terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Apenas uma pintura no chão




CRIATIVIDADE E MEDITAÇÃO

Meditação e Criatividade levam ao mesmo destino: tornam o homem livre do medo.

Na Índia ouvi muitas vezes dizer que, dentre os ocidentais, os artistas foram os que mais se aproximaram da experiência meditativa. O exercício da criatividade e da sensibilidade foram os responsáveis por essa proximidade. Talvez, para nós nascidos à oeste da Arábia, a arte seja o caminho mais natural para os reinos da sutileza além de, certamente, ser um dos mais libertadores.

A experiência meditativa e o momento de inspiração e criação do artista estão extremamente próximos, porém, há diferenças. Essenciais. Muitos dos mais influentes artistas tiveram o ápice de sua criatividade aliados à evolução de sua loucura e de suas alucinações. Já a meditação, ao contrário, tem ajudado a muitos a saírem do estado de demência e não costuma levar a ele. As duas exploram o mesmo território, mas na meditação você costuma voltar inteiro dessa viagem.

O poeta pode criar poesias extraordinárias sem necessariamente se transformar como pessoa e sem abrir mão de seus velhos condicionamentos ou de hábitos mesquinhos. O pintor pode pintar suas obras-primas enquanto cultiva sua loucura. O meditante experimenta o jorro da criatividade aliada à lucidez e à clareza de percepção.

Enquanto a arte muitas vezes abre as portas do inconsciente sem fornecer o fio de Ariadne, fazendo com que artistas como Borges, Artaud, Nijinsly e Van Gogh, entre outros, se percam nos infindáveis labirintos da subjetividade, a meditação organiza psique da pessoa, revelando a ela uma bússola interna, um sentido de orientação, um sentimento do seu propósito original, que a permite mergulhar no oceano do universo interior sem se tornar escrava de conteúdos não estruturados do inconsciente. Ela mergulha no inconsciente para se libertar e nunca para se escravizar.

Um artista que experimente as meditações da criatividade, não só estará mais próximo da fonte criativa e com mais recursos para sua obra artística, como exercerá o ato criador com sanidade

A criatividade e a percepção artística se manifestam no hemisfério direito de nossos cérebros, enquanto a linguagem verbal é regida pelo esquerdo. Como vivemos numa sociedade onde a mente e a linguagem verbal são sobre-valorizadas, o lado esquerdo de nossos cérebros costuma ser dominante em detrimento do direito, que não se desenvolve como deveria e não contribui com todo o seu potencial para o nosso melhor viver.

Assim como nossa cabeça, o planeta também tem dois hemisférios: o oriental e o ocidental. O oriental se parece com o hemisfério direito do cérebro, procurando ver as coisas de uma maneira global e holística. O ocidental se identifica com a maneira de ver do lado esquerdo do cérebro, que costuma substituir a experiência direta pelos clichês da linguagem, tentando analisar intelectualmente a experiência. Quando pintamos, dançamos ou desenvolvemos a criatividade por alguma outra forma de expressão artística, ativamos a polaridade direita do cérebro, equilibrando nossa tendência racional com o uso da inteligência intuitiva.

Há pessoas que acham não ter talento artístico, ou que a meditação é uma arte exclusiva de seres superiores. Isso acontece porque elas não tiveram acesso ao seu lado direito do cérebro e não abriram seu portal da criatividade. Todos o temos mais próximos de nós do que imaginamos. As meditações aliadas aos métodos de desenvolvimento do potencial criativo do hemisfério direito do cérebro proporcionam o contato com essas aptidões em tempo surpreendentemente rápido. A prática mostra que o desenvolvimento do hemisfério direito do cérebro pela meditação evidencia que qualquer pessoa normal possui e pode desenvolver seus talentos artísticos. Em proporções inimagináveis anteriormente.

A meditação, num primeiro momento, desloca o centro da percepção e da elaboração da realidade para o lado direito do cérebro, deixando-nos imediatamente mais intuitivos e emotivos. Com a continuação do processo meditativo, integramos os dois hemisférios, e a nossa palavra passa a exprimir nossos sentimentos mais genuínos, deixando de ser uma barreira protetora de nossas emoções.

Os métodos de meditação ligados à arte nos levam perceber o mundo com a visão diferenciada do artista. Aliando arte à meditação, criamos uma situação utópica, onde estimulamos a pessoa a desenvolver seus potenciais adormecidos e ao mesmo tempo aprimorar a percepção, levando-o a enxergar o que há de extraordinário em cada momento da vida.

As meditações ligadas ao teatro ajudam a despirmo-nos de nossos personagens habituais, descobrindo a nossa própria linguagem. As de música proporcionam o encontro da ressonância interior e do silêncio, o pai de todas as criações. As de dança permitem uma sincronia com o pulsar interno. As de pintura revelam imagens internas, proporcionando um entendimento mais profundo das dinâmicas de nossa subjetividade. Todas elas levam ao “ponto zero”, expandindo a sensibilidade e a inspiração de forma progressiva, desenvolvendo a intuição e a originalidade.

As meditações ligadas à arte mostram ainda que a meditação não acontece apenas quando você está sentado numa posição estática. Elas evidenciam que meditar é celebrar a vida sem a interferência da mente e que você pode vivenciar isso em atividades dinâmicas.

Os exercícios de criatividade aliados às técnicas de meditação tornam o caminho mais fácil e estimulante, neles você pode experimentar um estado de vacuidade mental e o contato direto com a inteligência criativa. Nesse momento, um novo tipo de presença se instala em você. As meditações criativas o tornam progressivamente mais lúcido e capaz de lidar com os desafios do dia-a-dia, a criatividade vira sinônimo de consciência e liberdade, tornando-se o ingresso natural para o estado de meditação.

Pedro Tornaghi

Artigo do site www.pedrotornaghi.com.br

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Brasil reinventa o totalitarismo – a nova máquina policial


“Estamos dentro de uma espiral de violência e repressão policial que ultrapassa a média histórica, já extremamente alta, que caracterizou sempre a história de um país elitista e discriminador.”

Bajonas Teixeira de Brito Junior*
Há muitos sintomas que hoje indicam a eclosão de uma forma peculiar de totalitarismo no Brasil. Thomas Mann, exilado durante a maior parte do tempo que durou o Terceiro Reich, definiu a Alemanha do período como o “bem que infeccionou”.  O bem, porque o alemão era tradicionalmente conhecido por seu senso de ordem, disciplina, dedicação ao trabalho e obediência às leis. O agigantamento de alguns poucos sentimentos alemães (o anti-semitismo, o nacionalismo, a necessidade de obediência e hierarquia, o revanchismo, o misticismo) levaram à catástrofe. No Brasil de hoje, ainda temos que descobrir o que está por trás dos traços totalitários que se avolumam.
Observamos esses traços se ramificarem em diversas direções: nas alterações (sempre para cima) dos contratos bilionários das empreiteiras; nas concessões inconstitucionais para as obras da Copa e outros megaeventos esportivos — que, como tem enfatizado o professor Carlos Vainer, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano da UFRJ, assumem a forma de um efetivo Estado de Exceção, com as garantias constitucionais anuladas em benefício da especulação imobiliária e outros grandes interesses econômicos; o mesmo aparece nos projetos colossais, como o do Plano Nacional de Banda Larga, em que salta aos olhos o modo com que, como faca quente sobre a manteiga, os “parceiros” do governo federal infringem ou denunciam os acordos no mesmo dia em que os firmam e obtém os privilégios que Estado algum concederia.
Por fim, o que provoca estremecimento e pavor, temos as operações policiais destinadas aos pobres e aos movimentos sociais, cada vez mais aparatosas em que se pode admirar a pujança do aparelhamento da repressão: helicópteros blindados em sobrevôo rasante, enormes carros blindados, viaturas novinhas em folha, armaduras articuladas com proteção amortecedora e design futurista, semelhantes às dos soldados americanos no Iraque, veículos especiais para transporte rápido de grande quantidade de cavalos, utilização da cavalaria como técnica de cerco e perseguição, etc.
Uma atenção especial merece esse último aspecto, a força repressiva, em vista da escalada da violência policial que se cristalizou em diversos acontecimentos repulsivos nos últimos tempos. Para entender suas causas é preciso, primeiro, mostrar os fatos que se acumulam e, em seguida, buscar as raízes do presente surto de totalitarismo no país. Citamos alguns dos fatos marcantes:
1. 02 junho de 2011. Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Durante uma manifestação contra as altas tarifas dos ônibus e melhoria do transporte público, a tropa de choque local atua com grande violência contra estudantes universitários e secundaristas. O vídeo no You Tube pode ser visto aqui.

