Onde construíram o Banco do Brasil , ficava a casa de Tia Calu. Era lá onde passava minhas férias de julho e dezembro. Passava o resto do ano a sonhar com aqueles momentos. Tio Vicente era um homem íntegro, de postura séria e ao mesmo tempo, doce, simpático, fraterno. Enquanto a casas esteve lá, o via, no final da tarde, branco, sem camisa, calças folgadas, a observar o movimento da rua. D. Zelinda voltava da loja, Ditim fechava a farmácia, Ritinha, Teté, desciam da feira... Todos os primos e tios estavam na cidade e era lá o ponto de encontro. Ninguém se atrevia a vir a Oeiras e deixar de passar por lá. Eram os melhores dias da minha infância e adolescência. Criada distante, sonhava um dia fazer parte daquele contexto.
Mas não era ainda de mim que pretendia contar , e sim da lembrança que me ocorreu há pouco: o poço, a bomba e a caixa d’água da casa de Tia Calu. Todas as casas da cidade tinham seu poço, a bomba, a caixa e um serviçal que puxava água no final da tarde e pela manhã. Acordava com os passos de Seu Dito, no corredor que levava ao quintal e, através dele, à bomba. A água da caixa, cedinho, era sempre gelada. Preferia o banho à tarde, quando a água já estava morna, depois de um dia de sol quente. Da cozinha ficava a escutar os movimentos da manivela, o sim da água a cair em jorros, no inicio percebia a queda do jorro d’água pouca, subindo aos poucos, a cada braçada, até vazar pelo ladrão. O cano que ficava no topo, mostrava que a caixa estava cheia. Seu Dito gostava de dar umas bombadas a mais para deixar “esborrar”. E ele bombeava e olhava para o cano, no alto, e gostava de ver a água escapar, em pedaços. A expressão de sua face me parecia um riso aliviado. Como se aqueles pedaços d’água saíssem de seus olhos. Gotas de lágrimas a limpar as dores da solidão.
Talvez seja assim com a gente.
Às vezes as dores doem tanto, como aquelas bombeadas, no peito...