terça-feira, 15 de março de 2011

Os financiamentos insustentáveis do BNDES na Amazônia

Karina Miotto Fev 01, 2011

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“A preservação, conservação e recuperação do meio ambiente (são) condições essenciais para a humanidade. Por isso, o desenvolvimento socioambiental é uma diretriz estratégica e se reflete na política de financiamentos do banco”, afirma o site do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que tem capital o sobra para investir no progresso do país. Nos oito anos do governo Lula (2003-2010), seu orçamento girou em torno de R$ 500 bilhões. Especialistas afirmam que 79% deste valor foram destinados a grandes empresas, sendo que 60% para as áreas de mineração, siderurgia, pecuária, metalurgia, etanol, hidrelétricas, petróleo, gás, papel e celulose. Tais investimentos, em sua maioria, não caminham pela via da sustentabilidade, e prejudicam a Amazônia não apenas brasileira, mas nos outros países vizinhos.

Aportes do BNDES por setor
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No Brasil, um dos casos mais recentes foi o aceite do BNDES em financiar até 80% a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (Pará). Ao contrário do compromisso ambiental estampado em suas propagandas, não se importou com o fato de que durante a maior parte do ano a usina só vai produzir 40% da energia prometida; que o custo total é incerto (fala-se em R$ 19 bilhões, mas pode chegar a 30); que Belo Monte vai afetar povos indígenas; que o estudo de impacto ambiental foi contestado por 38 especialistas; que há incertezas sobre áreas a serem alagadas; que espécies endêmicas desaparecerão.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o BNDES declarou que “o cumprimento de exigências socioambientais e trabalhistas é condição básica para o desembolso de financiamento do BNDES a todo e qualquer projeto. Entre essas condições, destaca-se o licenciamento ambiental aprovado pelos órgãos responsáveis”. Mas, para especialistas, isso não basta. “O BNDES não pode dizer ‘se está ok para o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ok para banco’. O BNDES precisa contribuir para que a legislação ambiental seja cumprida e não o contrário. Todos sabem o quanto estas hidrelétricas são questionáveis. Além disso, Belo Monte tem mega riscos e micro juros. Como é possível?", pergunta Gabriel Strautman, secretário executivo da Rede Brasil, sobre Instituições Financeiras Multilaterais. “Tem um mundo de interesses que este tipo de empreendimento movimenta” afirma Ricardo Verdum, assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Em dezembro de 2010, a Amigos da Terra-Amazônia Brasileira e a International Rivers divulgaram o relatório “Mega-projeto, Mega-riscos”, com análises sobre riscos de investimento nesta usina. O documento foi enviado ao BNDES, que não se manifestou. No mesmo mês e antes de o Ibama liberar oficialmente qualquer licença de instalação, o banco anunciou o empréstimo-ponte de R$ 1,087 bilhão para Belo Monte – e foi imediatamente contestado pelo Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA). Em novembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou um estudo afirmando que a a política oficial de financiamento do BNDES não tem sido suficiente para estimular práticas econômicas sustentáveis.

Investimentos insustentáveis

Investimentos do BNDES na região norte do Brasil em 2009.
Um dos enfoques do relatório do TCU é a pecuária. No Brasil, entre 2005 e 2010 o BNDES investiu R$ 12 bilhões em empresas frigoríficas que operam na Amazônia, mesmo sabendo que a atividade é um dos principais vetores de desmatamento. Em 2009, o Greenpeace e o MPF-PA divulgaram que frigoríficos financiados pelo BNDES compravam gado de fazendas em áreas desmatadas ilegalmente e cujos proprietários estavam na lista suja do trabalho escravo. Só aí, então, o BNDES cobrou que não comprassem gado desses locais. A pecuária é responsável por 85% do que já perdemos de floresta.

