terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O papel da imprensa na construção de uma sociedade sustentável

Por José Paulo Grasso em 10/01/2012 na edição 676

O ano de 2011 terminou. Num breve balanço, a atuação da mídia derrubou em um ano seis ministros pelos mais variados escândalos, sendo que ninguém foi punido, outros ficaram em situação altamente constrangedora e, incrivelmente, não aconteceu rigorosamente nada. Num quadro desses, chegou a hora de discutirmos o importante papel dos meios de comunicação na construção de uma sociedade sustentável e socialmente justa.

Será que algum país no mundo tem vinte e sete partidos, recebendo generosos recursos públicos do Fundo Partidário? Se as ideologias desapareceram com a crise de 2007, quando passou a ser priorizada a tal de “qualidade de vida”, como se justifica a existência de tantos partidos, já que essas legendas são “supostamente” de aluguel e negociam descaradamente desde minutos no horário político até a governabilidade para quem der a melhor oferta cash, sem falar dos caixa dois?
A partir dessa constatação podemos entender por que a corrupção anual é estimada em cerca de R$ 80 bilhões. Com um botim desse tamanho e a impunidade reinante, num ambiente em que os valores e a ética são desprezados e a mídia surpreendentemente não cobra punições, não causa surpresa já termos mais 30 legendas em processo de organização. Nove delas já conseguiram se oficializar para entrar nessa “boquinha”, faltando apenas o registro nacional. No Facebook, por exemplo, quase todos têm postura de futuros candidatos. A realidade é essa e inexplicavelmente há uma apatia coletiva bovina com relação aos nossos direitos civis, quando, com a indignação atual, todos deveriam estar se unindo e lutando para reverter esta situação que acabará nos levando à uma falência vexatória.
O abismo social do neoliberalismo
Por que não discutir este problema, já que somos motivo de chacotas mundiais por permitirmos que nossos representantes eleitos “democraticamente” se associem para “supostamente” assaltar os cofres públicos conforme somos obrigados a constatar diariamente? Todos observaram que os ministros caíram e que não aconteceu nenhuma mudança para inibir os fatos que levaram a estas quedas. Que democracia é esta na qual a sociedade não participa ativamente e não há uma mídia consciente da importância de sua participação?
Algo precisa ser feito e a imprensa da área econômica não está interessada nisto. Renomada comentarista de economia começou recentemente sua coluna diária dizendo que nem mesmo a caudalosa cachoeira de sete quedas, se ainda existisse, seria capaz de lavar a corrupção no Brasil, quando na verdade a luz do sol é o maior detergente que existe para acabar com o malfeito e temos todo um arcabouço legal para colocar em prática uma transparência total das contas públicas que inibiria imediatamente tais práticas. Basta que a sociedade exija e dê suporte à presidente para executar uma faxina de verdade.
Além de escrever uma bobagem como esta, ainda deu provas do autoritarismo que permeia na área econômica ao, no dia seguinte, questionar como uma pessoa da importância que ela acha que tem, ao nível de um Gerdau ou de um Eike, ter que comparecer pessoalmente a uma repartição pública para receber as senhas pessoais e intransferíveis de sua certificação digital, exigida pela receita federal como os outros mortais comuns fazem.
Isto num ambiente mundial onde, inacreditavelmente, estudantes abandonaram as aulas do economista Greg Mankiw na conceituada Harvard University, protestando contra o fato de que “o curso propaga ideologia conservadora disfarçada de ciência econômica e ajuda a perpetuar a desigualdade social”. Os alunos pegaram até leve com tal teoria econômica ortodoxa: poderiam ter acrescentado que fomenta a instabilidade financeira, a corrupção e ainda causa baixo crescimento. Estes estudos usam a teoria econômica neoclássica para justificar “cientificamente” o neoliberalismo, uma ideologia reacionária que entre 1979 e 2008 promoveu o atraso e a desigualdade em todos os países que a aceitaram. E que, ao mesmo tempo, “pressiona” os cidadãos dessas nações a ficarem calados, já que não dominam o “conhecimento” matemático e técnico, favorecendo com isso um abismo social aliado a uma concentração de renda absurda na mão de 2% da população. Não é espetacular? Adivinhe qual é o modelo praticado no Brasil e, consequentemente, no Rio de Janeiro?
