ou considerar o outro lado, que é o consumo de energia. Parece meio prosaico, porque envolve hábitos culturais da população. E a população sempre entendeu que energia elétrica se resume a você apertar o botão e ter eletricidade disponível. E por isso fica em pânico com a “Síndrome do Blecaute”. Mas é preciso pensar além disso. Não estou dizendo para fechar as fábricas de alumínio, de aço e de celulose no Brasil. O que estou dizendo é o seguinte: parem de ampliar a produção. Parem, porque diversos países desenvolvidos já fizeram isso. O Japão fez mais do que isso. O Japão produzia, em 1980, 1,6 milhões de toneladas de alumínio. Nós estamos produzindo quase 1,7 milhões de toneladas hoje. Só que a energia elétrica necessária para produzir alumínio tornou-se da ordem do absurdo. Então o governo japonês, as empresas japonesas produtoras de alumínio e os trabalhadores da indústria do alumínio realizaram um debate que culminou com o fechamento de todas as usinas de produção de alumínio primário no Japão, exceto uma. Isso ainda nos anos 80. Hoje, o Japão produz apenas 30 mil toneladas. De 1,6 milhões para 30 mil toneladas. Diante da necessidade de gerar muita energia para produzir alumínio, o que o Japão fez? O governo e a sociedade japonesa disseram: “Vamos priorizar a eficiência, o maior valor agregado. Nós não precisamos produzir aqui. Tem o Brasil, tem a Venezuela, tem a Jamaica, tem os lugares para onde a gente pode transferir as plantas industriais e continuar a assegurar o suprimento para a nossa necessidade industrial. A gente pega esse alumínio, agrega valor e exporta na forma de chip. Parece uma coisa tão besta, né? Mas foi isso o que os japoneses fizeram. Eles mantiveram o crescimento econômico e reduziram a demanda por energia. Nós estamos caminhando no sentido inverso. Estamos aumentando o consumo de energia a título de crescimento e desenvolvimento, e, numa atitude absolutamente ilógica, porque a gente exporta hoje a tonelada de alumínio a US$ 1.450, US$ 1.500 dólares. E, para se ter uma ideia, hoje falta esquadrias de alumínio no mercado interno, no mercado de construção brasileiro. O preço foi aumentado por indisponibilidade. Hoje, e fizemos um estudo recente sobre isso, é preciso importar esquadrias de alumínio porque a oferta no mercado interno é insuficiente. E, enquanto o Brasil exporta o alumínio por US$ 1.450, US$ 1.500, o preço da tonelada de esquadria importada é o dobro: cerca de US$ 3 mil a tonelada.
- Para o senhor, a questão de fundo é outra...
Bermann -
Nós temos pouca capacidade de produzir alumínio com valor agregado. Então, não estou dizendo para fechar essas fábricas, botar os trabalhadores na rua, mas dizendo para parar de produzir alumínio primário, que exige uma enorme quantidade de energia, e investir no processo de melhoria da matéria-prima para satisfazer inclusive a demanda interna hoje insatisfeita. Agora, vai perguntar isso para a ABAL (Associação Brasileira de Alumínio). Veja se eles estão pensando dessa forma. Billiton, Alcoa, mesmo o sempre venerado Antônio Ermírio de Moraes, com a Companhia Brasileira de Alumínio. A perspectiva desse pessoal é a cega subordinação ao que define hoje o mercado internacional, o mercado financeiro. E é assim que o nosso país fica desesperado com a ideia de que vai faltar energia.

Não é Programa Luz para Todos, mas Luz para quase Todos ou Conta de Luz para Todos"
Célio Bermann
- Além de ser um modelo de desenvolvimento que prioriza a exportação de bens primários, sem valor agregado, é também um modelo de desenvolvimento que ignora o esgotamento de recursos. Enquanto tem, explora e lucra. Alguns poucos ganham. O custo socioambiental, agora e no futuro, será dividido por todos...

Bermann –
Isso. Os recursos naturais são limitados. Por isso, no meu ponto de vista, a discussão do aquecimento global obscurece o entendimento da hidroeletricidade em particular. Ficamos às cegas. Para transformar o barro da bauxita naquele pó branco do alumínio, que depois é fundido através de uma corrente elétrica, é uma quantidade de energia enorme, absurda. Essa possibilidade você não vai conseguir com energia solar, com energia eólica. São processos produtivos que exigem a manutenção do suprimento de energia elétrica 24 por 24 horas. A solar não consegue fazer isso na escala necessária. Uma tonelada de alumínio consome 15 a 16 mil kilowatts-hora. Para se ter uma ideia, na média, o consumidor brasileiro consome, por domicílio, 180 kilowatts-hora por mês, o que é baixo. Nós ainda estamos vivendo uma situação muito próxima da miserabilidade em termos energéticos para a população. Nós temos uma demanda a ser satisfeita com equipamentos eletrodomésticos. Satisfeita não construindo grandes usinas hidrelétricas para as empresas eletrointensivas, mas para conseguirmos equilibrar a qualidade de vida, que se deve fundamentalmente a uma herança histórica: a de sermos um dos países com a pior distribuição de renda do mundo.

