terça-feira, 7 de março de 2017

As quatro estações


Monica Vasconcelos



Todo sonho não realizado se torna uma frustração.  Baseada nessa crença, aos 55 anos, resolvi realizar o sonho de viver as quatro estações, era um desejo latente e antigo, mas a idade tornou ainda mais urgente sua realização. Viver cada estação, no meu mui humilde entendimento, significaria também vivenciar melhor essa etapa da vida de absoluta e difícil transição.

Sempre parti do princípio que, embora cada ser seja único e especial, o ser humano é basicamente o mesmo, somos iguais por mais diferentes que pareçamos. Para além do egocentrismo, tudo que deduzi sobre a vida, por mais que tenha observado os outros, acabou sendo baseado em mim mesma, simplesmente porque parto do pressuposto que, se mesmo a mim ainda desconheço, o que dizer dos outros?!

Penso que comecei a amadurecer quando percebi que tudo aquilo que me incomodava nos outros, era, via de regra, tudo aquilo que negava em mim mesma. “Trabalhar” melhor o meu “próprio ladinho dark”, aceitar todos os defeitos inerentes ao ser humano, e, a partir dessa aceitação, tentar manter na coleira invejas, rancores, desejos de vingança e todas essas mazelas dos seres ditos racionais, se não me tornou mais suportável para os outros_ e lastimo muito por isso; tornou a vida mais leve e amena para mim mesma_ e fico muito contente com isso.

Ajudou-me bastante nesse processo as conversas com o espelho e a escrita, ainda na infância, de sentimentos negativos, posteriormente rasgados como os papéis que os continham; e a leitura dos clássicos da literatura. Busquei nos livros muitas respostas. Aos 20 anos, encontrei em “A Queda” de Camus, alívio para muitas de minhas angústias. Todo sublinhado, marcado, repleto de rabiscos e observações “La Chute” foi minha “bíblia cética”. Juntamente com Fernando Pessoa e seu “Poema em Linha Reta”, Monsieur Camus, muita análise e terapia me ajudaram a atravessar a primeira transição verdadeiramente seria da vida: a entrada na realidade do jovem adulto. Que me perdoem os que falam das dificuldades da adolescência, às favas com elas, difícil mesmo foi ser adulto.

Difícil mesmo foi ser adulto? Oh, Oh... Eu escrevi isso? Já não tenho mais essa certeza... Difícil mesmo vai ser SER velho. Não existem mais as respostas idólatras dos livros da juventude... Resta-me eu mesma.

Continuo observando e tentando aprender com todos, mas perdi completamente o pudor de escrever na primeira pessoa. Sempre fui “meio diferente”, para usar a expressão que ouço desde infância, mesmo no convívio familiar. Nunca me preocupei com que os outros iriam, ou não dizer, mesmo por que sempre considerei essa “preocupação” a coisa mais verdadeiramente egocêntrica do convívio social_ por que p... alguém perderia tempo a falar de mim?! Bom, o tempo e a vida me ensinaram que pode não ser bem assim. Percebi o quanto fui incompetente na observação de mim mesma quando descobri que muitos dos meus amigos eram, ou acreditavam ser, quase PhD em mim!!! Estamos sempre a precisar de rever os tais conceitos...

Esse meu comportamento, inconscientemente incorrigível, se por um lado me isolou, por outro me protegeu do convívio social, às vezes emocionalmente exaustivo. Aprendi a transitar entre o social e o individual. A solidão nunca me assustou. De uma forma ou de outra, convivo com ela desde essa minha infância “diferente” às tentativas de busca de “alma gêmea” e outras balelas românticas que nos enfiaram na cabeça, ou que de alguma forma incorporamos. Desse convívio surgiu um casamento harmonioso. Amo estar só, e esse amor liberal me permite estar acompanhada, e quando assim me sinto, também deliciada fico.

E por que, então, se tenho tantos amigos especialistas em mim essa nova angústia para mais uma simples transição de fase da vida? Quiçá por perceber que assim como na juventude, ainda me falta essa tal crença de se achar importante o suficiente para ser percebida, menos ainda para virar “case” seja lá de quem for. Porque é ÓBVIO, que mesmo que eu o vista como a uma luva, nem o Poema em Linha Reta, nem nenhum outro foi escrito para mim. Poemas, mesmo quando escritos para musas, são a catarse do autor, o outro é o coadjuvante o instrumento. E não há nisso nenhuma crítica ou demérito.

Angústia? Oh, Oh... Eu escrevi isso? Já não tenho mais essa certeza...Das duas janelas do cafofo que aqui habito, vejo a neve começar a derreter nos Pirineus...Já lá se foram o verão, o outono e o inverno. Que estranha coincidência essa de só ter vontade de escrever quando as primeiras cores da primavera desabrocham aqui e acolá... Angústia? Mesmo? Por que? Ser jovem adulto, para mim foi muito custoso, por muito pouco não me matei...Hoje me sinto privilegiada por isso e por tudo que vivenciei depois. Que venha a velhice. Quiçá será ela, justamente a primavera, quando finalmente estarei pronta, qual florzinha espinhosa, para ser colhida pela Senhora Morte, em cujos braços, finalmente, me sentirei aconchegada.

Acho que continua ;-)

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