Privilégios, corrupção e impunidade
A economia mundial tem necessariamente que se reinventar, porque este conceito de privatizar os lucros e democratizar os prejuízos atirou a parte do mundo dita mais “avançada” socialmente num abismo socioeconômico, detonando a famigerada Primavera Árabe, a atual onda de Occupy Wall Street e revelou que o que importa mesmo é manter a tal de “qualidade de vida” ameaçada pela crise mundial; e os economistas ainda não entendem direito o que é que hoje em dia se quer exprimir até no PIB.
E pensar que tudo isso começou no Butão, quando este reinado resolveu medir o índice de felicidade dos seus habitantes, sendo, inicialmente, motivo de chacotas. Com o detalhe que hoje naquela parte do mundo que está em crise qualquer investimento, até mesmo no social, tem sido questionado quanto ao seu retorno, pois já passou a época em que se desperdiçava dinheiro para se eleger políticos como predomina na economia brasileira. Quando vamos acordar para o fato de que a hora de mudanças socioeconômicas está passando? E que se a perdermos, a crise que nos atingirá terá consequências ainda piores do que a americana ou a europeia? Alguém lembra como terminou o nosso milagre econômico? Das exigências absurdas do FMI?
O ministro da Fazenda se ufana de que a economia brasileira, medida de forma irracional pelo PIB, ultrapassou a do Reino Unido e assumiu a sexta posição no ranking mundial. Na verdade a Inglaterra produz aquele valor de bens e serviços com pouco mais de 60 milhões de habitantes, enquanto o Brasil produz o seu com quase 200 milhões. É obvio que a produção per capita dos brasileiros ainda é bem menor do que a dos ingleses e logicamente isso é muito mais importante que o valor absoluto do PIB. Basta olhar ao redor e ver a miséria, as favelas, a criminalidade, a infraestrutura caótica, os serviços prestados à população, a concentração ilegítima de renda graças a privilégios escusos, a corrupção, a impunidade, para notar que a situação nos dois países é completamente diferente.
Sangrias sucessivas e impunes
Para piorar ele arremata que em 20 anos estaremos no mesmo patamar dos ingleses, o que só se concretizará se reformas profundas fossem pensadas em curto, médio e longo prazos, coisa normalíssima, mas que aqui ninguém quer fazer, porque do jeito que está é que deve ficar para assegurar os “direitos” que uma parte das “elites” acha que tem, inclusive a dos meios de comunicação. Se temos uma inflação controlada há mais de 15 anos, por que não se planejar em curto, médio e longo prazos, como todos fazem? Por que estranhamente os economistas não tocam neste assunto? E muito menos os colunistas da área econômica? Todas as economias que emergiram foram pensadas assim, como a alemã, a japonesa, a coreana, a chinesa, entre muitas outras. A Austrália, por exemplo, está fazendo um planejamento para os próximos 40 anos!
Aliás, economistas e assessores financeiros, a partir de 1971, passaram a se achar os donos da verdade quando o presidente Nixon suspendeu a obrigatoriedade da conversão do dólar em ouro e, com isso, o dinheiro perdeu sua referência com a economia real. Assim a criação de “jogadas”, a especulação desenfreada e a destruição criminosa de moedas passaram a ocorrer com grande facilidade, pois o endividamento do setor privado saiu de controle e, na falta de uma âncora sólida para a economia, as crises financeiras se tornaram muito mais frequentes e profundas. Eles pensaram ter um papel estratégico: seriam os mandantes desse novo ajuste monetário e financeiro da economia mundial. Mas, passados 40 anos, está constatado que eles falharam, que em sua ganância por lucros cada vez maiores atiraram o planeta numa crise sem precedentes, devendo ser fiscalizados com lupa, porque mesmo depois dessa lambança, continuaram agindo como se o mundo fosse um cassino de onde eles tirariam lucros fantásticos para dar aos seus investidores e continuar impondo seu estilo de vida nababesco, o que não combina com a realidade atual onde trabalhadores honrados foram atirados literalmente na rua com suas famílias, pelos seus erros.