- Uma das piores distribuições de renda e uma das piores distribuições de eletricidade do mundo...

Bermann –
Eu chamo o programa de universalização de "Luz para quase todos". Não é para todos, é para quase todos. Desde que estejam próximos da rede para extensão, tudo bem. Mas, para o sujeito distante, só agora é que se começa a pensar em sistemas de produção descentralizada. A percepção ainda é, infelizmente, de pegar e estender a rede. Mas o custo de extensão da rede é muito alto. Principalmente, se você pegar e atravessar 15 quilômetros para atender duas, três casas. O lógico seria a adoção de energia descentralizada em escala menor, que seja mais bem controlada pela população. Mas isso não passa pela cabeça porque define inclusive uma outra relação social. Eu também chamo esse programa de “Conta de luz para todos”, porque de repente você fica refém de uma companhia e necessariamente paga conta de luz, quando você poderia criar uma situação de autonomia energética.

- O senhor poderia explicar melhor quais são as alternativas para a população, já que todos nós crescemos dentro de uma lógica em que recebemos a conta da luz e pagamos a conta da luz; apertamos um botão na parede e a luz se faz. A realidade está exigindo que sejamos mais criativos e tenhamos mais largura de raciocínio. Quais são as alternativas para o cidadão comum, especialmente o de regiões mais afastadas?

Bermann –
Depende muito do acesso à tecnologia existente no local ou na região. Hoje, por exemplo, temos no Rio Grande do Sul uma experiência de queimar casca de arroz para gerar energia. O calor da queima da casca de arroz aquece a água, a água se transforma em vapor e esse vapor é injetado num tubo e gira uma turbina produzindo energia elétrica. Não tem nada de fantástico nisso, esse processo é conhecido há muito tempo, mas, puxa vida, eu estou tão acostumado a simplesmente acender e apagar o botão... Vou ficar agora me preocupando se tem combustível? Existe um lado meio trágico da população em geral que é o comodismo: deixa que resolvam por mim. Então, quando você me pergunta sobre alternativas, depende do que a gente está falando. Existem alternativas promissoras deixando de produzir mais mercadorias eletrointensivas. Como também é promissor ter esquemas de financiamento para que o pequeno empresário adquira um painel fotovoltaico (placa que transforma luz solar em energia elétrica) ou uma usina de geração eólica (transformação de vento em energia elétrica). E use essa tecnologia que está disponível para satisfazer as suas necessidades, sem necessariamente ficar ligado a uma grande linha de transmissão, de distribuição, puxando energia não sei de onde.

