quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

FORMALIZAÇÃO E TITULARIZAÇÃO IMOBILIÁRIA NA AMÉRICA LATINA


Josevita Tapety

As relações entre mercado imobiliário formal e informal são indicadores diretos da elevação do nível de renda e qualidade de vida da população. A partir dessa definição, compreende-se que a informalidade é reflexo da produção urbana dentro do sistema capitalista e, como tal, carece de estudos intensos e aprofundados a fim de se utilizar este elemento como fator determinante na diminuição das diferenças sociais.

" A informalidade não só é efeito, mas também causa da pobreza, na medida em que a população residente em áreas informais é capturada por muitos 'ciclos viciosos' que reiteram sua condição" Smolka.
A proposta de regularização da propriedade informal, ao tempo em que oferece paliativos à situação que vai do desconforto à miséria, institucionaliza as diferenças sociais na medida em que define bairros de pobres, construídos em sistema compatível com a renda familiar e capacidade de endividamento  para receber dessa população que, por sua vez irá, nesses distritos específicos, desenvolver serviços compatíveis com a vizinhança e entorno, ora distantes dos centros urbanos que redundam em altos custos de transporte, manutenção, infra-estrutura e serviços, ora na formação de bolsões de miséria melhorada ou assistida dentro do contexto urbano regular.

Através de programas governamentais  objetivando a diminuição dessas diferenças, os índices referenciados para a definição da situação da pobreza urbana  parecem ter-se alterado na última década. 
"Definitivamente, o crescimento espetacular do crescimento da informalidade, tanto nas periferias, como no adensamento de áreas já 'consolidadas' em grandes cidades latino americanas ( cidades como São Paulo e Rio de Janeiro) nas últimas décadas - período de notável queda das taxas de crescimento populacional e diminuição da imigração e relativa estabilização da percentagem de pobres - parece assinalar outros fatores explicativos além do aumento absoluto e relativo entre pobres urbanos: a falta de programas habitacionais, a diminuição de investimentos públicos em equipamentos urbanos e serviços e o próprio vicio do planejamento urbano. Todos  fatores que, definitivamente, incidem diretamente na oferta do solo urbanizado". Smolka.

Além da titularização da propriedade que atua como instrumento fomentador da diminuição das diferenças. O fator tributação define controladores de preços e investimentos e tem o poder de estimular o planejamento e investimento em qualidade de serviços, além de educar os cidadãos no sentido de compreender suas  obrigações e direitos no que diz respeito aos gastos públicos. No sentido da formalização da propriedade, os tributos tem o poder de influir diretamente no valor do solo como também pode ser agente de otimização do uso deste pois, da mesma forma que os tributos chamam a atenção da sociedade para contribuição, chama à responsabilidade os gestores  do bem público.

Há que se considerar, além das políticas tributárias e padrões urbanísticos referenciados como  adequados e dentro das normas aceitáveis para habitação humana, a flexibilização de tais padrões ante os investimentos de cada agrupamento social em anos de ocupação de setores em que determinados grupos sociais produziram espaços de convivência, soluções econômicas de sobrevivência e assumiram os custos (físicos, emocionais e sociais) dessas ocupações irregulares mas legítimas, face a ineficiência do Estado no seus papel de gestor do solo urbano.

Os padrões mínimos de serviços implantados versus padrões  resultantes da ocupação irregular na produção do espaço urbano carecem de estudo criterioso. Serviços anteriormente sob responsabilidade do Estado (água e esgoto, energia elétrica, coleta de lixo), em muitos municípios, passaram por processo de privatização e, com isso, os padrões propostos foram também reduzidos a fim de atender à meta proposta e compatibilizar custos com os efeitos da privatização.

As políticas e programas de habitação popular no Brasil e na maioria das cidades latino americanas tem resultado em importante redução do déficit habitacional. O sistema financeiro que atua como  regulador dos recursos para construção da casa própria, passou a gerir também os investimentos e fiscalizá-los ( como é o caso da Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil no programa Minha Vida).  O crescimento de bairros regulares, inseridos no contexto urbano através de programas governamentais, entretanto, tem-se transformado em núcleos desestruturados que resultam em guetos sociais. Esses espaços, na hierarquia social, estão um nível acima dos bairros e favelas resultantes de invasões em morros e beiras de rio no que diz respeito à propriedade e titularização da terra, ao tempo que a distância dos centros de negócios impõe, entretanto, maior custo de vida. O fato é que, além da construção da casa popular, os investimentos em infra-estrutura não acompanham o volume de financiamento de unidades habitacionais e adensamento de certas áreas de periferia. Por sua vez, a formalização da propriedade ocorre de forma ainda mais lenta.
É importante salientar que bairros irregulares não se constituem exclusivamente de pobres , conforme afirma Smolka, apesar da alta correlação entre pobreza urbana e assentamentos informais  e, segundo Durand-Lasserve , o mapa da ilegalidade corresponder, grande parte, ao da pobreza. No Brasil, o crescimento da população favelada aumentou cinco vezes mais que o número de pobres nos últimos 20 anos. No Rio de Janeiro, segundo Abramo( 2002), os investimentos em melhoria das favelas resultou numa valorização de 28% da propridade. Chama a atenção ao fato de que investimentos em urbanização da terra rústica por agentes privados chega a valorizar o patrimônio em até 100%.