Por que a imprensa brasileira não mostra que isto ainda está se repetindo aqui, onde muitas das operações de sucesso do governo são sustentadas por milagres contábeis? As tão faladas e necessárias reformas não saíram do papel e os escândalos se sucedem, como no caso da compra do banco PanAmericano pela CEF e nos títulos da dívida pública, de pouco ou nenhum valor, vendidos por preços acima do mercado graças a um “erro” no sistema de informações da Caixa Econômica Federal. São valores acima de R$ 5,5 bilhões, desviados por “supostos” participantes de partidos políticos, ligados à base de sustentação do governo, sendo que não há economia no mundo que resista a essas sangrias sucessivas e impunes.
Eutanásia seletiva
Não está na hora de a mídia acordar para estes fatos, exigindo, ao lado da sociedade a quem ela presta serviço, punição exemplar e planejamento integrado em todas as esferas para que os “políticos” passem apenas a gerir metas com transparência e assumam responsabilidades legais por seus atos? Como, aliás, acontece no setor privado e em todos os países que tem economias sérias.
A Assembleia Legislativa do Rio é notoriamente um enfeite caríssimo, porque os “nobres” vereadores só se preocupam em homenagear eleitores, não produzem leis de relevância, não defendem os interesses dos cidadãos porque aprovam tudo que a prefeitura empurra, porque seu objetivo é o de se perpetuar no poder através de políticas sociais estimuladas pelo poder público. Como se não bastasse, se concederam um aumento de indecentes 62%, apesar de a lei estabelecer que tal reajuste só pode entrar em vigor na legislatura seguinte. Mas como estamos vendo eles estão acima das leis. Na Câmara dos Deputados o esquema é muito parecido e o governador tem maioria confortável, aprovando tudo o que quer. Você, leitor, acredita mesmo que em um cenário desses poderemos produzir as tão necessárias mudanças e correções de rumo?
Passaremos a falar agora dos serviços prestados à população para entendermos melhor a situação. Analisaremos rapidamente o Rio, entrementes, como sabemos, o quadro é praticamente o mesmo por todo o país.
Na área da saúde, temos as UPASs, que são só midiáticas, não atendendo às reais necessidades da população, como de vez em quando é noticiado, mesmo assim quando alguém da imprensa sente na pele. Na da Ilha do Governador, por exemplo, segundo denúncia, não há um mísero aparelho de raio X. Poucos dias atrás me pediram para publicar no meu perfil do Facebook um pedido de ajuda para a senhora de um coronel do Corpo de Bombeiros que tinha tido um aneurisma cerebral e precisava com urgência de vaga num CTI. Foi o suficiente para começar a ocorrer um apavorante desfile de problemas semelhantes, pessoas revoltadas e casos e mais casos de mortes provocadas por falta de vagas em CTIs. O estado pratica uma eutanásia seletiva em seus pacientes, provocando uma situação que uma hora dessas terminará muito mal com um médico sendo justiçado como se tivesse culpa, pois hoje o melhor remédio é uma liminar, mas a crise na área está tão absurda que nem mandando prender o diretor do hospital se consegue uma internação. E o número de vagas? Diminui ano após ano, ao invés de aumentar; por que será?
Dificuldades em matricular uma criança
Os depoimentos que nos chegam são de cortar o coração e vão de desvios, falta de materiais necessários a procedimentos rotineiros, manipulação de vagas por políticos, degradação proposital de hospitais para poder alegar emergencialidade e desta forma conseguir liberação de licitação visando entregar a obra a um patrocinador de campanha, fraudes em compras, enfim, o corolário conhecido que inexplicavelmente a imprensa, especialmente a carioca, não denuncia, mesmo apresentando elevado número de falecimentos diários causados por falta de atendimento adequado. Mesmo no setor privado a situação não é boa, como atesta o elevado índice de reclamações na defesa do consumidor, sendo hoje a melhor opção para quem pode a ponte aérea para São Paulo.
A dengue está voltando, indecentemente, ao Rio, onde a Secretaria de Saúde registrou um aumento de 475% em relação a 2010, com 149 mortes. Aquela mídia do Rio publica um número menor (450%) e não divulga o número de mortes. Na contramão de todo o país, em que diminuiu em 25%, segundo os dados oficiais. Parece que combatê-la não dá um percentual, então ela cresce ao invés de diminuir; porque ao se tornar emergencial verbas vultosas são liberadas sem controle. Que Rio de Janeiro é este?