- O que o senhor diria para a parcela da população brasileira que faz afirmações como estas: "Ah, se não construir Belo Monte não vai ter luz na minha casa", ou "Ah, esses ecochatos que criticam Belo Monte usam Ipad e embarcam em um avião para ir até o Xingu ou para a Europa fazer barulho". O que se diz para essas pessoas para que possam começar a compreender que a questão é um pouco mais complexa do que parece à primeira vista?
Bermann –
Não é verdade que nós estamos à beira de um colapso energé
tico. Não é verdade que nós estamos na iminência de um “apagão”. Nós temos energia suficiente. O que precisamos é priorizar a melhoria da qualidade de vida da população aumentando a disponibilidade de energia para a população. E isso se pode fazer com alternativas locais, mais próximas, não centralizadas, com a alteração dos hábitos de consumo. É importante perder essa referência que hoje nos marca de que esse tipo de obra é extremamente necessário porque vai trazer o progresso e o desenvolvimento do país. Isso é uma falácia. É claro que, se continuar desse jeito, se a previsão de aumento da produção das eletrointensivas se concretizar, vai faltar energia elétrica. Mas, cidadãos, se informem, procurem pressionar para que se abram canais de participação e de processo decisório para definir que país nós queremos. E há os que dizem: “Ah, mas ele está querendo viver à luz de velas...”. Não, eu estou dizendo que a gente pode reduzir o nosso consumo racionalizando a energia que a gente consome; a gente pode reduzir os hábitos de consumo de energia elétrica, proporcionando que mais gente seja atendida, sem construir uma grande, uma enorme usina que vai trazer enormes problemas sociais, econômicos e ambientais. É importante a percepção de que, cada vez que você liga um aparelho elétrico, a televisão, o computador, ou a luz da sua casa, você tenha como referência o fato de que a luz que está chegando ali é resultado de um processo penoso de expulsão de pessoas, do afastamento de uma população da sua base material de vida. E isso é absolutamente condenável, principalmente se forem indígenas e populações tradicionais. Mas também diz respeito à nossa própria vida. É necessário ter uma percepção crítica do nosso modo de vida, que não vai se modificar amanhã, mas ela precisa já estar na cabeça das pessoas, porque não é só energia, é uma série de recursos naturais que a gente simplesmente não considera que estão sendo exauridos e comprometidos. É necessário que desde a escola as crianças tenham essa discussão, incorporem essa discussão ao seu cotidiano. Eu também tenho uma dificuldade muito grande de chegar aqui na minha sala e não ligar logo o computador para ver emails, essas coisas. Confesso que tenho. Mas eu também percebo uma grande satisfação quando eu consigo não fazer isso. E essa percepção da satisfação é uma coisa cultural, pessoal, subjetiva. Mas ela precisa ser percebida pelas pessoas. De que o nosso mundo não existe apenas para nos beneficiarmos com essas "comodidades" que a energia elétrica em particular nos fornece. Agora isso exige um esforço, e a gente vive num mundo em que esse esforço de perceber a vida de outra forma não é incentivado. Por isso é difícil. E por isso, para quem quer construir uma usina, quer se dar bem, quer ganhar voto, quer manter a situação de privilégio, seja local ou nacional, para essas pessoas é muito fácil o convencimento que é praticado com relação a essas obras. Por mais que eu tenha sempre chamado a atenção para o caráter absolutamente ilógico da usina, das questões que envolvem a lógica econômico e financeira dessa hidrelétrica, para o absurdo que é a utilização do dinheiro público para isso, para a referência à necessidade de se precisar, num futuro próximo, enfrentar um ritmo violento de custo de vida, emitindo moeda para sustentar empreendimentos como esse, é muito difícil fazer com que as pessoas compreendam a relação dessa situação com as grandes obras. E Belo Monte é mais um instrumento disso. Eu não sou catastrofista, não tenho a percepção maléfica da hidroeletricidade. Não demonizo a hidroeletricidade. Eu apenas constato que, da forma como ela é concebida, particularmente no nosso país nos últimos anos, é uma das bases da injustiça social e da degradação ambiental. Se não é pensando em você, você necessariamente vai precisar pensar nas gerações futuras. Este é o recado para o leitor: é preciso repensar a relação com a energia e o modelo de desenvolvimento, é preciso mudar o nosso perfil industrial e também é preciso mudar a cultura das pessoas com relação aos hábitos de consumo. Nós precisamos mudar a relação que nos leva a uma cega exaustão de recursos.

Em Brasília há um vírus letal que se chama ‘Brasilite’. É um verme que entra pelo umbigo e faz com que a pessoa se ache o centro do universo"
Célio Bermann
- O senhor acha que a Dilma tem essa obstinação com Belo Monte, em parte, por teimosia?

Bermann -
Ela é muito cabeça dura.

- Às vezes eu acho que as questões subjetivas têm um peso maior do que a gente costuma dar. Não sei...
Bermann -
É, mas eu também não sei, não tenho nenhuma proximidade maior com o que ela está pensando agora. O que eu sei é que, no dia a dia, lá no ministério, ela demonstrava uma capacidade muito reduzida de ouvir. Ela pode até ouvir, mas as coisas na cabeça dela já estão postas.

- Por que o senhor saiu do governo em 2004?

Bermann -
Porque venceu o contrato, e eu achei que não valia a pena continuar. Há conhecidos meus que foram na mesma época que eu e estão até hoje em Brasília. Não estão mais no ministério, mas estão em Brasília. Acho que Brasília é uma cidade com um vírus letal, que é a "Brasilite". A "Brasilite" se compõe de um verme que entra no umbigo e toma a barriga da pessoa de forma a ela achar que é o centro do universo. A partir daí, mudam as relações pessoais, o que a pessoa era e o que ela passa a ser. Eu mesmo perdi muitos amigos que começaram a empinar o queixo. Fazer o quê? E isso faz parte do “modus vivendi” brasiliense. Basta você ter um terno e uma gravata que você é doutor. Eu acho que a gente não vai muito longe alimentando isso.

- O senhor participou da elaboração do programa de Lula na campanha de 2002 e participou do primeiro ano de governo. Está desiludido?

Bermann –
Eu não aceito quando me definem como: "Ah, você também é daqueles que estão desiludidos, estão chateados...". Tem essa conotação, né? Em absoluto. Eu não estou desiludido, chateado, bronqueado. Eu estou indignado!

- Quando o senhor se desfiliou do PT?

Bermann –
Ah, quando o bigode do Sarney estava aparecendo muito nas fotos.
(Eliane Brum escreve às segundas-feiras)