quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Eu tive um irmão

"Yo tuve un hermano.No nos vimos nunca pero no importaba.Yo tuve un hermano ..."
Julio Cortázar

Resgatado do Mural da Vila  em 15 de 09 de 2009.

* Josevita Tapety

Há 51 anos, aqui na cidade de Oeiras, nasceu Vicente Filho. Ainda não havia Hospital naquela época, mas
e dai? Percebo que pouca coisa mudou desde então. 

Profundamente chocada e triste com o que vem ocorrendo, e tenho tomado conhecimento desde que decidi mudar para minha cidade querida, resolvi desabafar num artigo sem qualquer pretensão literária. A escrita é, para mim, somente uma tentativa de compartilhar minhas emoções. 

28 de dezembro de 1958, por volta da meia noite, entraram em trabalho de parto, minha mãe e sua prima. Falta de estrutura hospitalar, inexperiência ou inabilidade, não importa! Fato é que apenas uma das crianças vingou. Meu irmão nasceu morto. Meu primo, Bill, que adotei como irmão, substitui o lugar de Vicentinho em meu coração e no da minha mãe. Mas eu tive um irmão! 

10 de dezembro de 2009, às 2 horas da manhã, Mayara, uma jovem de 16 anos entra em trabalho de parto e é levada ao Hospital Regional Deolindo Couto. Às 12 horas a criança é transportada para Picos por que, segundo soube, não chorou. Ficou lá internada, guardada numa caixinha de vidro, a menininha que, se tivesse sobrevivido, seria, certamente, mais uma deficiente. Dois dias depois o pai, jovem de 20 anos de idade, foi informado do óbito e de que teria que ir buscar a filhinha morta. Isso tem acontecido com tanta freqüência, meu Deus! A cada notícia dessas eu, sinceramente, passo dias triste, choro junto com tantos pais e mães que não conheço e nem sabem que existo. Choro por minha gente. 

Foi notícia no portal da Secretaria de Saúde do Estado do Piauí, Domingo, 22 de Março de 2009: 

O Hospital Regional de Oeiras Deolindo Couto, que atende a uma região com população estimada em 120 mil pessoas, acaba de completar 40 anos, comemorando o aumento na resolutividade dos casos de média complexidade, com redução da transferência de pacientes para hospitais de Picos, Floriano e Teresina. O hospital recebeu, no início deste ano, mais de R$ 800 mil em equipamentos e está sendo preparado para a instalação de uma semi UTI. **

Pois é! Ano passado o Hospital Regional Deolindo Couto, em festa, recebeu grandes nomes da Medicina Piauiense. Estiveram presentes as autoridades e expressões Oeirenses da Política Piauiense. Nobres e pobres, toda essa gente forte que sobreviveu ao nascimento, são a força que mantém de pé a tradição desta cidade, berço do Piauí. 


Queridos! É assustadora, alarmante, deprimente, dolorosa, angustiante a situação real dessa Unidade Hospitalar. Perdoem-me os queridos amigos, profissionais dedicados e conscientes que sei, são! 

Não posso aceitar o fato de, a cada semana, 3 ou mais crianças recém nascidas tenham que ser transportadas para uma incubadora a 80 km de distância, e, principalmente que ainda hoje, 51 anos após a morte de meu irmão, tantos sejam os óbitos ocorridos no parto, tantos sejam os casos de crianças com deficiência consequente de simples falta de oxigenação na hora do parto. Triste demais. 

Me falta também a mim o ar quando lembro: eu tive um irmão... 