Na área da educação, em que o Rio ficou em 26º lugar no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), entre 27 unidades da federação, é preciso falar mais alguma coisa? Os professores vivem em greve, há denúncias de desvios de verba da merenda, os salários e as condições são péssimas, vários funcionários se demitem diariamente, as políticas públicas não tem continuidade, sendo que os professores, a população e a mídia ainda não acordaram para o fato de que sem planejamento e participação ativa de toda a sociedade não há nada que dê jeito. Claro que obras que supostamente dão comissão continuam sendo executadas e aquelas compras “tradicionais” também. A mais recente é, para breve, a aquisição de iPads. Enquanto isso, pais e mães têm dificuldades absurdas em matricular uma criança numa escola de, ao menos, um mediano padrão.
Cachoeiras de esgoto
No setor de transportes públicos, que são utilizados por apenas 16% da população, a situação é criminosa. Latas de sardinha são mais confortáveis e funcionais, pessoas perdem até 5 horas diárias em deslocamentos, sujeitas aos mais diversos acidentes de percurso. Engarrafamentos pioram a cada dia, as soluções bilionárias apontadas são paliativas e, segundo os especialistas, estarão obsoletas ao serem inauguradas, pois escandalosamente aprovaram um corredor de ônibus claramente arcaico, porque somos reféns dos empresários do setor. Agora querem demagogicamente, sem anunciar a fonte de recursos, implementar um sistema de trens de superfície, que seria o ideal, mas apenas para beneficiar um projeto que privilegia alguns empresários, em detrimento de toda a cidade, no famigerado Porto Maravilha, onde Certificados de Potencial Adicional de Construção, os Cepacs, uma ideia que não deu certo em São Paulo, foi acintosamente piorada. Ao invés de usar os bilhões arrecadados para melhorar a malha viária de uma zona central que hoje está ao descaso e que mesmo assim já vive permanentemente engarrafada, autorizaram construções de milhares de espigões com até 50 andares no local, o que trará um aumento de centenas de milhares de pessoas circulando, sem apresentar as devidas soluções viárias.
Imagine o que acontecerá, ainda mais sabendo que mais de 40 mil veículos por ano são acrescentados a este caótico trânsito e que não há previsão de alternativas viárias, menos ainda de estudos. O dinheiro das Cepacs está sendo aplicado sem fiscalização numa reforma estética onde se destruirá um viaduto funcional para refazê-lo subterraneamente, sem criar condições para um aumento de fluxo. Curiosamente, aquela mesma mídia carioca publicou reportagens endossando tal descalabro. Na contramão disso, já existem até propostas de uma ação popular ou uma ação civil pública para inibir este crime contra a população.
No setor de saneamento básico, com a atual especulação imobiliária desenfreada, a situação caminha para uma catástrofe ambiental anunciada que a mídia ignora. Nada de despoluição da Baía da Guanabara e das bacias da Barra, promessas olímpicas; os interceptores oceânicos são tecnicamente inviáveis e irão acabar com as praias da Zona Sul em breve, como já morreram as praias do interior da Baía de Guanabara. Desafiamos alguém a nos relatar a saída de um mísero caminhão de lama produzido pelas usinas de tratamento de esgoto. Enquanto isso, em Nova York, para cada dólar investido no sistema de abastecimento de águas da cidade, são economizados sete em produtos químicos. No Rio, descobriram “casualmente” que em algumas comunidades existem há décadas verdadeiras cachoeiras de esgoto que espalham detritos e doenças nessas comunidades. Como obra enterrada no chão não dá voto, se compromete cada vez mais o depauperado sistema de saúde ao se eternizarem estes problemas. Compromisso com o IDH? Só no horário eleitoral.
A criminalidade está se reorganizando
Na área de habitação o negócio é digno de investigação criminal, com a aplicação de bilhões nas favelas com resultados ridículos, nenhum controle das verbas aplicadas em conluio com o Banco Mundial, sendo que as comunidades já beneficiadas se recusaram a deixar de usar o nome pejorativo de favelas porque, mesmo com todas as melhorias anunciadas, ainda se sentem favelizadas. Os índices de tuberculose e outras doenças só aumentam nesses lugares, a conta destes bilhões torrados irá chegar e terá que ser paga, sendo que o único retorno conhecido é o da eleição de administradores dessas verbas para cargos públicos. É interessante que há cerca de um ano admitiu-se que mais da metade dos moradores do Rio vivessem em favelas, na contramão dos números anunciados agora de pouca mais de um milhão, ou seja, houve um milagre e mais de dois milhões de pessoas foram beneficiadas, mas só no papel.
Por outro lado, a especulação imobiliária, como foi fartamente anunciado nas páginas de economia, pretende fazer “30 anos em 5”, pois, como qualquer um pode entender, até 2016 o Rio ficará na vitrine e quem fizer e vender lucrará. Depois, com o término dos investimentos bilionários, que são muito discutíveis e apresentarão benefícios nulos, chegará a conta que, por esses mistérios insondáveis midiáticos, é um tabu! Ninguém toca no assunto e nem nas implicações sobre o futuro das contas públicas. O que acontecerá no pós-2016, com um mercado inundado de imóveis, com o término das obras de mobilidade urbana, dos elefantes brancos olímpicos e das obras do PAC é o prenúncio de uma crise sem precedentes na indústria da construção civil e nas milhares de micros, pequenas, médias e grandes empresas periféricas.
No tocante à segurança pública, as UPPs, Unidades de Propaganda Política, ops!, Unidade de Polícia Pacificadora, a principal ação midiática dos poderes constituídos tem ocupado papel de destaque, até porque a violência era digna de uma guerra civil disfarçada. Não há mais tiroteios nos morros dos corredores dos eventos internacionais, mas nem a violência nem o tráfico desapareceram, havendo inclusive suspeitas confirmadas de manipulação dos dados pela Secretaria de Segurança Pública. Ela migrou para outras ações intimidadoras e está se interiorizando de uma forma geral. Ainda são comuns ataques com mortes, sem a menor explicação, a viaturas policiais ou tiroteios nos subúrbios e periferias, ou seja, a criminalidade está se reorganizando no além túnel Rebouças e interior do estado. O próprio Beltrame já declarou inúmeras vezes que só um policial armado não impede que as quadrilhas continuem agindo e que é necessária a implantação de projetos sociais.
Que promiscuidade é esta?
Ora, isso não irá jamais trazer de volta a antiga força econômica do Rio, com seus tão necessários milhares de empregos qualificados, melhores condições salariais e seus efeitos multiplicadores culturais e ambientais. Sem falar que a cidade é muito hostil para seus moradores que reagem como vândalos, com pichações, destruição do patrimônio público e com um desrespeitoso despejo de lixo e dejetos nas ruas.
É preciso tirar milhares de pessoas de frente da TV e das telenovelas idiotizantes para caminhar na rua e à noite, estimulando novos negócios e humanizando a cidade. Basta de ficar preso dentro de casa, amedrontado com a violência cotidiana. O carioca está sedento de espaço público, de bater perna e de ter liberdade de fazer programas dentro de seu orçamento. Nas Ramblas, na Times Square, na South Way, na Trafalgar Square ou na Rua das Pedras em Búzios isso é normal e viável. Em Barcelona 40% da população economicamente ativa trabalha na noite. Aqui, seria uma mudança bem-vinda. A Lagoa e seu entorno não comportam a multidão que se desloca para lá para ver sua árvore de Natal e não tem o que oferecer aos visitantes. A conquista do espaço público desperta o amor pela cidade no cidadão, faz um tremendo bem à economia e ao turismo e deveria ser estimulada também no centro da cidade, que tem tudo para ser o maior shopping a céu aberto do mundo.
Afinal, por que o tal famigerado Porto Maravilha, que ainda não decolou e nem vai decolar nesse formato, não é replanejado para revitalizar a economia do Rio, levar empregos às favelas, subúrbios e periferia, como aconteceu com sucesso em todos os lugares onde as Zonas Portuárias foram renovadas? Será que é porque a Fundação que é dona do maior jornal carioca também está no jogo através de um projeto milionário de um museu, de estética duvidosa, que pretende ser o motor da revitalização da área portuária, mas que não tem cacife para isso? Como a imprensa carioca pode prestar serviço à sociedade (o que seria o seu dever capital) se ela presta apenas e exclusivamente aos interesses de seus donos, parceiros do poder público? Que promiscuidade é esta que permitimos? Continuaremos a permitir isto?