E reproduzo parcialmente o pequeno, mas preciso, relato que acompanha o vídeo:
“Durante manifestação pacífica, o BME-ES (Batalhão de Missões Especiais do Espírito Santo [...] ) age com bombas, tiros de balas de borracha (muitos à queima-roupa), spray de pimenta e tapas/pontapés contra manifestantes desarmados (em sua maioria estudantes).
Detalhe 1: a tropa atira nos manifestantes antes de qualquer iniciativa de confronto por parte deles, apontando para dentro da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), ferindo gente desde o pescoço (!) até o pé, inclusive acertando pessoas que não estavam na manifestação.
Detalhe 2: A tropa age sob ordem do governador Renato Casagrande, que havia baixado nota dizendo que abria mesa para diálogo com os manifestantes, mas não atenderia a nenhuma das reivindicações (no entender da autoridade facista, isso é abertura para diálogo).”
2. 21 de Outubro de 2011. Durante a greve de professores e estudantes da Universidade Federal de Rondônia (Unir) — contra a administração corrupta do reitor Januário Amaral, que se viu ao fim obrigado a renunciar e é hoje acusado pelo promotor do Ministério Público Estadual de Rondônia (MPRO) Pedro Abi-Eçad de ter liderado uma organização criminosa dentro da universidade — a Polícia Federal (PF) efetuou a prisão, não do reitor, mas de um professor presente nos protestos, o professor e doutor em história Valdir Aparecido de Souza. É interessante observar a perfeita calma e autocontrole do professor, característica da coragem sem arrogância, em contraste com a histeria dos policiais federais, que chegam a mostrar uma arma no momento da prisão arbitrária do docente. Parecem duas vertentes da humanidade, entre as quais não há ponte possível. O vídeo não deixa dúvidas.




3. 08 de novembro de 2011. A desocupação da USP. Um policial aponta a arma para o rosto de uma aluna. Cavalaria, tropa de choque, alarido de sirenes, explosões, bombas de gás lacrimogêneo, helicópteros voando próximos ao prédio. A moradia estudantil (CRUSP) fica sitiada por grande contingente policial. Enfim, cenas de horror e desespero. O saldo de 73 estudantes presos.
4. 09 de janeiro de 2012. Um estudante negro na USP foi tratado com extrema violência por um policial militar, levou tapas, foi arremessado contra os móveis que estavam no caminho, humilhado de forma assombrosa por um agente público em serviço. Isso foi feito, sem o menor escrúpulo e sem qualquer hesitação, diante de câmeras.

Fica-se a imaginar o que acontece longe das câmeras.
5. 03 de janeiro de 2012. Longe das câmeras, acorrem as abordagens sempre cruéis e marcadas pela brutalidade. Um doutorando em Filosofia, em Barão Geraldo, Campinas, se atreveu a questionar a forma de tratamento dada por policiais aos jovens pobres e negros da localidade. Recebeu uma série de ameaças e teve que enfrentar vários constrangimentos, inclusive desfile de viaturas na sua porta. Não se intimidou e, num segundo questionamento das abordagens policiais, foi preso por “desacato”. Ele fez então, por temer represálias ainda mais graves, o relato dos fatos que foi publicado no site do Yahoo, na coluna de Walter Hupsel.
6. 05 de janeiro de 2012. Com os métodos truculentos que se tornaram a rotina da atividade policial nas ruas, se procede à “limpeza” da região da Cracolândia em São Paulo. O pretexto é o revigoramento do Centro. O motivo real, apontado por todos os movimentos sociais, é a simbiose de interesses políticos e especulação imobiliária. Na desocupação de Cracolândia, não só se desconsiderou qualquer ação para amenizar a síndrome de abstinência dos dependentes químicos, mas se explicitou o que está no íntimo do tratamento brutal oferecido pela polícia, e a política, aos miseráveis da sociedade brasileira: a Prefeitura de São Paulo declarou que sua estratégia se baseava em “dor e sofrimento” para atingir os seus objetivos. Veja-se a matéria do Estadão: SP usa ‘dor e sofrimento’ para acabar com cracolândia.
7. 22 de janeiro de 2012. Desocupação de Pinheirinho em São José dos Campos (SP). Reproduzo o texto de Raquel Rolnik que, junto com Walter Hupsel, tem sido uma das poucas vozes indignadas com a escalada policial:  “Milhares de homens, mulheres, crianças e idosos moradores da ocupação Pinheirinho são surpreendidos por um cerco formado por helicópteros, carros blindados e mais de 1.800 homens armados da Polícia Militar. Além de terem sido interditadas as saídas da ocupação, foram cortados água, luz e telefone, e a ordem era que famílias se recolhessem para dar início ao processo de retirada. Determinados a resistir — já que a reintegração de posse havia sido suspensa na sexta feira  – os moradores não aceitaram o comando, dando início a uma situação  dramaticamente violenta que se prolongou durante todo o dia e que teve como resultado famílias desabrigadas, pessoas feridas, detenções e rumores, inclusive, sobre a existência de mortos.”
Os fatos listados deixam pouca margem a dúvidas. Sua concentração em janeiro de 2012, é sintomática. Estamos dentro de uma espiral de violência e repressão policial que ultrapassa a média histórica, já extremamente alta, que caracterizou sempre a história de um país elitista e discriminador.  Um tripé repressivo, que envolve o judiciário, a polícia e a política, manipulando uma consciência pública cada vez mais debilitada, em que os próprios intelectuais praticamente se recolheram ao mais absoluto mutismo, salvo raríssimas exceções, está bem montado e, tudo indica, atuará daqui para frente sempre com maior ferocidade.  Estamos já muito além de acontecimentos episódicos e passageiros. Há por trás de tudo isso um comércio de armamento, viaturas, blindados, helicópteros, munições, armas, etc. O Rio de Janeiro já é palco de uma das maiores feiras mundiais, a Feira Internacional de Segurança, para a aquisição de armamentos destinados à repressão pública.
O que já está em prática é um projeto, que foi articulado pelo então ministro da defesa, Nelson Jobim, que evocou à época a “expertise” adquirida pelo exército em conflitos urbanos na missão do Haiti, e cujos aspectos mais perturbadores tentamos apresentar num artigo publicado aqui nesse site em 2008 — Nelson Jobim e o projeto de super polícia. Uma conclusão que se pode tirar nessa altura é a seguinte: se um ministro da defesa é quem articula um projeto policial, em que o exército, a marinha e aeronáutica são peças decisivas, então o inimigo contra o qual o país pretende se defender é um inimigo interno. Ao longo da história, nos regimes totalitários, o ponto crucial foi sempre o domínio sob o aparato policial visando a liquidação do “inimigo interno”.
O que não é fácil de compreender é como, no governo de um partido que sempre se disse comprometido com as causas populares, foi chocado o ovo da serpente. Enquanto há pouco mais de uma década discutia-se ainda o absurdo da existência de duas polícias, a militar e a civil, e se falava na extinção de uma delas para a consolidação do sistema democrático, o que acompanhamos nos últimos tempos foi o reforço de toda a maquinaria policial: o uso da Polícia Federal contra mobilizações sociais (como no caso da Unir, citado acima), a criação da Força Nacional de Segurança Pública, a mobilização das Forças Armadas para operações em favelas, o fortalecimento da divisão da polícia em Civil e Militar, a quase que autonomia dos batalhões especiais, como o Bope.
Surtos de totalitarismo se deram em muitas partes do mundo. Hannah Arendt e Herbert Marcuse, para citar um caso, apontaram diversos  desses sintomas nos EUA nas décadas posteriores à Segunda Guerra. Pode-se dizer que desde a chamada guerra ao terror esses traços não só retornaram como se revestiram de evidência muito maior.  No cenário da crise econômica iniciada em 2008, originada de acordo com vários economistas pelos gastos astronômicos da guerra no Iraque e no Afeganistão, o combate ao terror teve sua prioridade rebaixada. Já o Brasil, nesse mesmo período, criou sua própria versão da guerra ao terror, na forma da guerra contra o tráfico. Para compreender seu sentido, é preciso dar uma passada de olhos sobre nossa história colonial e ver, como nela, se enraíza a figura do “inimigo interno”. Só assim compreenderemos como o nosso Ministério da Defesa pode, hoje, estar envolvido no combate dentro do front interno.
O inimigo a ser erradicado, desde os primórdios da colonização, tem sido entre nós principalmente o inimigo interno. Esse inimigo foi, primeiramente, desenhado pela pena da teologia dos padres como o portador por excelência do mal. Primeiros foram os indígenas, depois os escravos, quilombolas, negros livres e mestiços, e, atualmente, esses inimigos são os que se abrigam em favelas, ocupações e invasões. O historiador inglês Charles Boxer definiu o princípio fundamental da colonização portuguesa nos termos seguintes: “Salvar suas as almas imortais associado com o anseio de escravizar os seus corpos vis”. Trata-se de uma troca metafísica, em que os padres e a Igreja Católica representam a salvação, impondo o cristianismo aonde chegavam e, como complemento inseparável, os traficantes escravistas, os bandeirantes, os capitães-do-mato e as forças policiais, garantiam a subjugação.
Ser escravo era o preço pago por ser cristianizado e adquirir uma alma imortal. O Brasil, ou aquilo que veio a ser chamado Brasil, era visto como um paraíso terreno (o que, na perspectiva portuguesa, significava um campo aberto à exploração extrativa indefinida) habitado, porém, por demônios que deviam ser redimidos ao mesmo tempo pela cruz e pela espada. Um dos melhores exemplos dessa parceria é a do major Vidigal, chefe de polícia no Rio de Janeiro na época em que a Corte esteve no Brasil. Além de reprimir barbaramente qualquer rebeldia negra na cidade, Vidigal destruía os quilombos próximos e, em troca, recebia presentes e homenagens.
Como é bem conhecido, os monges beneditinos o presentearam com uma grande área no Morro Dois Irmãos, em 1820, por serviços prestados. Que interesses teriam os beneditinos?  Um viajante, poucas décadas antes, anotou que eles possuíam 1,2 mil escravos, que usavam na exploração de quatro enormes engenhos de açúcar. Assim, o major Vidigal, na sua época, foi uma engrenagem fundamental para assegurar os bens da ordem. Isto talvez já estivesse esquecido, ou enterrado sob grossa crosta de dissimulação histórica, não fosse um detalhe irônico: o terreno doado a Vidigal foi ocupado posteriormente por Sem Tetos, e recebeu o nome de Favela do Vidigal.
O Brasil foi dominado por quatro séculos por traficantes. As maiores fortunas nesses 400 anos de escravidão eram as dos traficantes de escravos e, abaixo deles, a dos exploradores de mão de obra escrava nas monoculturas, como os beneditinos (ver o livro de João Luis Ribeiro Fragoso, Homens de grossa aventura). Mas esses traficantes, motores de uma trama genocida que trucidou mais de 10 milhões de escravos, só na América, nunca foram punidos. Ao contrário. Foram presenteados com títulos de nobreza, premiados, promovidos, honrados e festejados. Como paradoxo histórico bem característico do Brasil, deparamos hoje com uma guerra aberta contra os descendentes das vítimas da escravização. E essa guerra foi chamada de guerra contra o tráfico.
A nossa guerra contra o tráfico segue o modelo colonial da guerra ao inimigo interno. Em todas as justificativas dos atos violentos praticados pelas forças policiais, se repete o mesmo relatório: “foram encontradas tais e tais armas e munições; tantos e tantos quilos de cocaína; presos diversos evadidos do sistema prisional, etc.”. A lógica permanece, sem tirar nem pôr, a lógica da colonização sendo os lugares atacados os que abrigam os maiores contingentes de herdeiros do pesadelo escravista, isto é, o maior contingente de negros e mestiços. Por isso é engraçado ler coisas como essa:
“O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) disse nesta segunda-feira que a Policia Militar transformou em “praça de guerra” a ação de reintegração de posse da área invadida do Pinheirinho, em São José dos Campos (97 km de São Paulo), determinada pela Justiça estadual.” Folha.com: Ministro chama de “praça de guerra” episódio em Pinheirinho.
Mas como é possível tanto cinismo, se os instrumentos dessa guerra foram criados por esse governo e por sua base política?
Enquanto isso os grandes interesses, os negócios gigantescos, predatórios para o Estado, mas indispensáveis para a política, têm seus contratos bilionários sempre reajustados para cima, recebem todo tipo de incentivo, e se esquivam a toda responsabilidade. Compara-se isso com a explosão dos trabalhadores dos canteiros de obras de Jirau, que forma um afresco histórico dos mais claros sobre o Brasil de hoje. Milhares de trabalhadores em condições miseráveis de trabalho aguardam providência de um Estado que não passa de um simulacro de garantidor do interesse público. Em 2009, 38 trabalhadores foram libertados de condições de trabalho análogo à escravidão; em 2010, já foram 330 os autos de infração por crimes trabalhistas e em 2011, no mês de abril, depois de compreenderem que nenhum apoio viria do governo federal, os trabalhadores cederam ao desespero e promoveram uma explosão de fúria. Só então o Estado se fez presente: a Força de Segurança Nacional, veloz como um raio, apareceu e tocou para longe os trabalhadores, demitidos e expulsos da área. Nenhuma reparação lhes foi dada ou prometida. Agora, surge o conflito entre as empreiteiras e as seguradoras para o pagamento dos prejuízos e, como era de se esperar, o BNDES já entrou na discussão. E a discussão diz respeito ao pagamento, ao consórcio construtor, de uma soma que pode chegar a US$ 1,3 bilhão. Indenização alguma cabe aos trabalhadores tratados como bestas de carga.
É interessante notar que, ao que parece, todas aquelas operações grandiosas da polícia federal contra os muito ricos (como a Operação Satiagraha), não deram em nada. Ou entraram no processador lento dos tribunais, na caverna obscura na qual muitos processos entram, porém, raros saem. Serviram só para proibir as “humilhações” e “exposições” a que antes eram sujeitos banqueiros ou especuladores: fim das algemas, imposição do segredo de justiça, etc. Por outro lado, na esfera dos conflitos sociais normais em toda sociedade democrática, a polícia das balas de borracha, dos gases de pimenta e lacrimogêneo, das pancadas e humilhações, das mortes que no meio do tumulto nunca são responsabilidade dos agentes públicos, avançam sobre um território novo e inexplorado: o público universitário.
Ao mesmo tempo em que se reforça sobre as periferias, favelas e ocupações, em que intimida e maltrata mais os negros e mestiços do que nunca, a polícia começa a sentir o gostinho de estender a mão também a um público mais seleto, carne nova, de classe média, que, até pouco tempo, não fazia parte do seu cardápio habitual: alunos do ensino secundário, estudantes de universidades federais, doutorandos, professores doutores.
Como foi possível ao PT criar esse aparelho repressivo? Foi possível porque para os intelectuais, políticos e setores religiosos que formam o partido, a grande referência permanece a Europa e a sua brancura mítica. Ao pensar em refazer as estruturas sociais do país, em desenvolvimento e modernização, o inconsciente do PT almeja por algo parecido com o que considera o Bem, isto é, algo semelhante a um país europeu e uma população branca. Nessa lógica, as massas de negros, mulatos, mestiços, e também índios, não esqueçamos deles — todas essas faces estranhas e inquietantes para quem só vê beleza em corpos brancos — aparecem como um estorvo estético, um desvio moral e um sinal da vocação para o crime.  As classes dominantes delinqüentes sempre fizeram assim: transferiram a sua própria carga criminosa para seus subordinados sociais.
O que fazer com eles?  O PT pôs em prática a mesma teologia e a mesma interação de público e privado da nossa história colonial. Os brancos, e quanto mais brancos melhor, os donos de empreiteiras, bancos, latifundiários, especuladores, etc., afiguram o Bem. A ‘plebe’ descendente da escravidão, surge como a raiz de todo Mal. Esse mal, o pior mal, o mais concentrado, foi fixado na figura do traficante — síntese e prova do mal que se engendra nas favelas. Os pobres, em sua grande maioria negros e mestiços, os índios,  devem ser salvos pelo Bem, mas por essa salvação têm que pagar um preço muito alto.  Esse preço é hoje, não mais a cristianização meramente cosmética, mas a submissão à ordem pela violência, como se, em sua essência, esses setores constituíssem focos de infecção social. As UPPs, em cujo projeto inicial se incluía muros e guaritas em torno das favelas (Ver o nosso artigo publicado aqui no site: A Alpha Ville das Comunidades – a Alpha Vella) mostram claramente isso.  Repetem os aldeamentos e missões, em que os índios eram totalmente extraídos de sua cultura original e submetidos a mais rígida ordem sob a vigilância cruel dos monges.
O que o PT parece perder de vista é que, como sempre acontece na história com os partidos fracos, gelatinosos, dispostos a todas as concessões e vilanias, a sua política policial se voltará, mais cedo ou mais tarde, contra ele mesmo. E isso pode acontecer logo que, despido de sua auréola e credibilidade, por força da violência que criou e tem gerido, deixe de ser um instrumento útil nas garras da fauna de bilionários que hoje se alimenta do Estado.  Nesse momento, o criador será entregue como repasto para sua criatura.
PS: Tenho muita simpatia pelos meus colegas que se dedicam aos estudos pós-coloniais, especialmente pela seriedade de seus trabalhos acadêmicos e pelo seu engajamento crítico, mas, não obstante isso, para o caso brasileiro, não posso deixar de alimentar sérias dúvidas. Em que sentido o Brasil se mostra como uma sociedade pós-colonial? O que caracteriza a nossa história são as mudanças sem rupturas, as transições transacionadas. Assim, falar em “pós” pressupõe um corte efetivo, coisa que nunca ocorreu em nossa história marcada pela ambivalência. Parece-me muito mais explicativa a idéia de neo-escravismo, sublinhando a velha continuidade da corrupção, da violência contra os cativos, dos privilégios escancarados para as elites.

