quinta-feira, 19 de abril de 2012

Financiamento urbano e organismos multilaterais

Josevita Tapety*
Artigo publicado em 27/11/2006 - 11:03. Fnt

Escher.


O equilíbrio financeiro dos municípios brasileiros, em sua maioria, está longe de ser alcançado, apesar das amplas discussões e estudos sobre a problemática em todos os níveis e setores. A gestão municipal ainda com a maioria dos municípios baseada nos modelos arcaicos da administração, enfrenta problemas sérios de ajuste de receita e contas, tal como nos demais países latino-americanos. Sistemática e programaticamente ainda fora dos padrões da modernidade onde a informática permite eficácia e controle precisos, a administração pública municipal carece de inovação, metodologia e capacitação de pessoal em gestão pública. 

A postura da maioria dos chefes de executivo, geralmente direcionada às praticas controladoras para manutenção do poder, implica em distorções no uso dos escassos recursos oriundos da esfera federal. Há prevalência da motivação política sobre quaisquer decisões que necessariamente deveriam ser acima de tudo administrativas e baseadas em sério planejamento estratégico. Há que se considerar também que, a cada dia, o nível de informação da população propicia a participação da sociedade organizada nos destinos da cidade – sua casa, e esse conhecimento habilitam a participação da comunidade na tomada de decisões. O não acesso a essas decisões e falta de transparência na administração pública leva à descrença nos poderes estabelecidos e conseqüente dúvida e receio no momento da contribuição fiscal. È nesse momento que a fonte de financiamento das municipalidades, que deveria ser um grande recurso no desenvolvimento auto-sustentável, se demonstra pobre e pouco eficiente. 

No Estado do Piauí, municípios com mais de 20.000 habitantes, obrigados pelo Estatuto da Cidade a elaborar seus planos diretores de forma essencialmente participativa, após vencido o prazo limite estipulado pela lei ( 10 de outubro de 2006) ,continuam com imensa dificuldade em realizar a tarefa tão simples e necessária de planejar seu desenvolvimento. Devido à total ineficiência com relação ao ato de planejar de forma consciente, sequer mapeamentos adequados estão disponíveis para que o território urbano e rural sejam definidos, ordenados e dimensionados. 

Nossa experiência enquanto planejadores têm mostrado que a principal chave para que se alcancem resultados positivos na concepção da cidade como entidade organizada, equilibrada e sustentável é a participação social na tomada de decisões. Desde o conhecimento da realidade geográfica, ambiental, histórica e sócio-econômica até a administração dos recursos destinados a investimentos, pagamentos de contas e principalmente consenso quanto à forma de financiamento da municipalidade. Muitas vezes, a população de uma comunidade não tem consciência da hierarquização estrutural do abastecimento de água, esgoto, energia elétrica, telefonia, arruamento, áreas de risco, áreas de criminalização etc. As informações espaciais representadas em mapas, mostrando a realidade físico-espacial para a comunidade, facilitam a compreensão e o apoio das lideranças até do morador mais simples para cobrar solicitações políticas de mudanças que levariam a cidade a situações de risco no futuro. È elemento convincente o suficiente para inclusive justificar a cobrança de contribuições e capaz de viabilizar importante fonte de financiamento da cidade. *4 

A receita municipal em municípios não industrializados ou dedicados à produção no setor primário praticamente se mantém graças aos fundos de participação dos municípios que, por sua vez, atende apenas ao pagamento de salários, em sua maioria pago de forma improdutiva e ineficiente. A pequena remuneração a cargos e funções não produtivas inviabiliza a contratação e manutenção de equipes permanentes, capazes de dar suporte ao poder executivo na elaboração de propostas organizacionais e desenvolvimentistas. 

As municipalidades, como principais fontes empregadoras, em geral gerenciam seus recursos como forma de manutenção do poder, pagando salários abaixo do nível mínimo estabelecido por lei. Dessa forma mantém parte da população sob controle e impedem a conscientização para a participação no processo gestor e planejador. Os recursos humanos existentes, apesar de toda capacidade criativa inerente ao povo sertanejo pela busca da sobrevivência em condições tão árduas têm pouca possibilidade de aperfeiçoamento e profissionalização através de cursos específicos. 

Reportes recentemente divulgados nos sites da ONU (UM-HABITAT) no Brasil *¹ informam sobre a tendência dos países desenvolvidos e o apoio da comunidade científica ao sistema de governo participativo, pela erradicação da pobreza urbana, melhoria da gestão do ambiente urbano e contribuir para a divisão equânime da mais-valia. Municípios interessados em compartilhar experiências têm sido considerados parceiros em que se tem articulado grupos de trabalho, intercâmbio de experiências, processos de capacitação além de diversas atividades em âmbito nacional ou regional. Através desses programas reúnem-se entidades não governamentais, associações de moradores, a iniciativa privada e a administração pública municipal no desenvolvimento de propostas e sistemáticas de ação de acordo com cada municipalidade, a exemplo da ASMOCOM em Fortaleza-Ceará. São constatados como positivos os exemplos desse tipo de postura em muitos outros municípios brasileiros que trabalham de forma participativa desde o planejamento até à administração do orçamento. Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e alguns municípios de pequeno porte têm utilizando os princípios da economia solidária (Singer, Paul. )em práticas modernas de administração participativa. Comunidades organizadas em setores específicos, fazem uso da consciência cidadã a serviço do poder público, contribuindo de forma sábia, propondo soluções eficazes para muitos dos problemas que, enquanto discutidos apenas em nível acadêmico ou técnico deixariam de lado as saídas mais simples. 

O planejamento de um conjunto de metas e objetivos consolidados através de pactuação viabilizarão, em médio prazo, a implementação progressiva da interação entre os diversos agentes de desenvolvimento da cidade: comunidade, poder executivo, legislativo e setor produtivo. *² A participação do empresariado como agente de desenvolvimento, na medida em que assume seu papel como contribuinte consciente, torna-se um agente educador, gerador de recursos financeiros e estimulador da capacitação dos recursos humanos e do potencial produtivo da cidade. No sentido de estimular essa conscientização, agentes internacionais (BID e Instituto Ethos)*³ lançaram programa de mobilização e capacitação de Pequenas e Médias Empresas em responsabilidade social. O objetivo é disseminar, o conhecimento sobre responsabilidade social e ampliar as oportunidades de mercado de Pequenas e Médias Empresas dentro do compromisso de trabalhar para a incorporação e ampliação da gestão socialmente responsável. 

Conclui-se, portanto, que a tendência mundial quanto à administração da cidade é a busca da participação social como forma de se atingir de maneira mais eficaz e responsável os objetivos comuns, definidos pelos agentes em conjunto, de forma que a pactuação quanto às necessidades, prioridades, projetos e formas de investimento agreguem a todos também para se obter recursos financeiros para financiamento dos municípios. 

A Arrecadação fiscal, no que tange ao pagamento de tributos municipais (imposto predial e territorial, imposto sobre a transferência da propriedade, contribuições sobre investimentos) será mais eficiente a partir do momento em que todos tomem parte do processo. A compreensão da realidade socioeconômica através da administração participativa, transparência nas prestações de contas e investimentos, enfim, a pactuação social é que viabilizará o crescimento auto-sustentável e a gestão da cidade moderna. 

A implementação dos Planos Diretores Participativos e a obrigatoriedade do Planejamento Urbano prevista no Estatuto das Cidades representam o passo mais importante no desenvolvimento urbano da maioria dos municípios brasileiros: o instrumento de articulação, mobilização e planejamento pactuados. 


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