terça-feira, 24 de abril de 2012

Águas da memória: uma reflexão do mundo navegando pelo Mocha


Stefano Ferreira*

Era quase a hora do início da procissão do fogaréu em Oeiras quando adentrei a fria sala de reuniões da CDL/ASCOM. No hall, um banner anunciava a exposição do cronista Rogério Newton que encontraria lá dentro. Mesmo assim, jamais imaginei o que iria ver ao abrir a porta de acesso. No centro da sala, um grande galho seco tornava a sala quadrada m círculo, pois era preciso caminhar de forma circular para vislumbrar as fotografias expostas nas paredes. Fui caminhando e, em cada foto, uma reflexão dolorosa sobre nossa crueldade com o riacho mocha, dava abertura para que eu pudesse pensar na água de maneira mais universal.

Em cada parada, paisagens de uma Oeiras que está em nossa frente e que muitas vezes não conseguimos enxergar. Estradas rurais, o leito do Mocha antes da mutilação, lavadeiras a “bater” roupas nos lajedos molhados, a ponte grande com suas “bocas” onde o riacho corrente desfilava , marias- moles coloridas e trocos centenários, friamente cortados.

No chão, folhas secas davam a tônica do tema, pois quando pisadas, emitiam um som seco, como o da matraca que gritava no patamar da igreja.

Entre lascas de madeira, folhas e telhas, uma fonte de água nos fazia lembrar o olho d’agua que outrora fazia a alegria das crianças e matava a sede de homens e animais. O som era doce e ao mesmo tempo cruel. Era como se ali pudéssemos ouvir a voz das águas que ignoramos no nosso dia-a-dia de desperdício. Em todo o ambiente, o cheiro do alecrim... Uma verdadeira experiência sinestésica.


ph Stefano Ferreira

Percebi na exposição do Rogério Newton, uma crônica imagética de caráter ecológico, porém sem parecer um manifesto. Uma reflexão a partir dos sentidos. E tudo isso me fez pensar no cronista refinado que é, pois o cronista é aquele que percebe, na realidade, a poética que a maioria não consegue ver, mesmo em fatos dolorosos e faz uma reflexão tocante quando muitos ignoram o que vivenciam.

Já no sábado da missa do romper da aleluia, voltei ao local. Lá me deparei com o cronista. Sentado em um banco de madeira, perguntei ao mesmo se todas as folhas do chão, os galhos secos e o alecrim, seriam levados para a ambientação da exposição na capital, Teresina. Rogério com um sorriso límpido e um olhar profundo me respondeu:
– Não, vão voltar para a natureza.

Assim, depois de fotografar pela última vez o espaço, saí convicto de que a exposição partiu de um tema local para uma temática universal: A sustentabilidade através das reminiscências do fotógrafo.
Ainda hoje estou sentindo o cheiro do alecrim e o som da água a me inquietar. Ainda fico cá a pensar sobre minha responsabilidade perante a tudo que vemos e fingimos não ver.

*Stefano Ferreira é poeta, jornalista, professor e fotógrafo

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