segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Vida em Suspenso

Caixa de Guardados
Contas, botões e borboletas que ficam na memória….
By Mariu Gondim in Crônicas, Para aquecer o Coração


Flor Amarela. Oru am suda

Deixei de escrever nos meus blogs.
Deixei de expressar o que sinto, o que penso, o que vivo.
Vida em suspenso.
Limbo.
E, no entanto, são tantos sentimentos que se comprimem em meu peito, que eu poderia encher centenas de terabytes. Mas optei por sentir, perceber, acarinhar as emoções que me chegam aos borbotões antes de exprimi-las. É um novo olhar sobre mim mesma, o que sinto, o que vejo. É uma nova abordagem dessa vida que, se por um lado tem estado caseira demais, por outro nunca deixou de ser plena e rica.
A cada dia mais tenho certeza que a gente recebe tudo o que precisa para construir a missão a que nos propusemos. Culpar a vida porque resolvemos pintar com um martelo ou bater prego com o cabo do pincel, é pura perda de tempo. Mais vale olhar direitinho na caixa de ferramentas…
E a vida me deu a oportunidade de conhecer os mundos! Vivi eternamente com o pé sobre dois barcos, me equilibrando entre culturas, modos de pensar e de ser diferentes. E foi isso o que me permitiu ser o que sou, viver o que vivo, sentir o que sinto! Hoje eu transito entre todas as tribos, qual um Chico Mendes urbano, sem me sentir desconfortável, apesar de não pertencer realmente a nenhuma delas. Eu sou do mundo.
Penei pra entender que não, eu não era volúvel. Apesar de começar com V, o certo é que sempre fui Versátil. O que mais me motiva na vida é gente! Não existe bicho mais fascinante, complexo, difícil, interessante e belo do que o ser humano. Mesmo que tantos ainda nem saibam o que é ser humano… Eu sou discípula de Clarice, eterna observadora do cotidiano. “Viver ultrapassa qualquer entendimento”. E mesmo assim, eu insisto em tentar entender os mecanismos que nos movem. E, sobretudo, entender o que me move.
A maturidade me trouxe uma serenidade insuspeitada. Aprendi o desapego. Aprendi o silêncio. Uma amiga fez um “manifesto pela palavra dita”. Lindo! E tinha mais é que fazê-lo: não se pode compactuar com a tirania, a opressão e supressão da palavra como expressão do sentimento e da vida. Mas o silêncio não é a falta de palavra. É a palavra que transcende. Aprendi a calar para ouvir. E assim descobri novas linguagens: o gesto, o sorriso, a energia pulsante da vida. Entendi que um dos meus maiores focos de desarmonia foi o desconhecimento dessa ferramenta fundamental: o silêncio. Já dizia Lulu Santos que a vida é feita de “silêncio e sons”. E alguns desses sons só no silêncio podem ser sentidos… Que palavra descreve o bater de um coração amado? Ou o canto de um filhote de pássaro na janela? Ou o estalar de um beijo babado de uma criança? Ou a energia que jorra de um olhar carinhoso?…
Só no silêncio se pode sentir.essas coisas…
E só no ecletismo que sempre foi minha vida eu pude construir essa aprendizagem do ser humano. Carreguei o mundo nas costas durante toda a minha infância e adolescência. Combati moinhos de ventos. Vivi de espada em punho, en garde qual mosqueteiro de prontidão. Meti a cara no muro das paixões sem sentido, fugi das raias do sucesso, emburreci… Tudo em nome de “ser normal”, aceita, igual a todos aqueles que me chamavam de volúvel por não entender minha versatilidade. E me perdi nos labirintos de mim mesma, desci aos meus porões e engoli o medo e os espirros face a tanta coisa empoeirada, encaixotada, entulhada… Conheci o frio das masmorras da solidão. Cheguei à beira do precipício… E encontrei mãos que se estenderam pra me puxar de volta à luz, à relva, ao sol…
Foi nas tribos mais rejeitadas que aprendi lições fantásticas de respeito e consideração… Foi em lugares mais inusitados que encontrei pessoas lindas e sábias… Foi em alguns dos mais tradicionais que constatei hipocrisia maldade… Foi buscando me curar da volubilidade que descobri o tamanho da minha versatilidade. E foi então, que fiz as pazes com meus fantasmas e deixei fluir a serenidade.
Entendi que sou um ser único, como único é cada ser que existe. E que meu jeito de ser não é melhor ou pior que nenhum outro: é apenas isso: o meu jeito de ser. Sim, tenho o dom da palavra: dita, escrita ou calada. Sou boa ouvinte, pois que não sou juíza do viver alheio. Entendo que estou à frente de alguns e muito atrás de tantos outros. Mas o que importa é que estamos todos no caminho, em busca do mesmo objetivo: SER FELIZ. Por aceitar que vejo o que outros não vêem, que muitas vezes nem querem mostrar, aprendi a calar. E a usar esse dom em prol do outro, para esclarecer, desmistificar, unir. Só me descobri mediadora quando uma amiga-irmã assim me definiu.
Acho que o mais importante é que descobri o sentido das dimensões, das parábolas, das fábulas, das alegorias. Ao me descobrir grande, pude me saber pequena. Sou apenas uma pequena peça na engrenagem perfeita de um Universo infinito. Onde cada um tem uma função definida e uma missão a cumprir. Talvez eu ainda precise descobrir a parte que me cabe neste latifúndio. Talvez seja apenas isso: ajudar alguns a enxergar melhor o próprio caminho. Ou desmitificar caminhos e tribos… Talvez seja apenas um teste de resistência: até onde sou capaz de ir sem perder o fôlego, o riso, a crença no ser humano…
Não importa.
O caminho se faz ao caminhar. E as respostas estão soprando com o vento. Há que calar pra poder ouvi-lo.
Enquanto escrevo, me vejo qual druida celta, com manto, cajado e foice curva na cintura, me embrenhando na floresta. Vou em busca das ervas da sabedoria, plantadas ao longo dos milênios pelos sábios de todas as crenças. Vou em busca das raízes atlantes, nórdicas, vedas, judaicas, indígenas, xamânicas, africanas, budistas, hindus, islâmicas…. Vou atrás da luz que se filtra entre as folhas e mostra as belezas naturais, esculpidas, pintadas, produzidas por gregos, troianos e romanos (entre tantos outros)… Vou seguindo a flauta de pan, a gaita de foles, o violão cigano, o piano mais doce…
Me perdoem a ausência de textos.
Me perdoem a vida em suspenso.
Na verdade, é o oposto disso: hoje eu vivo tão intensamente cada segundo. que fica difícil registrar apenas alguns deles. Coleciono afetos, lustro memórias, edito ofensas e frustrações. Tiro de cada coisa e de cada momento o que de melhor posso ter. E aceito que talvez ainda não seja a hora de receber alguns dos meus anseios. Por isso, continuo seguindo, em busca de me preparar para o momento certo…
E só posso encerrar deixando a benção celta:
E até que eu de novo te veja, que os deuses te guardem na palma das mãos….
31/01/2011