* Josevita Tapety é Arquiteta




Comentários para esta notícia
  Nome: Ferrer FreitasCidade: TeresinaData: 15/12/2009 às 11:02:44
O comentário-denúncia da querida Josevita, merece uma reflexão profunda. Como pode um hospital, tido como regional, não oferecer condições, as mínimas possíveis, para um transtorno resultante de um parto? Ora, uma viagem de recém-nascido de quase 90 quilômetros, que o percurso para Picos, por si só diminui qualquer possibilidade de salvamento! Josevita faz bem em denunciar mazelas assim. Por essas e outras é que não há FÉ que contorne situações que não podiam mais ocorrer em Oeiras, "terra pra se amar com o grande amor que eu tenho."
  Nome: MARINACY GOMESCidade: OeirasData: 15/12/2009 às 13:26:24
A criança amada a qual se tornou um anjinho de Deus seria minha sobrinha neta (designação para os antigos) neta de meu adorado primo/irmão. A família ficou muito alegre com o nascimento, mas logo após tivemos a triste notícia de seu adeus... Ainda estamos magoados com essa falta de atendimento de nosso Hospital. Sei bem que não só minha família chora essa perda, mas muitas outras choraram, estão chorando e se ainda continuar com essa falta de aparelhos consequentemente muitas irão chorar. Mas pergunto: - E se acontecer com alguém da família de nossos queridos médicos? Não estou aq dizendo que estes são culpados, mas que devem pensar nisso e pedir urgência para que se tenha os meios necessários para salvar vidas. Hospital bem equipado trás respeito e avanço para uma cidade. Médicos competentes nossa cidade tem orgulho, mas estes precisam de bons recursos tecnológicos. Obrigada Josevita por ter feito esse desabafo-notícia. LEMBREM-SE: VIVAM E DEIXEM VIVER E AJUDEM OUTROS A NASCER E A SENTIR O GOSTO PELA VIDA!
  Nome: patriciaCidade: OEIRASData: 16/12/2009 às 10:21:35
PARABENS JOSEVITA NOSSA CIDADE PRECISA DE PESSOAS COMO VOCE SEM TER MEDO DE FALAR A VERDADE.COMO MUITOS TAMBEM JA CHOREI A PERDA DE PARENTE POR FALTA DE APARELHOS, MAS FICAMOS CALDOS GRAÇAS ADEUS VEIO VOCE PARA NOS AJUDAR NESSA BATALHA PARABENS PELO SEU TRABALHO.
  Nome: Adalgisa PavãoCidade: OEIRAS-PIData: 16/12/2009 às 11:59:51
Marinaci, não quera ser injusta. Não são os médicos e enfermeiros que devem providenciar a aquisição e montagem dos aparelhos.
é O DIRETOR DO HOSPITAL E O SECRETÁRIO DE SAÚDE DO ESTADO.
Os médicos não podem obrar milagres. Por isso encaminham para Picos ou Teresina.
Aqui não tem UTI.
Por favor!
  Nome: MARINACY GOMESCidade: OeirasData: 17/12/2009 às 11:00:43
Querida Adalgisa Pavão, se vc ler novamente meu comentário, verá que NÃO ESTOU DIZENDO QUE SÃO OS MÉDICOS CULPADOS , E SIM QUE OS MÉDICOS DE OEIRAS SÃO TODOS COMPETENTES E INTELIGENTES, E QUE ESTES SIM OPERAM MILAGRES, POIS AINDA SALVAM MUITAS VIDAS SEM RECURSOS VIÁVEIS, mas que eles devem exigir/solicitar aparelhos, pois somente estes sabem como é difícil trabalhar sem recursos necessários. Pois realmente quem deve disponibilizar tecnologia favorável são os responsáveis governamentais. Mas não custa nada os funcionários solicitarem (sempre) aparelhos. Quando trabalhamos em algum local, nós sabemos o que está faltando para fazer um bom trabalho, e da maioria das vezes os "responsáveis" argumentam que não são informados que está faltando algo e fica no esquecimento, ou ainda dizem que não receberam nenhuma solicitação. ESCREVI AQ APENAS PARA EXPOR A GRANDE PERDA OCORRIDA. Buenas gracias!
  Nome: Frederico BarrosoCidade: Oeiras-PIData: 02/01/2010 às 22:38:15
Josevita, li teu pretensioso artigo sem pretensões literárias. Às favas as pretensões literárias!!
Retorno à velha Oeiras após quase um ano. Confesso que minha saudade e motivação estão cada dia menores. Novamente não vi quase nada de novo. A cidade aparenta mau zelo. Talvez esteja enganado, ou tenha visto com muito apuro.
Apesar de conhecer profundamente a temática da mortalidade infantil, teu relato me chocou. Também tive um irmão, morto recém-nascido, por uma prematuridade que nos dias atuais, salvar-se-ia com facilidade. Aos 35 anos, fui novamente pai no dia 24 de novembro. Meu segundo filho herda meu nome, nasceu com boa saúde e bem cuidado em terras maranhenses. Compartilho da dor deste jovem pai ao receber o corpo sem vida de sua filha. Indigna-me.
Não sei como ou porque aconteceu este óbito, mas sei que, em dias atuais, é injustificável. Mais um óbito infantil a coroar nossas tristes estatísticas.
O presidente Lula elegeu como política prioritária de seu governo a redução das desigualdades regionais. Um dos indicadores que demonstram a brutal desigualdade entre Norte-Nordeste e Sul-Sudeste é o Coeficiente de Mortalidade Infantil. Nós, no Nordeste brasileiro, possuímos uma mortalidade infantil muito alta, impensável para os padrões de desenvolvimento do país. Parte desta mortalidade é justificável diante da prematuridade extrema, de malformações incompatíveis com a vida, de intercorrências gestacionais graves. Entretanto, a maior parte decorre de casos como o que relataste e que indigna a alma de todos nós. Para evitá-los o caminho é tortuoso, não necessariamente caro, mas possível. Investir em “atenção básica” - planejamento familiar, assistência pré-natal, assistência adequada ao parto e ao recém-nascido, com profissionais qualificados que empreguem práticas cientificamente comprovadas – é o que mudará esta triste realidade.
  Nome: Baltazar D.MonteiroCidade: Teresina-PiauíData: 04/01/2010 às 11:35:16
É Josevita, e pensar que lá deixei enterrados l3 anos, 18 dias e alguma horas no tempo de Badé, sou obrigado a concordar contigo em gênero, númaro e Degraus ao contrário, por que parece-me, o progresso no HRDC está se dando ao contrário. Que apareçam mais desabafos assim. Abraços DC.


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