sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

era a palavra, portanto

era para dizer
apenas a palavra
mais simples, a palavra
...pura, a palavra seca,
dizer como se diz

que está com fome,
dizer do jeito
quando se quer
pedir licença,

dizer apenas o que
era pra ser dito e pronto:

a palavra-pólvora,
a palavra-prisma,
a palavra-pérola,
palavra pronta,
prestes a dizer

por si o que quer
ser dito, a dizer
tudo como deve,
tal faz o silêncio.

era para dizer
que o amor vem
descendo as ribanceiras, que vem
sôfrego
por entre as mil e umas trincheiras, que vem
trôpego
rolando pelass cáries das ladeiras, que vem

em transe
suspirando,
surpreendendo-nos e
superando-nos,
supondo-nos invencíveis

em um só ponto. era a palavra
por dizer

a fala dos sem alicerces,
dos que provêm
de preces e
pressas e,
às vezes, cala.

porque
era a palavra cara
à face, à coragem
de dizê-la, a palavra
dos arrependidos,
dos que estão dentro

do círculo dos sentidos,
a palavra
sem exatidão,

a da feira,
a da folga,
a da fuga,
a da festa,
a palavra

que se culpa,
a palavra
que se cospe,
a palavra
que se digere como coração.
ou não.

a palavra-pedra.
a palavra-ponte.
a palavra-pranto.
a palavra-pênsil...

depois
não seria preciso dizer
coisa alguma.

como criar a palavra
inaudita? como forjá-la
sem que alma se sinta
ferida? como forçá-la
pela raiz
a sair do vernáculo

para expressar o
que sinto, sem tanto embaraço?

dizer então o
que era pra ser

ao primeiro impulso primitivo?
e por isso fixar e
fincar o possível
dentro

de qualquer vínculo
previsível? era

pra dizer a palavra- espaço...
aquela dada
feito abraço: portanto,

sem dizê-la,
beijo o seu abraço-semântico e
abraço o seu
beijo-sintático. curto-

colapso.
lápis sem voo


Adriano Nunes

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