terça-feira, 12 de abril de 2011

PARA MEUS AMIGOS DA VOLTA GRANDE DO XINGU



 

Texto inédito(Patrícia Mich)

Minha pele é vermelha, meu sangue também. Igual ao seu.
Minha pele também é branca e também é preta, e também é parda.
Sou filho da floresta.Você também.
Somos filhos da terra, dos ventos e do sol.
Somos filhos da chuva que cai, da chuva grossa e boa, mas também da chuva fina, que
só respinga o chão,porque as duas são necessárias.
Meus pés tocam a terra quente da tarde, e amanhã vão querer tocar a terra fria da
manhã.
Minhas costas curvadas de cansaço querem abrigar-se na sombra da árvore.
Meu nariz quer respirar o cheiro molhado do mato.
Meus ouvidos repousam nos cantos dos pássaros, dos pássaros grandes e também dos
pequenos, porque ambos são importantes.
A raiz que vem do solo, alimenta meu corpo e segura meus pés no chão.
Esse chão abençoado pelo Criador e que herdei de meus ancestrais.
Meu suor está na terra e está na água que corre nos rios; eles são as veias e as artérias do
meu território.A terra da minha família e da minha história.Onde eu planto sementes e
colho a vida.Eu sou o agricultor do meu amanhã.
Olho pro rio e vejo meu povo mergulhado nas lágrimas, nadando nas lágrimas do que
um dia foi peixe, foi pedra, foi luz.Eu sou o pescador do meu amanhã.
O meu céu coroado de estrelas é o meu teto, o meu abrigo.
O solo bondoso me cobre, me acolhe, me aquece.Eu sou o elo divino entre o céu e a
terra.
Meu coração ferido repousa, decidido, na última curva de meus passos.
Surgirão para sempre notícias minhas pelas águias, pelas águas, pelos ventos, pelo sol e
pela lua.
Minha alma flutua por entre as folhas e os cipós, feito bicho acuado.
Mas será eternamente livre, pois meu coração está plantado,vingando fruto bom,dando
de comer e de beber aos bichos e plantas e homens.
Porque se o braço do meu irmão dói, meu braço também dói.
Se os olhos de meu irmão queimam, então meus olhos também não podem mais chorar.
Se a terra de meu irmão é roubada, meus pés também não tem mais onde pisar.
E, ainda que minha alma liberta voe os vôos mais altos que puder alcançar, que finquem
meus pés na raiz da raiz, para que eu nunca me esqueça de onde eu vim.
Porque meu coração, eu o faço semente.Para sempre e inevitavelmente, meu coração
será .Meu coração vermelho como o seu, estará.
Parte a alma, aventureira, mas permanece o coração cativo.
Eternamente cativado, repousa no leito que escolheu como eternidade.
O leito do rio, na curva do rio, na Volta Grande do Rio Xingu.

Patricia Mich-Brasilia (10/04/2011)

Nenhum comentário: