quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Sistemas funcionais na agricultura do futuro




São amplamente conhecidos pelos agricultores modernos os principais aspectos relativos às técnicas e procedimentos criados pelo homem no sentido de se obter índices de produtividade agrícola compatíveis com suas expectativas. Da mesma forma, seria injusto dizer que a humanidade não conseguiu modificar os potenciais produtivos de espécies cultivadas, assim como um aumento expressivo das expectativas produtivas para o setor. Mesmo em áreas de agricultura tradicional, é evidente a utilização de modernas técnicas de manejo dos recursos envolvidos no processo produtivo como um todo. No entanto, mesmo diante de tantas inovações é também evidente a necessidade, cada vez maior, da intervenção de métodos mais aprimorados pela ciência, no sentido de conter o avanço paralelo do ataque cada vez mais intenso de agentes patogênicos que interferem nos índices de produtividade das lavouras cultivadas com interesse econômico.

Essas intervenções, invariavelmente, consistem em despesas crescentes e isso tem causado cada vez mais a perda da lucratividade das culturas exploradas pelo setor, ocorrendo de forma mais intensa a cada período, com exceção das localidades ambientalmente isoladas e que ainda conseguem manter expectativas de rendimento agrícola positivo – fato cada vez mais raro nas últimas décadas.

Conceito

O conceito básico do “Sistema Funcional de Cultivo Agrícola” tem como principal objetivo evitar a interferência de agentes externos na busca e manutenção de índices de colheita satisfatórios, ao mesmo tempo em que permite ao agricultor o seu aperfeiçoamento pessoal na observação constante do ambiente que o cerca, dentro de uma visão amplificada dos fatores que interferem em seu patrimônio vegetal. Tais procedirnentos, com absoluta certeza, permitem que os produtores estejam sempre um passo adiante das interferências naturais que possam diminuir seus índices produtivos, bem como lhes fornecem meios concretos de agir no sentido de corrigir, adequada e preventivamente, o processo evolutivo ambiental, de forma a minimizar o aumento de custos de manejo – inevitáveis nos sistemas modernos atualmente aplicados à agricultura.

 

Modernidade versus tradicionalismo

As técnicas modernas de produção agrícola, indiscutivelmeute, propiciam, num primeiro momento, um incremento significativo na produtividade das lavouras. Sobretudo quando uma cultura é introduzida numa nova localidade, constatam-se expressivos índices de rendimento nas culturas exploradas pelo homem, quando comparados aos lucros originais esperados. No entando, a partir de determinado momento, tem inicio um processo silencioso, porém contínuo, de interação ambiental que, também invariavelmente, leva os produtores a utilizar recursos externos voltados para a manutenção dos índices produtivos originais. Salvo em localidades específicas, esse é um fenômeno Já aceito como inevitável, pois o comprometimento dos produtores com a atividade faz com que deterrninadas medidas, ditas corretivas, sejam adotadas, sob pena de serem perdidos todos os investimentos anteriormente destinados à atividade. O conceito do Sistema Funcional de Agricultura tem como principal objetivo permitir aos agricultores a adoção de medidas concretas e eficazes no sentido de evitar os custos adicionais de adaptação ambiental de seus cultivos. Da mesma forma, esse sistema permite a utilização de modificações ambientais constantes e contínuas, de modo a retardar – e mesmo evitar – o estabelecimento de agentes patogênicos nocivos à atividade produtiva.

Ambiente dinâmico versus ambiente estático

O maior erro conceitual da agricultura moderna está relacionado com a desconsideração dos aspectos dinâmicos ambientais. Isto faz com que os produtores, crentes de que as soluções tecnológicas possam resolver todos os problemas que possam vir a existir em suas lavouras, deixem de analisar de forma permanente a evolução das alterações ambientais causadas pelo desenvolvimento de sua atividade. E como os processos ocorrem simultaneamente, existe sempre a possibilidade de que o desenvolvimento de condições ambientais favoráveis aos agentes patogênicos se instalem em sua lavoura, o que irá, certamente, levar a custos adicionais destinados à correção dos problemas que poderão surgir, naturalmente, em sua atividade. Esta é, em suma, a maior causa da perda de rendimento da agricultura moderna.

Agricultura Migratória versus Rotação de Culturas

No Brasil, é antiga a técnica da Rotação de Culturas. No entanto, ela é praticada de forma totalmente ingênua e limitada, uma vez que são, invariavelmente, eleitas duas ou três alternativas para o “descanso” das áreas, como se isso fosse suficiente. Da mesma forma, nessa técnica, parte-se do princípio de que os agentes patogênicos do meio ambiente são tão ingênuos quanto os agricultores. Isto, mais uma vez, gera custos corretivos crescentes, o que leva à diminuição dos índices de rendimento. E – como não poderia deixar de ser dito – tal fato é algo amplamente favorável às empresas que desenvolvem, produzem e comercializam os insumos necessários para as correções específicas para cada caso. A Agricultura Migratória, no entanto, engloba princípios mais amplos e profundos, o que, seguramente, irá evitar os custos adicionais de manejo e manutenção da rentabilidade agrícola como um todo.