*Doutor em Filosofia, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas. Foi duas vezes premiado pelo Ministério da Cultura por seus ensaios sobre o pensamento social e cultura no Brasil. É coordenador da revista eletrônica, Revista Humanas , órgão de divulgação científica da Cátedra Unesco de Multilinguismo Digital (Unicamp) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Ufes

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Quinta-feira com música instrumental


Banda Nou Jazz apresenta ao público versões instrumentais de canções de Djavan à Stevie Wonder


A noite desta quinta-feira, 26, vai contar com o som da banda Nou Jazz, que toca versões instrumentais de canções popularmente conhecidas.
No lugar de um vocalista, o saxofone de Artur Pontes canta canções de Djavan, Tom Jobin, Chico Buarque, João Bosco e outros artistas consagrados. O grupo também apresenta músicas internacionais de Stevie Wonder, Dire Straits, Herbie Hancock, Sade e Chick Corea.
Nou Jazz é formada pelos músicos Artur Pontes (sax), João Rafael (violão e guitarra), Heleno Silva (bateria) e João Victor Borges (teclado).
O show vai acontecer a partir das 20h, na petiscaria Sou Jorge, localizado no bairro maceioense Stella Maris. Nou Jazz também se apresentará sábado, 28, no restaurante Trilha do Mar, em Garça-Torta.


SERVIÇO:
Show da Banda Nou Jazz
Onde? -Petiscaria Sou Jorge, Stella Maris, Maceió-AL
Quando?-Quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
Horário?-20h
Couvert Artístico?- R$5,00
Realização:- Projeto Nou Jazz
Outras informações: (82) 9638-9200 / (82) 3324-1979 – Artur
                                www.myspace.com/bandanoujazz


Por Lara Tapety – Jornalista (SRTE/AL nº1340)
Assessoria de impressa – Projeto Nou Jazz
(82) 9672-8660 / (82) 8874-0485 / (11) 5773-5441

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

"Elegia"

Adriano Nunes
Não posso mergulhar as horas
No vinagre do esquecimento,
Aceitar o mofo de tudo
Sobre os sonhos, sobre a alegria.
Existir não é mero anexo,
Fotografia, folha solta
Do caderno de desenganos.
Conto até dez e nada muda...

Os meus vizinhos desvencilham-se
Do silêncio sufocante, enquanto
Sopesam mágoas no varal.
Acordei? Por que estou tão triste?
Acordei? Tens certeza? Tens
À vista o horizonte de cinzas
Para ofertar-me, desde o tédio?
Há muito o meu coração quer

Outro labirinto, quer dar
O tiro de misericórdia
Nas esperanças, as pequenas
Esperanças, os tais carrascos
Da humanidade. Que virá
Agora, à socapa, tal luz,
Para elevar o dia à vida?
Esqueço-me... Medusa ainda

É bela, causa inveja, flerta
Sem receio, sem ter qualquer meio
De transformar-te numa estátua
De mármore. Busca teu passo
Adiante, segue o trajeto
Traçado pelo olho do instante,
Tudo pode dar mesmo certo.
Acordei? Manterás a lâmpada

Acesa? A pulsação mínima
Do corpo, que mais sinaliza?
Estou triste... E o desassossego
De ser quem me sinto, esfacela-me.
Estou triste... Triste, Tão triste!
Baco quando vem? E os mil mortos,
As cartas todas, os poemas,
Os planos, a tez do infinito?

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Pesquisadores alertam sobre o efeito conjunto de distúrbios sobre a floresta amazônica


19/01/2012   -   Autor: Fernanda B. Müller   -   Fonte: Instituto CarbonoBrasil/Agências Internacionais



Um grupo internacional de pesquisadores publicou na última edição da revista Nature uma avaliação de 100 estudos e concluíram que a Amazônia pode resistir a distúrbios individuais, porém em conjunto a resiliência da floresta pode não ser suficiente.

“Estudos recentes demonstraram uma resiliência considerável das florestas Amazônicas a secas anuais moderadas, porém também revelaram que interações entre desmatamento, incêndios e seca potencialmente levam a perdas no estoque de carbono e mudanças nos padrões regionais de precipitação e descarga dos rios”, alertam os cientistas.

Apesar da variabilidade natural dos ciclos hidrológicos e biogeoquímicos ainda serem predominantes, alguns sintomas da transição para um “regime dominado por distúrbios” já podem ser percebidos na parte sul e leste da bacia amazônica, como mudanças nos ciclos de energia e hídrico, comentam.
Os autores ressaltam que os atuais planos de desenvolvimento aumentarão muito o risco de desmatamento e fragmentação ao longo de grande parte da Amazônica, além disso, novas barragens podem afetar a descarga dos rios que já sofrem com as secas.

Eles concluem que para encarar o desafio será preciso melhorias contínuas no lado científico e tecnológico, além de recursos humanos, visando guiar e gerenciar estas transições biofísicas e socioeconômicas.

Veja o resumo do artigo ou acesse o estudo completo na Revista Nature (exige assinatura)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

"O medo é que mantém a nossa sociedade sob controle"

Publicada em 19 de Abril de 2010 às 01h52 Versão para impressão

Foto: Arquivo Pessoal  Josevita Tapety
REFLEXÕES SOBRE O MOVIMENTO CULTURAL EM OEIRAS


Com projetos em várias partes do Brasil e em países como a Eslovênia, a arquiteta, Urbanista e produtora cultural Josevita Tapety deu um incentivo muito grande ao trabalho de muitos artistas, sobretudo os músicos, ao criar o Espaço Arte e a Casa dos Músicos, um espaço onde eram ensinada técnicas musicais e onde cantores podiam realizar ensaios e aperfeiçoar seu trabalho.

A casa localizada na Praça das Vitórias fechou suas portas recentemente. Mas Josevita Tapety continua com o seu trabalho, visando enriquecer e fortalecer a cultura oeirense.

Confira a entrevista realizada com este grande nome da cena cultural oeirense.




Mural da Vila - O que é espaço arte?

Josevita Tapety - É o encontro de artistas. Espaço, então, não é um lugar físico. É uma força. Essa força se revela com o potencial criativo, a coragem, a motivação e a necessidade de se expressar que há em gente criativa. Qualquer pessoa é criativa. Tem apenas que libertar o potencial e se permitir. Espaços Arte existem em todo lugar. Eu mesma já pude participar de três. Um na Eslovênia, e dois aqui no Brasil. Tenho tido experiências maravilhosas.

MV - Por que essa dedicação à arte? De onde vem?

Josevita- Sinto o potencial das pessoas e desejo vê-los libertos. Expresso, esse potencial se transforma em arte completa. E aí a gente tem que considerar o conceito de que toda obra de arte só se completa quando é compartilhada. E de que cada obra de arte só se sublima quando as pessoas a recebem e apreendem. Cada vez que se permite que a arte se expresse, como por mágica ou força natural, contagia e se expande.
Em Maceió trabalhamos o espaço arte que se Chamou Café Concerto. Foi apreendido e se desenvolveu em vários lugares. Continua crescendo. Em Recife, a cidade inteira pulsa. Olinda também. Em Pernambuco, os Espaços Arte surgiram em várias formas. Tive a oportunidade de participar de muita coisa. Pude compartilhar arte com muita gente especial desde criança: Balé Popular do Recife, Escola de Frevo com Antonio Nóbrega, teatro com José Pimentel , história do teatro com Ariano Suassuna, canto coral com o Madrigal de Recife, piano no Conservatório Pernambucano, pintura e desenho artístico no Liceu Pernambucano, obras participando no Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco e Museu do Estado de Pernambuco, patrimônio arquitetônico José Luiz da Mota Menezes e Geraldo Souza, arquitetura com Janete Costa...Essas oportunidades que a existência me proporcionou foram dádivas imensas. Agradeço todos os dias a Deus pelas oportunidades que Ele tem me proporcionado.
Em Oeiras, sei que a semente plantada está germinando. Em breve os estímulos se revelarão. O potencial criativo é imenso. Especialmente intenso em literatura e música, as mentes brilhantes tem-se formado e informado apesar da inércia geral, provavelmente forçada pelo poder por causa do medo da mudança.
Mas, como disse o poeta, o novo sempre vem. Apesar de sermos os mesmos e vivermos como nossos pais.
Novidade nenhuma! Todo potencial criativo é castrado pelo medo, pelo egoísmo, pelo egocentrismo. A qualquer momento as pessoas conscientes de seu potencial podem se libertar, produzir, e ter resultado de seu trabalho. Resultado financeiro, também.