Segundo Raquel Rolnik ( 1990) , 2/3 da população de São Paulo reside em situações que violam os códigos atuais de uso do solo e edificação. Certo é que esses assentamentos acontecem como resultado da dificuldade de acesso à propriedade nas proximidades dos centros comerciais e de negócios e se mantêm ilegais dado à ineficiência de todas as tentativas de levantar  os atuais índices através de programas governamentais.

Invasões nos centros urbanos, bases de morro e encostas, tem custo de melhoria e implantação de infra-estrutura muito superior ao custo de estruturação urbana planejada.  Pesquisas indicam ainda( segundo Abramo, 1999) que o custo de mão de obra para construir nas favelas do Rio é ao menos 10% superior  à do mercado formal. Além do custo ao edificar, reedificar e urbanizar, havemos que considerar também a baixa qualidade resultante no  setor formalizado sem planejamento e sujeito à permissividade política.
Conclui-se assim que investimentos em melhoria de assentamentos irregulares são mais caros, resultam em menos valorização do que investimentos em setores rústicos. Tais iniciativas, entretanto, contribuem para a melhoria geral da qualidade de vida da população e reverte algum investimento em favor das classes menos privilegiadas.

Na medida em que investimentos em melhoria dos bairros propiciam a elevação do valor dos imóveis irregulares, incrementa-se a comercialização desses imóveis e consequente transferência da população para setores mais afastados e mais baratos. Os bairros recem urbanizados passam a abrigar população de maior poder aquisitivo ao tempo que a anteriormente residente se transfere para mais distante. A partir desse fato, mais informalidade é gerada e novos investimentos são requisitados continuamente . A economia informal se mantém, institucionaliza-se e gera novas situações de informalidade, seguindo inclusive uma "lei " própria do mercado baseada na necessidade de sobrevivência e subsistência.
No Brasil, a ocupação supostamente programada, como é o caso das ocupações coordenadas pelo Movimento dos Sem Terra, invadem áreas de risco, limites de rodovias e beiras de rio. Formam aglomerados humanos em locais inadequados que, a curto prazo, constituirão aglomerados caóticos que, mesmo que passem por processos de formalização e titularização através de ações públicas.

Decisões políticas se sobrepõe aos estudos técnicos e a geram institucionalização de desordem urbana. A permissividade política de interesse eleitoreiro gera, portanto, situações de difícil solução a posteriori.
A discussão quanto à eficácia da regularização de assentamentos irregulares é tema que carece de atenção especial. A determinação do Plan de Accion del programa Cities without Slums ( 2001) que propos a melhoria da qualidade de vida para aproximadamente 1 milhão de moradias e 5 milhões de pessoas tem caráter humanitário além de político.  O investimento de 50% dos projetos financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento em programas de diminuição da pobreza resultou em urbanização e melhoria de assentamentos irregulares. Cabe discutir, além dos investimentos em melhoria e recuperação de assentamentos irregulares, o resultado desses investimentos no momento em que geraram novas demandas. Parece claro que a oferta adequada de terra urbanizada a preços acessíveis seria a solução definitiva para atender a necessidade da população crescente e anularia a necessidade da posse ilegal. O diagnóstico dos organismos internacionais de financiamento das cidades indica o investimento em regularização fundiária como elemento fundamental na diminuição das diferenças e tem sido implementado com o objetivo de modificar as situações de injustiça social. Entretanto, compreende-se hoje que  o efeito real desses programas não tem assegurado o efeito proposto mas, de fato, tem contribuído para a manutenção da informalidade e gera efeitos indesejados na medida em que mantém o ciclo de criação da informalidade e regularização com altos investimentos públicos.

O estabelecimento de uma cultura fiscal, onde a carga tributária seja adequada à capacidade de pagamento, em que a evasão de impostos seja mínima, incluídos os imóveis informais ( mediante avaliação específica que contemple as diferenças físicas entre os vários bairros, setores e situações de infra-estrutura existentes ou em projeto) em cadastro devidamente atualizado permitirão a ampliação da arrecadação ao tempo que propiciará ações públicas que resultarão em benefícios e possível redução da informalidade. Ainda não se identificam sistemáticas de controle sobre  os efeitos cíclicos desse procedimento.

Além do incremento do IPTU e instituição de Contribuições de Melhoria, a adoção de Outorga Onerosa deveria recuperar parte dos investimentos a serem realizados pelo Poder Público para suprir as demandas geradas pelas altas densidades resultantes de novos empreendimentos. Curiosamente, o Estatuto da Cidade, no Brasil, veda a utilização dos recursos arrecadados com a Outorga em implantação de infra-estrutura, que seria a demanda mais diretamente ligada ao aumento da densidade. Parece-nos justo e conveniente que quaisquer mais valias resultantes do processo de ocupação do solo sejam revertidas em alguma contribuição social. A ação dos governos municipais, mediante a adoção de políticas tributárias eficazes e contundentes sobre o valor da terra urbanizada, apesar da ingerência política, é agente capaz de realizar as propostas admitidas como forma de melhoria da qualidade de vida da população em geral.

 As parcerias entre governos municipais, estaduais e federais poderão assegurar acesso às linhas de financiamento que, somadas às sistemáticas de participação social de fato e efetiva e a políticas fiscais patrimoniais rigorosas, poderão gerar o desejado pacto social pela diminuição da pobreza e consequente transformação das cidades em organismos mais justos e equânimes, contanto que sejam estabelecidas regras que neutralizem as regras do jogo imobiliário urbano capazes de propiciar equidade e sustentabilidade às cidades.

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