Foto aérea da Usina Hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira (Rondônia). Foto: Ricardo Stuckert/PR
As hidrelétricas Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira (Rondônia), também receberam financiamento do banco. De acordo com a Comissão Missionária Indigenista (CIMI) e Comissão Pastoral da Terra (CPT), desde sua construção Rondônia já presenciou epidemia de dengue, migração de milhares de pessoas, hospitais lotados, uso de drogas e prostituição infantil, além de impactos às populações tradicionais. Uma investigação da ONG Repórter Brasil denuncia, inclusive, aliciamento de trabalhadores que pagam para garantir o emprego nas obras e são despedidos logo depois. Além do impacto ambiental causado por obras deste porte, este é um belo exemplo de caos social.

Em 2008 o BNDES assinou o Protocolo Verde, cujos signatários se comprometem com "o desenvolvimento sustentável que pressuponha a preservação ambiental e a contínua melhoria no bem estar da sociedade”. Mas a existência deste protocolo não impediu atrocidades em termos de financiamento. “Basta comparar o que ele diz com o que ocorre na realidade”, afirma Roland Widmer, coordenador de Eco-finanças, da Amigos da Terra.

Diversos especialistas, incluindo os que fazem parte da Plataforma BNDES, criada para monitorar e pressionar a democratização do banco, afirmam que ele tem problema crônico de falta de transparência. Ninguém sabe dizer, em detalhes, como o banco avalia os riscos financeiros, impactos sociais e ambientais para aprovar as obras que financia. “As informações do site são insuficientes”, diz Gabriel. “O uso de dinheiro público é uma questão constitucional, esta informação deveria ser pública”, afirma João Roberto Lopes Pinto, cientista político e professor da PUC-Rio. Questionado pela reportagem sobre critérios utilizados para aprovar o financiamento a Belo Monte, o banco limitou-se a enumerar o que entende por benefícios da usina, como geração de energia e de empregos.

“Em 2010, os desembolsos do BNDES atingiram R$ 168,4 bilhões, um aumento de 23% em relação a 2009. É o segundo maior banco de desenvolvimento do mundo.” (fonte: BNDES)
Além do Protocolo, em 2010 o BNDES recebeu mais de R$ 1 bilhão do Banco Mundial para, entre outras coisas, formar uma nova política ambiental. O BNDES também é gestor do Fundo Amazônia, cujas doações devem ser destinadas a, em suma, projetos ligados à conservação da biodiversidade. “Isso tem forçado um debate interno no banco, o que pode vir a ser positivo para que adote critérios mais firmes de sustentabilidade socioambiental nos empreendimentos que financia”, diz Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA).

Além das fronteiras

O BNDES financia empresas brasileiras envolvidas em obras igualmente impactantes na Amazônia de outros países. Uma das razões é aumentar a hegemonia do Brasil na América do Sul. Onde quer que exista uma grande empresa brasileira com atuação na região, pode haver financiamento do BNDES. O banco afirma que não está envolvido com projetos de hidrelétricas no Peru, mas especialistas negam. “É conveniente falar que não para evitar pressão da sociedade civil”, diz Strautman.

Canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira (Rondônia). Foto: Ricardo Stuckert/PR
Boa parte de seis usinas previstas podem vir a custar U$ 16 bilhões. A Inambari vai inundar mais de 46 mil hectares de floresta. A Paquitzapango impactará 17 mil Ashaninka, o maior grupo indígena da Amazônia peruana. “Muitas dessas obras têm sido feitas sem planejamento adequado e não são do interesse do Peru“ afirma Marc Dourojeanni, presidente da Fundação ProNaturaleza. “A impressão que dá é de gerência do Brasil em projetos nos países vizinhos. A soberania alheia deveria ser respeitada”, afirma João Roberto.

O banco também está cobrindo os custos da estrada Villa Tunarí-San Ignácio de Moxos, na Bolívia, que deve ligar os vales bolivianos à Amazônia, via apoio à construtora OAS. “Temos que ficar de olho para que não reproduza lá fora o que tem feito aqui dentro”, afirma Strautman.

O BNDES precisa avaliar melhor o que financia. “O banco tem potencial para ser indutor de sustentabilidade no Brasil e em outros países”, afirma Roland. “É preciso que seja mais analítico e menos uma máquina de emprestar dinheiro” complementa Pedro Bara, líder de estratégia e infraestrututra do WWF na Amazônia.

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