MV - Falam muito da inveja que entrava o desenvolvimento de Oeiras...

Josevita - Não é inveja não! É medo! Insegurança. Tudo reflexo do medo. Isso tudo é imposto pela educação repressora, castradora, baseada em culpas e em nãos. Acredito que todos os artistas, músicos, poetas, literatos, professores que aproveitaram momentos de espaço criativo receberam – de uma forma ou de outra – o estímulo. Às vezes essas propostas demoram um tempo para maturar. É difícil mesmo sair da inércia quando algo, ou alguém, impulsiona para frente e todo o contexto social prende, amarra, acorrenta e escraviza. Não aceito inveja. É apenas medo. Por que é o medo que mantém a nossa sociedade sob controle. As pessoas NÃO pecam com medo de ir para o inferno. Não amam com medo de pecar. Não fazem com medo de ser reprimidos. Não participam por medo de ser criticados. Não se pronunciam com medo de serem perseguidos. Outros perseguem com medo de mostrar suas fraquezas. Não permitem que outros realizem com medo de deixar óbvia sua fragilidade e inconsistência.
Os que esperam o trem parar para saltar? Tiveram medo também. De se lançar. De bengala, tem-se que descer do trem parado ou se segurando em algo ou em alguém. Isso também é natural e compreensível. Mas isso também abre um espaço ao novo. É muito difícil mesmo aceitar as próprias fraquezas e dificuldades. E sempre que aparece alguém para mostrar alguma fragilidade, é natural que as defesas se armem. Também e de novo por medo.

MV - O que foi feito da Casa dos Músicos?

Josevita - Casa dos Músicos é o espaço de valorização do músico como profissional. Também não é um espaço físico específico. É Oeiras inteirinha. As pessoas se dispersaram e se expandiram. Os talentos continuam se desenvolvendo. Logo que iniciamos, conseguimos identificar e reunir mais de 100 talentos em atividade. Outros mais de 200 ainda adormecidos, porém conscientes. Selecionamos 150 jovens de mais de 200 inscritos num programa de iniciação musical (técnica), com orientação profissional. Jovens e adolescentes que desejam fazer música continuam receptivos e abertos ao aprendizado de música como forma de expressão. Conseguimos fazê-los despertar. Precisam agora de um tempo para descobrir o que vemos neles e, de certo, ainda não se deram a oportunidade de desenvolver. O que é necessário compreender é que, como toda forma de expressão e comunicação, precisa ser feita de forma profissional e certa. Questão de eficiência. Só assim se expande. Da mesma forma que em literatura se estudam os clássicos da literatura, de Camões a Eça, de Cecília Meireles a Drummond, a Torquato, é necessário se estudar de Bach, a Debussy, a Gil, Caetano e Elis Regina e Cássia Eller, Cazuza e Los Hermanos. Também música japonesa, européia, latina, e grandes talentos que tem tudo a ver com nossa herança cultural musical também na África, como Lokua Kanza, Eneida Marta, e outros muitos artistas brasileiros, norte americanos... Música indiana, chinesa, árabe, irlandesa ou alemã...
O universo de comunicação da música é o mundo inteiro e além das fronteiras terrenas. Provavelmente o verdadeiro esperanto.



MV – Você tem ensinado técnicas de criação e desenvolvimento de produtos a artesãos, jovens e adolescentes. Vê algum resultado desses 3 anos de trabalho?

Josevita- Sim! Resultado houve. Sinceramente, percebo o nível de receptividade ainda aquém do que eu acredito: o potencial criativo de todos que vieram ao nosso encontro. Tudo o que diz respeito à auto-estima exige um processo árduo de auto-conhecimento para se superar as barreiras, cortes e apenas a partir daí se promover a liberação do potencial criativo. Primeiro, acima de tudo, toda libertação tem que ser resultado de busca pessoal. O crescimento intelectual é produto de exercício mental. O crescimento emocional é produto de exercício do amor, do compartilhar. Isso está acima de qualquer posicionamento egocêntrico, ou vaidade, ou necessidade de superar o outro. As superações reais são pessoais e intransferíveis.
Nos nossos treinamentos, além de ensinar trabalho prático, empregamos técnicas voltadas ao auto - conhecimento. Dinâmicas de grupo para liberação do poder criativo: meditação , chi kung e feng shui auxiliam na liberação das tensões corporais que resultam de pressões e tensões emocionais. São métodos desenvolvidos especialmente para o homem contemporâneo. Aprendemos com mestres em terapia especializados em auto - conhecimento como força de cura. Enquanto artistas e terapeutas utilizamos essas técnicas nos treinamentos de arte e música.
O medo de mudança, de enfrentar o novo e se lançar além das fronteiras do Mocha e do Canindé, lançar-se além, é forte demais. Sempre que alguém se propõe a mudar, todas as forças estagnadas e repressoras reagem de uma forma intensa e, como os agentes de transformação são crias desse poder mantenedor, fica realmente muito difícil sair do marasmo. Fica difícil acreditar no próprio potencial. E tem um agravante exterior. A necessidade de manter o potencial criativo adormecido é a principal forma de manutenção do poder instituído. Tudo é coordenado e gerido de forma a se manter como está. Provavelmente essa gestão é mesmo inconsciente. Quando as barrigas estão cheinhas, as despensas, cofres e colchões abarrotados, fica mesmo difícil perceber que alguém ali na frente, uma pessoa pode não ter nada. Como perceber isso? A mente diz: minha necessidade está suprida. Sabe aquela coisa da pimenta no olho do outro? É por aí...No momento em que o poder inebria, tudo o que há em nível de consciência permanece entorpecido. Quem não tem nada, fica preso a pequenos valores, preso às necessidades mínimas de sobrevivência e não se permitem contemplar as grandes realizações de que são capazes. Quem tem tudo, não consegue perceber o tudo que falta para o outro. Está saciado. Mas o todo – a existência - percebe e se ressente. Compartilha e se espalha também isso mantém a estagnação geral. Hólos... O universo é o todo.
As pessoas vão reagir dentro de seu próprio tempo, respeitando os próprios limites.

MV- E o espaço arte foi pro espaço?

Josevita - (risos)  O espaço arte é o espaço. Saiu de uma casa e tomou o inconsciente coletivo. Não cabe mais em quadrado nenhum. Seremos felizes!



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Fonte: Da Redação  |  Edição: Lameck Valentim

Comentários (5)
  • rivonaldo pereira da silva(nadim), São Paulo-SP disse:
    Deixado em 26/09/2010 às 23h15
    Josevita,fico triste por essa cidade que nasci;sou Oeirense moro em são paulo a 20anos,sai dai todo esse tempo e todas as vezes que acesso so vejo isso.Hje tenho filha de 20anos terminando oensino superior,quem sabe essa geração como a minha filha pode dar valor a cultura.sorte.responda
  • Maria de Fátima Sá, Floriano-PI disse:
    Deixado em 20/04/2010 às 01h17
    Infelizmente Josevita é um dos muitos talentos que não têm o devido valor nessa nossa Oeiras. Seu trabalhao cultural e visto ppor todos aqueles que realmente entendem de cultura e lutam para que Oeiras continue a ser vista como a capital da cultura piauiense. Fico muito triste ao saber deste espaço que fechou, pois foi lá onde os nosso cantores aperfeiçoaram a sua técnica e passaram a cantar melhor a mais, passaram a se valorizar e alguns até a agir como profissionais.
    É uma pena que alguns destes vivem com o pires na mão à procura de uma gestora de cultura que nada faz para conseguir alguma apresentação e ainda ficar depois medingando para receber o seu cachê, como se a secretaria tivesse fazendo um favor. Tem uma cantora que está esperando o pagamento do seu cachê a 9 meses e um outro cantor em breve vai estar comemorando aniversário de um ano de uma divida que a secretaria de cultura tem com ele.
    Senhor prefeito, aproveite que já houve esta mudança na educação e mude também a cultura, pois senão, Oeiras vai virar motivo de chacota em todos os lugares. Quem está na cultura já mostrou que é incapaz de produzir, que nada entende de cultura. É só olharmos e ver que não há nada produzido em sua gestão até o momento. A única coisa que ela fez foi dar continuidade ao festival de cultura, e isso, ppor que é em parceria com o estado, no caso a FUNDAC. O que há feito por ela? Nada, pois ela não sabe o que é cultura.
  • Anthunes Silva, Oeiras-PI disse:
    Deixado em 19/04/2010 às 21h04
    Josevita, vc é mais um exemplo de pessoa que mostra ter e tem cultura, abraço
  • Maria Hosana, Oeiras-PI disse:
    Deixado em 19/04/2010 às 20h41
    Josevita, sou testemunha do seu esforço, sua dedicação e a vontade de ver a arte e cultura de Oeiras andar,mas como Oeiras é Oeiras, estou solidaria com você. abraços, hosana
  • olavo braz nunes, Teresina-PI disse:
    Deixado em 19/04/2010 às 09h07
    Prezada Josevita, você tem a minha solidariedade. Como poder apoiá-la, precisamos conversar. Mande-me o seu e-mail atualizado.


terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O papel da imprensa na construção de uma sociedade sustentável

Por José Paulo Grasso em 10/01/2012 na edição 676

O ano de 2011 terminou. Num breve balanço, a atuação da mídia derrubou em um ano seis ministros pelos mais variados escândalos, sendo que ninguém foi punido, outros ficaram em situação altamente constrangedora e, incrivelmente, não aconteceu rigorosamente nada. Num quadro desses, chegou a hora de discutirmos o importante papel dos meios de comunicação na construção de uma sociedade sustentável e socialmente justa.

Será que algum país no mundo tem vinte e sete partidos, recebendo generosos recursos públicos do Fundo Partidário? Se as ideologias desapareceram com a crise de 2007, quando passou a ser priorizada a tal de “qualidade de vida”, como se justifica a existência de tantos partidos, já que essas legendas são “supostamente” de aluguel e negociam descaradamente desde minutos no horário político até a governabilidade para quem der a melhor oferta cash, sem falar dos caixa dois?
A partir dessa constatação podemos entender por que a corrupção anual é estimada em cerca de R$ 80 bilhões. Com um botim desse tamanho e a impunidade reinante, num ambiente em que os valores e a ética são desprezados e a mídia surpreendentemente não cobra punições, não causa surpresa já termos mais 30 legendas em processo de organização. Nove delas já conseguiram se oficializar para entrar nessa “boquinha”, faltando apenas o registro nacional. No Facebook, por exemplo, quase todos têm postura de futuros candidatos. A realidade é essa e inexplicavelmente há uma apatia coletiva bovina com relação aos nossos direitos civis, quando, com a indignação atual, todos deveriam estar se unindo e lutando para reverter esta situação que acabará nos levando à uma falência vexatória.
O abismo social do neoliberalismo
Por que não discutir este problema, já que somos motivo de chacotas mundiais por permitirmos que nossos representantes eleitos “democraticamente” se associem para “supostamente” assaltar os cofres públicos conforme somos obrigados a constatar diariamente? Todos observaram que os ministros caíram e que não aconteceu nenhuma mudança para inibir os fatos que levaram a estas quedas. Que democracia é esta na qual a sociedade não participa ativamente e não há uma mídia consciente da importância de sua participação?
Algo precisa ser feito e a imprensa da área econômica não está interessada nisto. Renomada comentarista de economia começou recentemente sua coluna diária dizendo que nem mesmo a caudalosa cachoeira de sete quedas, se ainda existisse, seria capaz de lavar a corrupção no Brasil, quando na verdade a luz do sol é o maior detergente que existe para acabar com o malfeito e temos todo um arcabouço legal para colocar em prática uma transparência total das contas públicas que inibiria imediatamente tais práticas. Basta que a sociedade exija e dê suporte à presidente para executar uma faxina de verdade.
Além de escrever uma bobagem como esta, ainda deu provas do autoritarismo que permeia na área econômica ao, no dia seguinte, questionar como uma pessoa da importância que ela acha que tem, ao nível de um Gerdau ou de um Eike, ter que comparecer pessoalmente a uma repartição pública para receber as senhas pessoais e intransferíveis de sua certificação digital, exigida pela receita federal como os outros mortais comuns fazem.
Isto num ambiente mundial onde, inacreditavelmente, estudantes abandonaram as aulas do economista Greg Mankiw na conceituada Harvard University, protestando contra o fato de que “o curso propaga ideologia conservadora disfarçada de ciência econômica e ajuda a perpetuar a desigualdade social”. Os alunos pegaram até leve com tal teoria econômica ortodoxa: poderiam ter acrescentado que fomenta a instabilidade financeira, a corrupção e ainda causa baixo crescimento. Estes estudos usam a teoria econômica neoclássica para justificar “cientificamente” o neoliberalismo, uma ideologia reacionária que entre 1979 e 2008 promoveu o atraso e a desigualdade em todos os países que a aceitaram. E que, ao mesmo tempo, “pressiona” os cidadãos dessas nações a ficarem calados, já que não dominam o “conhecimento” matemático e técnico, favorecendo com isso um abismo social aliado a uma concentração de renda absurda na mão de 2% da população. Não é espetacular? Adivinhe qual é o modelo praticado no Brasil e, consequentemente, no Rio de Janeiro?
Privilégios, corrupção e impunidade
A economia mundial tem necessariamente que se reinventar, porque este conceito de privatizar os lucros e democratizar os prejuízos atirou a parte do mundo dita mais “avançada” socialmente num abismo socioeconômico, detonando a famigerada Primavera Árabe, a atual onda de Occupy Wall Street e revelou que o que importa mesmo é manter a tal de “qualidade de vida” ameaçada pela crise mundial; e os economistas ainda não entendem direito o que é que hoje em dia se quer exprimir até no PIB.
E pensar que tudo isso começou no Butão, quando este reinado resolveu medir o índice de felicidade dos seus habitantes, sendo, inicialmente, motivo de chacotas. Com o detalhe que hoje naquela parte do mundo que está em crise qualquer investimento, até mesmo no social, tem sido questionado quanto ao seu retorno, pois já passou a época em que se desperdiçava dinheiro para se eleger políticos como predomina na economia brasileira. Quando vamos acordar para o fato de que a hora de mudanças socioeconômicas está passando? E que se a perdermos, a crise que nos atingirá terá consequências ainda piores do que a americana ou a europeia? Alguém lembra como terminou o nosso milagre econômico? Das exigências absurdas do FMI?
O ministro da Fazenda se ufana de que a economia brasileira, medida de forma irracional pelo PIB, ultrapassou a do Reino Unido e assumiu a sexta posição no ranking mundial. Na verdade a Inglaterra produz aquele valor de bens e serviços com pouco mais de 60 milhões de habitantes, enquanto o Brasil produz o seu com quase 200 milhões. É obvio que a produção per capita dos brasileiros ainda é bem menor do que a dos ingleses e logicamente isso é muito mais importante que o valor absoluto do PIB. Basta olhar ao redor e ver a miséria, as favelas, a criminalidade, a infraestrutura caótica, os serviços prestados à população, a concentração ilegítima de renda graças a privilégios escusos, a corrupção, a impunidade, para notar que a situação nos dois países é completamente diferente.
Sangrias sucessivas e impunes
Para piorar ele arremata que em 20 anos estaremos no mesmo patamar dos ingleses, o que só se concretizará se reformas profundas fossem pensadas em curto, médio e longo prazos, coisa normalíssima, mas que aqui ninguém quer fazer, porque do jeito que está é que deve ficar para assegurar os “direitos” que uma parte das “elites” acha que tem, inclusive a dos meios de comunicação. Se temos uma inflação controlada há mais de 15 anos, por que não se planejar em curto, médio e longo prazos, como todos fazem? Por que estranhamente os economistas não tocam neste assunto? E muito menos os colunistas da área econômica? Todas as economias que emergiram foram pensadas assim, como a alemã, a japonesa, a coreana, a chinesa, entre muitas outras. A Austrália, por exemplo, está fazendo um planejamento para os próximos 40 anos!
Aliás, economistas e assessores financeiros, a partir de 1971, passaram a se achar os donos da verdade quando o presidente Nixon suspendeu a obrigatoriedade da conversão do dólar em ouro e, com isso, o dinheiro perdeu sua referência com a economia real. Assim a criação de “jogadas”, a especulação desenfreada e a destruição criminosa de moedas passaram a ocorrer com grande facilidade, pois o endividamento do setor privado saiu de controle e, na falta de uma âncora sólida para a economia, as crises financeiras se tornaram muito mais frequentes e profundas. Eles pensaram ter um papel estratégico: seriam os mandantes desse novo ajuste monetário e financeiro da economia mundial. Mas, passados 40 anos, está constatado que eles falharam, que em sua ganância por lucros cada vez maiores atiraram o planeta numa crise sem precedentes, devendo ser fiscalizados com lupa, porque mesmo depois dessa lambança, continuaram agindo como se o mundo fosse um cassino de onde eles tirariam lucros fantásticos para dar aos seus investidores e continuar impondo seu estilo de vida nababesco, o que não combina com a realidade atual onde trabalhadores honrados foram atirados literalmente na rua com suas famílias, pelos seus erros.