Não há desenvolvimento sem planejamento
Com relação às finanças públicas, que estão sendo endossadas pelas mesmas agências que não previram a crise de 2007 e suas funestas consequências, que também apoiaram a Grécia, que na época vivia o mesmo cenário atual e que estão concedendo upgrade para que a capacidade de endividamento do Rio seja aumentada, de olho nos bilhões em investimentos dos eventos mundiais. Isto não seria nada de mais se houvesse um plano diretor, com planejamento em curto, médio e longo prazos, com metas factíveis, apoiado em uma âncora crível que permitisse o retorno do capital investido nos prazos determinados. Se o Canadá levou mais de 30 anos para pagar sua Olimpíada, imagine o Rio!
Claro que não existe nada disso e o dinheiro é gasto em projetos sociais que não têm a menor preocupação em apresentar retorno e que no pós-2016 nos atirarão numa dívida impagável, trazendo inúmeros problemas socioeconômicos. Outro aspecto interessante é o crédito ao consumidor, já que graças à ele houve um crescimento ímpar da atividade econômica, porque se passou a vender de tudo em parcelamento que já estiveram em mais de oitenta meses no cartão de crédito. Só que embutido nisto está uma escorchante taxa de juros de 237,9% ao ano. Só para comparação, na Venezuela o rotativo custa 29% ao ano e na Argentina, 50%. Pense o que acontecerá no mercado se houver uma crise, o tamanho do buraco que irá surgir e a quebradeira que irá se espalhar.
São Paulo tentou resolver seus problemas via a implantação de um plano de metas, cultura e acesso à cidadania plena. A sociedade se uniu e exigiu que os candidatos à prefeitura assinassem este compromisso. Só que o prefeito das 223 metas acordadas cumpriu apenas 60, enquanto 160 se encontram “em andamento” e a qualidade de vida piorou muito. Com o detalhe que a administração lá é do mesmo partido há mais de 20 anos. Ou seja, mesmo com uma continuidade de duas décadas, não há cidadania e nem desenvolvimento socioeconômico, cultural e ambiental sem um planejamento sério de curto, médio e longos prazos que envolva toda a sociedade de forma ativa, apoiado por metas críveis e sustentado com transparência por uma âncora claramente definida.
Instrumento de transformação
Como ficou demonstrado na análise acima do cenário atual do Rio, resultante de mais de meio século de administrações calamitosas, aquela mídia hoje está vendendo “gato por lebre”, como se costuma dizer, uma imagem de otimismo exacerbada sem ter suporte de realidade e, se alguma coisa não for feita imediatamente, o pós-2016 será uma tragédia anunciada, como está acontecendo nas regiões serranas e do norte do estado, com as chuvas que todos sabíamos que iriam voltar a cair e que mesmo assim as providências não foram tomadas e as verbas investidas escorreram por água abaixo, no já tradicional mar de lama que envolve a administração pública. O Crea, inclusive, ao constatar em inspeção que nenhuma prevenção foi feita em Friburgo, recomendou à população rezar!
A sociedade e a mídia estão precisando acordar para o fato de que no pé em que as coisas estão como foi detalhado acima, só nos unindo teremos força para exigir (como foi feito em SP) que seja implementado não um sistema de metas que, como visto, não foi suficiente e sim um master plan que traga desenvolvimento socioeconômico, cultural e ambiental a todo o Rio, incluindo as favelas, periferia e o estado, aproveitando o momento único de revitalização da área portuária para levar desenvolvimento e qualidade de vida em todos os sentidos à população, apoiado por um planejamento transparente que demonstre a todos um futuro promissor, com uma economia revitalizada, suportado por uma âncora que utilize a nossa decantada vocação natural, que é a maior indústria do mundo, exatamente por movimentar toda a sociedade simultaneamente, proporcionando aumento da renda per capita e a união da coletividade ao mesmo propósito. Sabendo que, comprovadamente, em todos os lugares do mundo onde o turismo foi utilizado como instrumento de transformação, obteve-se sucesso total e que o retorno do capital investido se deu no curto prazo, existe outra opção melhor para o Rio?
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[José Paulo Grasso é engenheiro e coordenador do Acorda Rio]

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