terça-feira, 24 de janeiro de 2012

"Elegia"

Adriano Nunes
Não posso mergulhar as horas
No vinagre do esquecimento,
Aceitar o mofo de tudo
Sobre os sonhos, sobre a alegria.
Existir não é mero anexo,
Fotografia, folha solta
Do caderno de desenganos.
Conto até dez e nada muda...

Os meus vizinhos desvencilham-se
Do silêncio sufocante, enquanto
Sopesam mágoas no varal.
Acordei? Por que estou tão triste?
Acordei? Tens certeza? Tens
À vista o horizonte de cinzas
Para ofertar-me, desde o tédio?
Há muito o meu coração quer

Outro labirinto, quer dar
O tiro de misericórdia
Nas esperanças, as pequenas
Esperanças, os tais carrascos
Da humanidade. Que virá
Agora, à socapa, tal luz,
Para elevar o dia à vida?
Esqueço-me... Medusa ainda

É bela, causa inveja, flerta
Sem receio, sem ter qualquer meio
De transformar-te numa estátua
De mármore. Busca teu passo
Adiante, segue o trajeto
Traçado pelo olho do instante,
Tudo pode dar mesmo certo.
Acordei? Manterás a lâmpada

Acesa? A pulsação mínima
Do corpo, que mais sinaliza?
Estou triste... E o desassossego
De ser quem me sinto, esfacela-me.
Estou triste... Triste, Tão triste!
Baco quando vem? E os mil mortos,
As cartas todas, os poemas,
Os planos, a tez do infinito?

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