Por que a imprensa brasileira não mostra que isto ainda está se repetindo aqui, onde muitas das operações de sucesso do governo são sustentadas por milagres contábeis? As tão faladas e necessárias reformas não saíram do papel e os escândalos se sucedem, como no caso da compra do banco PanAmericano pela CEF e nos títulos da dívida pública, de pouco ou nenhum valor, vendidos por preços acima do mercado graças a um “erro” no sistema de informações da Caixa Econômica Federal. São valores acima de R$ 5,5 bilhões, desviados por “supostos” participantes de partidos políticos, ligados à base de sustentação do governo, sendo que não há economia no mundo que resista a essas sangrias sucessivas e impunes.
Eutanásia seletiva
Não está na hora de a mídia acordar para estes fatos, exigindo, ao lado da sociedade a quem ela presta serviço, punição exemplar e planejamento integrado em todas as esferas para que os “políticos” passem apenas a gerir metas com transparência e assumam responsabilidades legais por seus atos? Como, aliás, acontece no setor privado e em todos os países que tem economias sérias.
A Assembleia Legislativa do Rio é notoriamente um enfeite caríssimo, porque os “nobres” vereadores só se preocupam em homenagear eleitores, não produzem leis de relevância, não defendem os interesses dos cidadãos porque aprovam tudo que a prefeitura empurra, porque seu objetivo é o de se perpetuar no poder através de políticas sociais estimuladas pelo poder público. Como se não bastasse, se concederam um aumento de indecentes 62%, apesar de a lei estabelecer que tal reajuste só pode entrar em vigor na legislatura seguinte. Mas como estamos vendo eles estão acima das leis. Na Câmara dos Deputados o esquema é muito parecido e o governador tem maioria confortável, aprovando tudo o que quer. Você, leitor, acredita mesmo que em um cenário desses poderemos produzir as tão necessárias mudanças e correções de rumo?
Passaremos a falar agora dos serviços prestados à população para entendermos melhor a situação. Analisaremos rapidamente o Rio, entrementes, como sabemos, o quadro é praticamente o mesmo por todo o país.
Na área da saúde, temos as UPASs, que são só midiáticas, não atendendo às reais necessidades da população, como de vez em quando é noticiado, mesmo assim quando alguém da imprensa sente na pele. Na da Ilha do Governador, por exemplo, segundo denúncia, não há um mísero aparelho de raio X. Poucos dias atrás me pediram para publicar no meu perfil do Facebook um pedido de ajuda para a senhora de um coronel do Corpo de Bombeiros que tinha tido um aneurisma cerebral e precisava com urgência de vaga num CTI. Foi o suficiente para começar a ocorrer um apavorante desfile de problemas semelhantes, pessoas revoltadas e casos e mais casos de mortes provocadas por falta de vagas em CTIs. O estado pratica uma eutanásia seletiva em seus pacientes, provocando uma situação que uma hora dessas terminará muito mal com um médico sendo justiçado como se tivesse culpa, pois hoje o melhor remédio é uma liminar, mas a crise na área está tão absurda que nem mandando prender o diretor do hospital se consegue uma internação. E o número de vagas? Diminui ano após ano, ao invés de aumentar; por que será?
Dificuldades em matricular uma criança
Os depoimentos que nos chegam são de cortar o coração e vão de desvios, falta de materiais necessários a procedimentos rotineiros, manipulação de vagas por políticos, degradação proposital de hospitais para poder alegar emergencialidade e desta forma conseguir liberação de licitação visando entregar a obra a um patrocinador de campanha, fraudes em compras, enfim, o corolário conhecido que inexplicavelmente a imprensa, especialmente a carioca, não denuncia, mesmo apresentando elevado número de falecimentos diários causados por falta de atendimento adequado. Mesmo no setor privado a situação não é boa, como atesta o elevado índice de reclamações na defesa do consumidor, sendo hoje a melhor opção para quem pode a ponte aérea para São Paulo.
A dengue está voltando, indecentemente, ao Rio, onde a Secretaria de Saúde registrou um aumento de 475% em relação a 2010, com 149 mortes. Aquela mídia do Rio publica um número menor (450%) e não divulga o número de mortes. Na contramão de todo o país, em que diminuiu em 25%, segundo os dados oficiais. Parece que combatê-la não dá um percentual, então ela cresce ao invés de diminuir; porque ao se tornar emergencial verbas vultosas são liberadas sem controle. Que Rio de Janeiro é este?
Na área da educação, em que o Rio ficou em 26º lugar no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), entre 27 unidades da federação, é preciso falar mais alguma coisa? Os professores vivem em greve, há denúncias de desvios de verba da merenda, os salários e as condições são péssimas, vários funcionários se demitem diariamente, as políticas públicas não tem continuidade, sendo que os professores, a população e a mídia ainda não acordaram para o fato de que sem planejamento e participação ativa de toda a sociedade não há nada que dê jeito. Claro que obras que supostamente dão comissão continuam sendo executadas e aquelas compras “tradicionais” também. A mais recente é, para breve, a aquisição de iPads. Enquanto isso, pais e mães têm dificuldades absurdas em matricular uma criança numa escola de, ao menos, um mediano padrão.
Cachoeiras de esgoto
No setor de transportes públicos, que são utilizados por apenas 16% da população, a situação é criminosa. Latas de sardinha são mais confortáveis e funcionais, pessoas perdem até 5 horas diárias em deslocamentos, sujeitas aos mais diversos acidentes de percurso. Engarrafamentos pioram a cada dia, as soluções bilionárias apontadas são paliativas e, segundo os especialistas, estarão obsoletas ao serem inauguradas, pois escandalosamente aprovaram um corredor de ônibus claramente arcaico, porque somos reféns dos empresários do setor. Agora querem demagogicamente, sem anunciar a fonte de recursos, implementar um sistema de trens de superfície, que seria o ideal, mas apenas para beneficiar um projeto que privilegia alguns empresários, em detrimento de toda a cidade, no famigerado Porto Maravilha, onde Certificados de Potencial Adicional de Construção, os Cepacs, uma ideia que não deu certo em São Paulo, foi acintosamente piorada. Ao invés de usar os bilhões arrecadados para melhorar a malha viária de uma zona central que hoje está ao descaso e que mesmo assim já vive permanentemente engarrafada, autorizaram construções de milhares de espigões com até 50 andares no local, o que trará um aumento de centenas de milhares de pessoas circulando, sem apresentar as devidas soluções viárias.
Imagine o que acontecerá, ainda mais sabendo que mais de 40 mil veículos por ano são acrescentados a este caótico trânsito e que não há previsão de alternativas viárias, menos ainda de estudos. O dinheiro das Cepacs está sendo aplicado sem fiscalização numa reforma estética onde se destruirá um viaduto funcional para refazê-lo subterraneamente, sem criar condições para um aumento de fluxo. Curiosamente, aquela mesma mídia carioca publicou reportagens endossando tal descalabro. Na contramão disso, já existem até propostas de uma ação popular ou uma ação civil pública para inibir este crime contra a população.
No setor de saneamento básico, com a atual especulação imobiliária desenfreada, a situação caminha para uma catástrofe ambiental anunciada que a mídia ignora. Nada de despoluição da Baía da Guanabara e das bacias da Barra, promessas olímpicas; os interceptores oceânicos são tecnicamente inviáveis e irão acabar com as praias da Zona Sul em breve, como já morreram as praias do interior da Baía de Guanabara. Desafiamos alguém a nos relatar a saída de um mísero caminhão de lama produzido pelas usinas de tratamento de esgoto. Enquanto isso, em Nova York, para cada dólar investido no sistema de abastecimento de águas da cidade, são economizados sete em produtos químicos. No Rio, descobriram “casualmente” que em algumas comunidades existem há décadas verdadeiras cachoeiras de esgoto que espalham detritos e doenças nessas comunidades. Como obra enterrada no chão não dá voto, se compromete cada vez mais o depauperado sistema de saúde ao se eternizarem estes problemas. Compromisso com o IDH? Só no horário eleitoral.
A criminalidade está se reorganizando
Na área de habitação o negócio é digno de investigação criminal, com a aplicação de bilhões nas favelas com resultados ridículos, nenhum controle das verbas aplicadas em conluio com o Banco Mundial, sendo que as comunidades já beneficiadas se recusaram a deixar de usar o nome pejorativo de favelas porque, mesmo com todas as melhorias anunciadas, ainda se sentem favelizadas. Os índices de tuberculose e outras doenças só aumentam nesses lugares, a conta destes bilhões torrados irá chegar e terá que ser paga, sendo que o único retorno conhecido é o da eleição de administradores dessas verbas para cargos públicos. É interessante que há cerca de um ano admitiu-se que mais da metade dos moradores do Rio vivessem em favelas, na contramão dos números anunciados agora de pouca mais de um milhão, ou seja, houve um milagre e mais de dois milhões de pessoas foram beneficiadas, mas só no papel.
Por outro lado, a especulação imobiliária, como foi fartamente anunciado nas páginas de economia, pretende fazer “30 anos em 5”, pois, como qualquer um pode entender, até 2016 o Rio ficará na vitrine e quem fizer e vender lucrará. Depois, com o término dos investimentos bilionários, que são muito discutíveis e apresentarão benefícios nulos, chegará a conta que, por esses mistérios insondáveis midiáticos, é um tabu! Ninguém toca no assunto e nem nas implicações sobre o futuro das contas públicas. O que acontecerá no pós-2016, com um mercado inundado de imóveis, com o término das obras de mobilidade urbana, dos elefantes brancos olímpicos e das obras do PAC é o prenúncio de uma crise sem precedentes na indústria da construção civil e nas milhares de micros, pequenas, médias e grandes empresas periféricas.
No tocante à segurança pública, as UPPs, Unidades de Propaganda Política, ops!, Unidade de Polícia Pacificadora, a principal ação midiática dos poderes constituídos tem ocupado papel de destaque, até porque a violência era digna de uma guerra civil disfarçada. Não há mais tiroteios nos morros dos corredores dos eventos internacionais, mas nem a violência nem o tráfico desapareceram, havendo inclusive suspeitas confirmadas de manipulação dos dados pela Secretaria de Segurança Pública. Ela migrou para outras ações intimidadoras e está se interiorizando de uma forma geral. Ainda são comuns ataques com mortes, sem a menor explicação, a viaturas policiais ou tiroteios nos subúrbios e periferias, ou seja, a criminalidade está se reorganizando no além túnel Rebouças e interior do estado. O próprio Beltrame já declarou inúmeras vezes que só um policial armado não impede que as quadrilhas continuem agindo e que é necessária a implantação de projetos sociais.
Que promiscuidade é esta?
Ora, isso não irá jamais trazer de volta a antiga força econômica do Rio, com seus tão necessários milhares de empregos qualificados, melhores condições salariais e seus efeitos multiplicadores culturais e ambientais. Sem falar que a cidade é muito hostil para seus moradores que reagem como vândalos, com pichações, destruição do patrimônio público e com um desrespeitoso despejo de lixo e dejetos nas ruas.
É preciso tirar milhares de pessoas de frente da TV e das telenovelas idiotizantes para caminhar na rua e à noite, estimulando novos negócios e humanizando a cidade. Basta de ficar preso dentro de casa, amedrontado com a violência cotidiana. O carioca está sedento de espaço público, de bater perna e de ter liberdade de fazer programas dentro de seu orçamento. Nas Ramblas, na Times Square, na South Way, na Trafalgar Square ou na Rua das Pedras em Búzios isso é normal e viável. Em Barcelona 40% da população economicamente ativa trabalha na noite. Aqui, seria uma mudança bem-vinda. A Lagoa e seu entorno não comportam a multidão que se desloca para lá para ver sua árvore de Natal e não tem o que oferecer aos visitantes. A conquista do espaço público desperta o amor pela cidade no cidadão, faz um tremendo bem à economia e ao turismo e deveria ser estimulada também no centro da cidade, que tem tudo para ser o maior shopping a céu aberto do mundo.
Afinal, por que o tal famigerado Porto Maravilha, que ainda não decolou e nem vai decolar nesse formato, não é replanejado para revitalizar a economia do Rio, levar empregos às favelas, subúrbios e periferia, como aconteceu com sucesso em todos os lugares onde as Zonas Portuárias foram renovadas? Será que é porque a Fundação que é dona do maior jornal carioca também está no jogo através de um projeto milionário de um museu, de estética duvidosa, que pretende ser o motor da revitalização da área portuária, mas que não tem cacife para isso? Como a imprensa carioca pode prestar serviço à sociedade (o que seria o seu dever capital) se ela presta apenas e exclusivamente aos interesses de seus donos, parceiros do poder público? Que promiscuidade é esta que permitimos? Continuaremos a permitir isto?
Não há desenvolvimento sem planejamento
Com relação às finanças públicas, que estão sendo endossadas pelas mesmas agências que não previram a crise de 2007 e suas funestas consequências, que também apoiaram a Grécia, que na época vivia o mesmo cenário atual e que estão concedendo upgrade para que a capacidade de endividamento do Rio seja aumentada, de olho nos bilhões em investimentos dos eventos mundiais. Isto não seria nada de mais se houvesse um plano diretor, com planejamento em curto, médio e longo prazos, com metas factíveis, apoiado em uma âncora crível que permitisse o retorno do capital investido nos prazos determinados. Se o Canadá levou mais de 30 anos para pagar sua Olimpíada, imagine o Rio!
Claro que não existe nada disso e o dinheiro é gasto em projetos sociais que não têm a menor preocupação em apresentar retorno e que no pós-2016 nos atirarão numa dívida impagável, trazendo inúmeros problemas socioeconômicos. Outro aspecto interessante é o crédito ao consumidor, já que graças à ele houve um crescimento ímpar da atividade econômica, porque se passou a vender de tudo em parcelamento que já estiveram em mais de oitenta meses no cartão de crédito. Só que embutido nisto está uma escorchante taxa de juros de 237,9% ao ano. Só para comparação, na Venezuela o rotativo custa 29% ao ano e na Argentina, 50%. Pense o que acontecerá no mercado se houver uma crise, o tamanho do buraco que irá surgir e a quebradeira que irá se espalhar.
São Paulo tentou resolver seus problemas via a implantação de um plano de metas, cultura e acesso à cidadania plena. A sociedade se uniu e exigiu que os candidatos à prefeitura assinassem este compromisso. Só que o prefeito das 223 metas acordadas cumpriu apenas 60, enquanto 160 se encontram “em andamento” e a qualidade de vida piorou muito. Com o detalhe que a administração lá é do mesmo partido há mais de 20 anos. Ou seja, mesmo com uma continuidade de duas décadas, não há cidadania e nem desenvolvimento socioeconômico, cultural e ambiental sem um planejamento sério de curto, médio e longos prazos que envolva toda a sociedade de forma ativa, apoiado por metas críveis e sustentado com transparência por uma âncora claramente definida.
Instrumento de transformação
Como ficou demonstrado na análise acima do cenário atual do Rio, resultante de mais de meio século de administrações calamitosas, aquela mídia hoje está vendendo “gato por lebre”, como se costuma dizer, uma imagem de otimismo exacerbada sem ter suporte de realidade e, se alguma coisa não for feita imediatamente, o pós-2016 será uma tragédia anunciada, como está acontecendo nas regiões serranas e do norte do estado, com as chuvas que todos sabíamos que iriam voltar a cair e que mesmo assim as providências não foram tomadas e as verbas investidas escorreram por água abaixo, no já tradicional mar de lama que envolve a administração pública. O Crea, inclusive, ao constatar em inspeção que nenhuma prevenção foi feita em Friburgo, recomendou à população rezar!
A sociedade e a mídia estão precisando acordar para o fato de que no pé em que as coisas estão como foi detalhado acima, só nos unindo teremos força para exigir (como foi feito em SP) que seja implementado não um sistema de metas que, como visto, não foi suficiente e sim um master plan que traga desenvolvimento socioeconômico, cultural e ambiental a todo o Rio, incluindo as favelas, periferia e o estado, aproveitando o momento único de revitalização da área portuária para levar desenvolvimento e qualidade de vida em todos os sentidos à população, apoiado por um planejamento transparente que demonstre a todos um futuro promissor, com uma economia revitalizada, suportado por uma âncora que utilize a nossa decantada vocação natural, que é a maior indústria do mundo, exatamente por movimentar toda a sociedade simultaneamente, proporcionando aumento da renda per capita e a união da coletividade ao mesmo propósito. Sabendo que, comprovadamente, em todos os lugares do mundo onde o turismo foi utilizado como instrumento de transformação, obteve-se sucesso total e que o retorno do capital investido se deu no curto prazo, existe outra opção melhor para o Rio?
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[José Paulo Grasso é engenheiro e coordenador do Acorda Rio]