Culturas permanentes

No caso de culturas permanentes, a diversificação de técnicas é ainda maior, visto que tem por objetivo a manutenção de lavouras ou pomares pelo maior tempo possível dentro de uma propriedade rural. Da mesma forma, isso se faz com o uso de procedimentos amplos e que considerem diversos fatores preliminares a cada ação efetiva. Salvo em localidades onde as condições ambientais sejam amplamente favoráveis às culturas perenes, essas ações devem ser cada vez mais intensas, de modo a permitir a manutenção dessas culturas na localidade sem custos adicionais significativos.

Dinamismo ambiental

Assuntos ambientais são hoje muito abordados pelos mais diversos segmentos da sociedade. Existe, na atualidade, um entendimento consolidado acerca de grande número de interações entre os diversos componentes do meio ambiente. No entanto, quando se trata de sistemas produtivos em agricultura, o que se nota é que, invariavelmente, o assunto é abordado de forma estática e – com absoluta certeza – essa é a principal fonte dos problemas de produtividade. Isto porque, na medida em que o assunto é visualizado de forma parcial, é notável a falta de foco na análise dos agentes causadores da diminuição progressiva dos índices de produtividade das lavouras – que reduzem, de forma signiticativa, os rendimentos finais da atividade agrícola como um todo – a não ser que sejam adotadas as já citadas medidas corretivas.

O fator solo

Na agricultura moderna, o solo deixou de ser um fator limitante. Devido a técnicas inovadoras desenvolvidas pela ciência dos solos, nos dias atuais o papel desempenhado por esse componente produtivo se limita apenas em ser uma base de sustentação das plantas de cultivo. Em algumas ocasiões – e para determinados tipos de lavoura – os agricultores, simplesmente, dispensam o uso do solo e, ao mesmo tempo, lançam mão de outros elementos, tais como a água, substratos pré-elaborados e outros elementos, naturais e artificiais. Tudo isso é válido, porém existem consequências da adoção desses procedimentos tecnológicos nos processos produtivos. E, invariavelmente, essas consequências se manifestam a partir de um determinado período quando, muitas vezes, é tarde para que sejam adotadas medidas corretivas com o objetivo de recuperação das plantas atingidas e debilitadas.

Matéria orgânica versus elementos químicos

Na correção e adaptação dos soIos para a exploração agrícola, são, atualmente, utilizadas metodologias desenvolvidas para fins específicos. Na maioria dos casos, alguns fatores preponderantes deixam de ser normalmente considerados e, como não poderia deixar de ser, os índices de produtividade das lavouras sempre tendem a diminuir – especialmente em regiões de clima tropical. As condições físico-químicas dos solos destinados aos processos produtivos apresentam comportamento dinâmico no decorrer do tempo, e quando se desconsidera esse fator, as consequências, sabidamente nocivas ao sistema produtivo como um todo, podem facilmente ser previstas.

Mineralização versus eutrofização

Os processos biológicos dos solos estão sempre relacionados com a temperatura ambiente. Nesse sentido, é evidente que a temperatura está intimamente relacionada com as condições climáticas de cada localidade. Seguindo o mesmo raciocínio, é fácil concluir que a imensa maioria dos solos brasileiros se encontra sob condições tropicais. Como consequência da interação entre a temperatura ambiente e o nível de desenvolvimento da microfauna e microflora dos solos, pode-se, da mesma forma, prever o comportamento dos solos em função das localidades onde esses solos estão situados. Ao mesmo tempo, outros fatores relacionados com a origem dos solos atuam no sentido de determinar seu comportamento ao longo do tempo, ou seja, não é difícil de se prever como um determinado solo deverá apresentar-se quando destinado ao uso agrícola. Assim, devido às elevadas temperaturas enfrentadas pelos solos situados em regiões de clima tropical, os processos biológicos aos quais estão submetidos são muitas vezes mais intensos do que aqueles constatados em solos sob clima subtropical ou temperado. Nesse sentido, a degradação dos solos tropicais é algo que sempre se pode esperar, sob a forma de mineralização natural dos componentes orgânicos do sistema. Ao contrário, é também natural a expectativa de enriquecimento orgânico dos solos situados em regiões de clima sub-tropical ou temperado devido às baixas temperaturas ambientais durante as estações frias do ano. Tais fenômenos, associados às chuvas abundantes e frequentes, normalmente esperadas para as estações quentes do ano, fazem com que seja também natural a expectativa de empobrecimento contínuo dos solos localizados em condições tropicais – tanto nos aspectos físicoquímicos, quanto no que diz respeito à presença de microfauna e microflora nesses solos. E, como não poderia deixar de ser, esses fatores interferem de forma negativa e progressiva na produtividade das áreas agrícolas localizadas em regiões tropicais – salvo quando são adotados procedimentos específicos de reposição da parcela de matéria orgânica ativa desses solos.

