quarta-feira, 2 de março de 2011

Um Ano sem o Espaço Arte...

"O medo é que mantém a nossa sociedade sob controle"

Publicada em 19 de Abril de 2010 às 01h52 

Foto: Arquivo Pessoal 
 Josevita Tapety
REFLEXÕES SOBRE O MOVIMENTO CULTURAL EM OEIRAS


Com projetos em várias partes do Brasil e em países como a Eslovênia, a arquiteta, Urbanista e produtora cultural Josevita Tapety  deu um incentivo muito grande ao trabalho de muitos artistas, sobretudo os músicos, ao criar o Espaço Arte e a Casa dos Músicos, um espaço onde eram ensinada técnicas musicais e onde cantores podiam realizar ensaios e aperfeiçoar seu trabalho.

A casa localizada na Praça das Vitórias fechou suas portas recentemente. Mas Josevita Tapety continua com o seu trabalho, visando enriquecer e fortalecer a cultura oeirense.

Confira a entrevista realizada com este grande nome da cena cultural oeirense.




Mural da Vila - O que é espaço arte?

Josevita Tapety - É o encontro de artistas. Espaço, então, não é um lugar físico. É uma força. Essa força se revela com o potencial criativo, a coragem, a motivação e a necessidade de se expressar que há em gente criativa. Qualquer pessoa é criativa. Tem apenas que libertar o potencial e se permitir. Espaços Arte existem em todo lugar. Eu mesma já pude participar de três. Um na Eslovênia, e dois aqui no Brasil. Tenho tido experiências maravilhosas.

MV - Por que essa dedicação à arte? De onde vem?

Josevita- Sinto o potencial das pessoas e desejo vê-los libertos. Expresso, esse potencial se transforma em arte completa. E aí a gente tem que considerar o conceito de que toda obra de arte só se completa quando é compartilhada. E de que cada obra de arte só se sublima quando as pessoas a recebem e apreendem. Cada vez que se permite que a arte se expresse, como por mágica ou força natural, contagia e se expande.
Em Maceió trabalhamos o espaço arte que se Chamou Café Concerto. Foi apreendido e se desenvolveu em vários lugares. Continua crescendo. Em Recife, a cidade inteira pulsa. Olinda também. Em Pernambuco, os Espaços Arte surgiram em várias formas. Tive a oportunidade de participar de muita coisa. Pude compartilhar arte com muita gente especial desde criança: Balé Popular do Recife, Escola de Frevo com Antonio Nóbrega, teatro com José Pimentel , história do teatro com Ariano Suassuna, canto coral com o Madrigal de Recife, piano no Conservatório Pernambucano, pintura e desenho artístico no Liceu Pernambucano, obras participando no Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco e Museu do Estado de Pernambuco, patrimônio arquitetônico José Luiz da Mota Menezes e Geraldo Souza, arquitetura com Janete Costa...Essas oportunidades que a existência me proporcionou foram dádivas imensas. Agradeço todos os dias a Deus pelas oportunidades que Ele tem me proporcionado.
Em Oeiras, sei que a semente plantada está germinando. Em breve os estímulos se revelarão. O potencial criativo é imenso. Especialmente intenso em literatura e música, as mentes brilhantes tem-se formado e informado apesar da inércia geral, provavelmente forçada pelo poder por causa do medo da mudança.
Mas, como disse o poeta, o novo sempre vem. Apesar de sermos os mesmos e vivermos como nossos pais.
Novidade nenhuma! Todo potencial criativo é castrado pelo medo, pelo egoísmo, pelo egocentrismo. A qualquer momento as pessoas conscientes de seu potencial podem se libertar, produzir, e ter resultado de seu trabalho. Resultado financeiro, também.

MV - Falam muito da inveja que entrava o desenvolvimento de Oeiras...

Josevita - Não é inveja não! É medo! Insegurança. Tudo reflexo do medo. Isso tudo é imposto pela educação repressora, castradora, baseada em culpas e em nãos. Acredito que todos os artistas, músicos, poetas, literatos, professores que aproveitaram momentos de espaço criativo receberam – de uma forma ou de outra – o estímulo. Às vezes essas propostas demoram um tempo para maturar. É difícil mesmo sair da inércia quando algo, ou alguém, impulsiona para frente e todo o contexto social prende, amarra, acorrenta e escraviza. Não aceito inveja. É apenas medo. Por que é o medo que mantém a nossa sociedade sob controle. As pessoas NÃO pecam com medo de ir para o inferno. Não amam com medo de pecar. Não fazem com medo de ser reprimidos. Não participam por medo de ser criticados. Não se pronunciam com medo de serem perseguidos. Outros perseguem com medo de mostrar suas fraquezas. Não permitem que outros realizem com medo de deixar óbvia sua fragilidade e inconsistência.
Os que esperam o trem parar para saltar? Tiveram medo também. De se lançar. De bengala, tem-se que descer do trem parado ou se segurando em algo ou em alguém. Isso também é natural e compreensível. Mas isso também abre um espaço ao novo. É muito difícil mesmo aceitar as próprias fraquezas e dificuldades. E sempre que aparece alguém para mostrar alguma fragilidade, é natural que as defesas se armem. Também e de novo por medo.

MV - O que foi feito da Casa dos Músicos?

Josevita - Casa dos Músicos é o espaço de valorização do músico como profissional. Também não é um espaço físico específico. É Oeiras inteirinha. As pessoas se dispersaram e se expandiram. Os talentos continuam se desenvolvendo. Logo que iniciamos, conseguimos identificar e reunir mais de 100 talentos em atividade. Outros mais de 200 ainda adormecidos, porém conscientes. Selecionamos 150 jovens de mais de 200 inscritos num programa de iniciação musical (técnica), com orientação profissional. Jovens e adolescentes que desejam fazer música continuam receptivos e abertos ao aprendizado de música como forma de expressão. Conseguimos fazê-los despertar. Precisam agora de um tempo para descobrir o que vemos neles e, de certo, ainda não se deram a oportunidade de desenvolver. O que é necessário compreender é que, como toda forma de expressão e comunicação, precisa ser feita de forma profissional e certa. Questão de eficiência. Só assim se expande. Da mesma forma que em literatura se estudam os clássicos da literatura, de Camões a Eça, de Cecília Meireles a Drummond, a Torquato, é necessário se estudar de Bach, a Debussy, a Gil, Caetano e Elis Regina e Cássia Eller, Cazuza e Los Hermanos. Também música japonesa, européia, latina, e grandes talentos que tem tudo a ver com nossa herança cultural musical também na África, como Lokua Kanza, Eneida Marta, e outros muitos artistas brasileiros, norte americanos... Música indiana, chinesa, árabe, irlandesa ou alemã...
O universo de comunicação da música é o mundo inteiro e além das fronteiras terrenas. Provavelmente o verdadeiro esperanto.



MV – Você tem ensinado técnicas de criação e desenvolvimento de produtos a artesãos, jovens e adolescentes. Vê algum resultado desses 3 anos de trabalho?

Josevita- Sim! Resultado houve. Sinceramente, percebo o nível de receptividade ainda aquém do que eu acredito: o potencial criativo de todos que vieram ao nosso encontro. Tudo o que diz respeito à auto-estima exige um processo árduo de auto-conhecimento para se superar as barreiras, cortes e apenas a partir daí se promover a liberação do potencial criativo. Primeiro, acima de tudo, toda libertação tem que ser resultado de busca pessoal. O crescimento intelectual é produto de exercício mental. O crescimento emocional é produto de exercício do amor, do compartilhar. Isso está acima de qualquer posicionamento egocêntrico, ou vaidade, ou necessidade de superar o outro. As superações reais são pessoais e intransferíveis.
Nos nossos treinamentos, além de ensinar trabalho prático, empregamos técnicas voltadas ao auto - conhecimento. Dinâmicas de grupo para liberação do poder criativo: meditação , chi kung e feng shui auxiliam na liberação das tensões corporais que resultam de pressões e tensões emocionais. São métodos desenvolvidos especialmente para o homem contemporâneo. Aprendemos com mestres em terapia especializados em auto - conhecimento como força de cura. Enquanto artistas e terapeutas utilizamos essas técnicas nos treinamentos de arte e música.
O medo de mudança, de enfrentar o novo e se lançar além das fronteiras do Mocha e do Canindé, lançar-se além, é forte demais. Sempre que alguém se propõe a mudar, todas as forças estagnadas e repressoras reagem de uma forma intensa e, como os agentes de transformação são crias desse poder mantenedor, fica realmente muito difícil sair do marasmo. Fica difícil acreditar no próprio potencial. E tem um agravante exterior. A necessidade de manter o potencial criativo adormecido é a principal forma de manutenção do poder instituído. Tudo é coordenado e gerido de forma a se manter como está. Provavelmente essa gestão é mesmo inconsciente. Quando as barrigas estão cheinhas, as despensas, cofres e colchões abarrotados, fica mesmo difícil perceber que alguém ali na frente, uma pessoa pode não ter nada. Como perceber isso? A mente diz: minha necessidade está suprida. Sabe aquela coisa da pimenta no olho do outro? É por aí...No momento em que o poder inebria, tudo o que há em nível de consciência permanece entorpecido. Quem não tem nada, fica preso a pequenos valores, preso às necessidades mínimas de sobrevivência e não se permitem contemplar as grandes realizações de que são capazes. Quem tem tudo, não consegue perceber o tudo que falta para o outro. Está saciado. Mas o todo – a existência - percebe e se ressente. Compartilha e se espalha também isso mantém a estagnação geral. Hólos... O universo é o todo.
As pessoas vão reagir dentro de seu próprio tempo, respeitando os próprios limites.

MV- E o espaço arte foi pro espaço?

Josevita - (risos)  O espaço arte é o espaço. Saiu de uma casa e tomou o inconsciente coletivo. Não cabe mais em quadrado nenhum. Seremos felizes!


Fonte: Da Redação  |  Edição: Lameck Valentim

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