segunda-feira, 2 de abril de 2012

Como irrompeu na evolução o Homem Novo

Procissão de Passos. Oeiras - PI. 2012  Foto. Emanuel vital

02/04/2012
A Semana Santa é considerada pelos cristãos das várias Igrejas como a Grande Semana. Celebra-se na Sexta-feria Santa o processo judicial e a execução na cruz de Jesus de Nazaré e a irrupção do homem novo pela Ressurreição, no domingo de Páscoa. Há ai uma antecipação em miniatura do fim bom de todo o processo evolucionário. Essa é a fé dos cristãos. Oferecemos, numa linguagem não religiosa, o conteúdo religoso desta fé e desta esperança: LBoff
       Como todos de sua vilazinha era pobre. Como carpinteiro e camponês da fértil região da Galiléia, ajudava a família com seu trabalho.
Era visionário e grande contador de histórias. Mas não sonhava com outros mundos nem contava histórias desligadas da vida cotidiana. Queria este mesmo mundo, mas transfigurado. Se sonho era que a justiça, o respeito, o amor, a misericórdia e o perdão prevalecessem sobre o ódio, o egoismo e a arrogância. As relações deveriam ser de profunda igualdade. Ninguém deveria ser chamado de mestre, de chefe e de pai. Os que mandavam não mandavam. Serviam a todos. Misteriosamente tinha poder sobre dimensões sinistras da existência. Por isso curava cegos, purificava hansenianos, tocava a pele das pessoas que todos evitavam. Assim, pelo toque da pele, fazia com que elas se sentissem parte da humanidade e não excluídas dela. Chegou até a ressuscitar mortos: o filho da viúva de Naim e Lázaro, o irmão das amigas Marta e Maria. E ousava até perdoar pecados. Quem se sentisse mal com Deus e estava disposto a mudar, ouvia dele essas consoladoras palavras: “Teus pecados te são perdoados; vá em paz”!
Conhecia profundamente o coração das pessoas. Por isso, não julgava ninguém. Compreendia e mostrava misericórdia. Sua atitude base era essa: “Se alguém vem a mim, eu não o mandarei embora”. Pouco importava quem fosse, crianças, um oficial romano, um rico fiscal de impostos, de nome Simão ou um teólogo envergonhado, Nicodemos.
Certa feita, uma mulher foi apanhada em flagrante adultério. Todos queriam apedrejá-la. A lei assim o prescrevia. Ele ficou de cócoras na areia. Começou a escrever os pecados de todos os presentes. E estes iam saindo cabisbaixos, um a um. Até que ele ficou sozinho com a mulher. Com ternura lhe disse: “Mulher, alguém te condenou? Fêz-se longo e constrangedor silencio. “Eu também não te condeno. Mas não faças mais isso”.
Sonhava com uma solidariedade sem limites. Até para com os inimigos manifestos e tidos com hereges como os samaritanos. Se um deles estiver caído na estrada, seu conselho era: “esqueça tudo, verga-te sobre ele; leve-o para o hospital; e ainda deixe, adiantado, algum dinheiro para pagar os gastos”.
Seu sonho era que Deus não fosse sentido como um juiz implacável. Nem como um senhor onipotente. Mas como um pai, melhor ainda, como um paizinho (Abba). Tão terno e misericordioso que tivesse as características das mães. Deus, pai e mãe, não apenas dos bons, mas de toda humana criatura. Também dos “ingratos e maus”. Para o filho perdido na devassidão, o filho pródigo, se mostrava como pai miseicordioso e para a ovelha tresmalhada, pastor solícito.
Para todo o pecado, oferecia perdão. Para ele o ser humano é sempre resgatável.
Não era um asceta como os monges do deserto. Aceitava prazerosamente comer e beber com quem o convidasse como Zaqueu. Numa festa de casamento, ficou penalizado ao perceber que estava faltando vinho. Sua mãe já o alertara para o problema. Fez um dos maiores milagres de sua vida: transformou água em vinho e não vinho em água. Para que a festa se desenrolasse alegre até de madrugada. Não admira que pessoas invejosas de sua liberdade o chamassem de comilão, de beberão e de amigo de gente de má companhia.
Esse era o seu sonho, a sua utopia, a sua lenda pessoal: o Reino de Deus. Mas era um Reino sem rei, só de servos-irmãos e irmãs que se serviam uns aos outros. Mas para que esse seu Reino-serviço fosse verdadeiro, deveria começar bem lá em baixo, do fundo do inferno humano. Devia iniciar a partir dos invisíveis, pobres, oprimidos e pecadores. Se não começasse por eles, não seria para todos. Somente a partir dos últimos, os outros, os antepenúltimos e todos os demais até os primeiros podem ser incluídos. Por isso, gostava de dizer: “Felizes de vocês pobres! De vocês é o Reino de Deus”. Quer dizer: vocês serão os primeiros beneficiários do Reino de justiça, de bem-querença e de intimidade com o Pai e Mãe de infinita ternura!”
Como se depreende,esse Reino significa uma revoluçãoo absoluta: da criação inteira, finalmente, resgatada e reconciliada e das dimensões cósmicas, sociais, pessoais e espirituais. Tudo vai ser renovado, não sem a participação humana, pois com Deus nada é mecânico, mas tudo é participativo.
Sonho que se sonha só é pura ilusão. Por isso queria sonhar com outros. Reuniu um grupinho de doze ao seu redor: todos entusiastas mas sem grande consistência. Havia um outro grupo maior, de setenta e dois, que acreditavam nele mas com muitas reticências. Só o grupo das mulheres era fiel. Elas também o seguiam. Diz-se que Maria de Magdala tinha uma relação especial com ele. Elas o sustentavam generosamente e nunca o traíram, coisa que não aconteceu com os homens.
Sua primeira palavra foi cheia de força convocatória: “Gente, o tempo da espera expirou. O sonho vai se realizar! Acreditem nessa boa notícia. Vai ser uma grande alegria para todo o povo. 