 

Agricultura orgânica

Existe hoje uma corrente fortemente ligada à Agricultura Orgânica no segmento agrícola. Essa é uma tendência que abrange, praticamente, todas as sociedades mundiais. Porém, quando utilizada de forma errônea, os resultados podem ser negativos, visto que elevados teores de nitratos, nitritos e outros compostos orgânicos são nocivos à saúde humana e ao sistema produtivo como um todo. Normalmente, os compostos ricos em nitratos são associados ao uso de fertilizantes químicos. Mas, em determinadas condições, pode também haver excesso de nitratos em culturas exploradas sob condições de cultivo orgânico – muito embora em dosagens sempre menores do que aquelas observadas na forma de manejo que lança mão de fertilizantes químicos altamente concentrados. Por outro lado, a corrente de pensamento que atua hoje junto ao segmento da agricultura orgânica possui uma forte tendência política, contrária a tudo o que venha a ser estabelecido de forma convencional. O ideal é a busca de um ponto de equilíbrio, onde não se causem danos ambientais – quando se busca obter produtividade na agricultura –lançando-se mão de procedimentos nocivos ao ambiente, às culturas exploradas com interesse econômico e à saúde humana e dos animais. Existe, também, muito interesse financeiro na exploração do mercado de produtos orgânicos como um todo, na medida em que é evidente o paradoxo entre menores investimentos versus maiores preços finais ao consumidor – mesmo diante de inquestionáveis índices de produtividade satisfatórios nessas atividades. Por esses motivos, é prudente que as pessoas ajam com muita cautela antes de aderir a correntes com forte conteúdo ideológico quanto os opostos ora constatados para o setor.

Reciclagem

Outra tendência amplamente observada nos dias de hoje é a reciclagem de resíduos orgânicos. O que, aparentemente, apresenta-se como uma solução, pode também ser visto como uma forma de concentração de agentes contaminantes, uma vez que o lixo urbano é, na sua imensa maioria, proveniente de resíduos de produtos obtidos através de métodos convencionais, ou seja, que utilizam, em larga escala, produtos nocivos e de origem química questionados pelas correntes ideológicas contrárias. Assim sendo, esse é um segmento que necessita de muito cuidado, sobretudo quando o produto final, devidamente reciclado, é destinado ao consumo humano e à restauração ambiental. Existem formas alternativas de utilização desses resíduos processados, de maneira a minimizar os impactos provenientes da reciclagem.

Mercado versus produto

Nos dias atuais, com o estabelecimento de princípios econômicos neoliberais (mesmo que de forma velada, em algumas sociedades menos esclarecidas como a nossa), o “Mercado” assume importância expressiva. Nessas condições, é normal a constante busca, por parte dos agricultores, de uma adequação a esse fator. Isto, invariavelmente, atua como agravante em termos de qualidade final e preço dos produtos, na medida em que os esforços direcionados no sentido da adaptação às exigências do mercado, levam a custos mais elevados, principalmente pelo fato de que o sistema como um todo funciona na contramão da lógica. Na realidade, o caminho deve sempre ser outro, com a busca de condições ótimas para que se obtenha um “produto” de qualidade espontaneamente satisfatória. Isto somente ocorre quando outros princípios norteiam os investimentos no setor agrícola.

Visão crítica e soluções específicas

Conforme já citado anteriormente acerca do nível de conhecimento de nossa sociedade a respeito dos fatores que interferem na produtividade da agricultura, é também evidente a falta de integração desse conhecimento para que se possa obter índices constantes e satisfatórios para o setor. Isto porque, invariavelmente, existe uma lacuna entre o conhecimento e sua difusão para os segmentos específicos como um todo, principalmente após o modelo de desenvolvimento adotado pela sociedade brasileira a partir do início de sua modernização. Dessa forma, e devido ao fato de que a política adotada no Brasil para o segmento agropecuário obedece a interesses difusos, não tem sido interessante unir as duas pontas, pois isso iria contra esses interesses. Ou seja, o conhecimento existe, porém não se encontra disponibilizado em sua plenitude para os diversos segmentos da sociedade – ao menos até o presente momento. O que mais carece ao nosso sistema produtivo é a articulação necessária e fundamental para que os índices produtivos sejam devidamente atingidos e mantidos no decorrer do tempo nas atividades agrícolas propriamente ditas.

Tecnologias sugeridas

Em termos de medidas técnicas, pode ser relacionada uma ampla gama de soluções – todas elas previamente analisadas diante de cada situação. De forma geral, essas medidas podem ser aplicadas na maioria dos empreendimentos agrícolas brasileiros, com grandes chances de sucesso duradouro para o produtor rural.
Neves Terriani Laera
Engenheiro Agrônomo
Créditos ➞ o presente post é composto pelo artigo «Sistemas Funcionais na Agricultura do Futuro», da autoria de Neves Terriani Laera, engenheiro agrônomoapresentado na Revista do CREA-RJ, nº 87, abril/maio de 2011, publicação oficial do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio de Janeiro, enviada a seus afiliados.
Para maiores informações ➞ Portal CREA, em: www.crea-rj.org.br
e-mail: portal@crea-rj.org.br
Imagens ➞ Revista do CREA, nº 87;  http://www.brasilautogestionario.org

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