...Mudem de vida. E comecem a realizar o sonho, lá onde estiverem. Caso contrário ele nunca vai acontecer”!
Todo visionário sofre. A realidade resiste ao sonho. As pessoas não gostam de mudar. E quando pressionadas, reagem com violência. Quanto de humanidade aguenta o ser humano?...






Armou-se um complô contra o sonhador de Nazaré. Velhos inimigos, Anás e Caifás, esqueceram suas desavenças para estarem juntos contra ele. O poder religioso – levitas e fariseus – se uniu ao poder político – saduceus e herodianos. As forças nacionais na pessoa de Herodes, se articularam com as forças romanas, imperiais, representadas por Pôncio Pilatos. Por fim, até o poder popular foi manipulado contra ele. Todos gritavam: “Fora com ele! Crucifiquem-no!” E foi crucificado. Morreu atirando um brado desesperado ao céu: “Pai, Pai, por que me abandonaste”?
E Deus que sempre escuta o grito do oprimido, atendeu ao grito do Crucificado. Disseram umas mulheres, três dias após ao seu sepultamento: “Ele está vivo, ele ressuscitou”!
Ressuscitou não no modo de Lázaro que foi apenas a reanimação de seu cadáver. Ressuscitou transfigurando a vida. Todas as potencialidades escondidas nelas desabrocharam totalmente. O que estava latente se tornou patente. Irrompeu o homem novo com um tipo de vida absolutamente nova, na qual o corpo assume as características do espírito e o espírito as características do corpo.
Ocorreu uma revolução na evolução. O que iria irromper no termo do processo evolucionário é agora antecipado. O fim bom do universo se mostra numa miniatura: na pessoa do Ressuscitado.
Este evento de infinita alegria e de total novidade foi testemunhado, em primeiro lugar, pelas mulheres, exatamente, porque elas nunca o traíram e lhe foram sempre fiéis. Elas o anunciaram aos apóstolos. Fizeram-se as apóstolas para os apóstolos. Só depois começam eles também a testemunhar a ressurreição.
Por isso os cristãos não celebram a memória de um passado mas o júbilo de uma presença, a do Ressusitado. A partir de agora a alternativa humana é essa: ou vida ou ressurreição.
À base da experiência das mulheres, os seguidores começaram a refletir e a reler toda sua vida e sua gesta passada. E concluiram: humano assim como esse homem só podia ser Deus mesmo. E começaram a chamá-lo de Filho do Homem, de Filho de Deus, por fim, de Deus mesmo encarnado em nossa miséria. Oh suprema ousadia da fé.
De onde ele vinha? Ninguém sabia dizer exatamente. De Nazaré? Mas este lugar não consta nas Escrituras do Antigo Testamento. Poderia vir alguma coisa boa de um lugar assim desconhecido? Quem era ele? Como se chamava?
Jesus de Nazaré é seu nome, filho de Maria cujo esposo era José.
Depois de termos dito tudo o que dissemos acima, qualquer semelhança com ele, Jesus, é pura coincidência.
Leonardo Boff escreveu Jesus Cristo Libertador, Vozes.

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