domingo, 12 de setembro de 2010

...O cancro da mentira e o mal da idolatria....

ELOGIO DO BELO

- Como falava Zaratustra –
(Capítulo que Nietzsche não escreveu)

Nasci para viver solitário, abismado
Na própria vastidão do meu ser tão profundo
Como o espaço sem termo, ou como o mar sem fundo,
Estranho à imperfeição de que vivo cercado.

Meu sonho superior é corcel galopando
Através de vergéis de outrem desconhecidos,
Que vai, galhardamente infrene, desbravando,
Para serem depois por outros percorridos.

Eu sou o portador das verdades futuras,
E o que ensino há de ser somente percebido
Por quem for superior, e tiver pressentido
A nuvem que inda vai se adensar nas alturas.

Sacerdote do Belo – eu prego a teologia
Que há de um dia remir a humanidade nova
E reduzir a pó na escuridão da cova
O cancro da mentira e o mal da idolatria.


Pode o mundo chamar-me gênio ou visionário,
Eu lhe desprezo altivo o louvor e a censura:
O mundo chamou louco o Mártir do Calvário,
E a alma branca de Buda ele acusou de impura.

Rodeado de silêncio, em paz com a Natureza,
Entronizado aqui, nesta grimpa de serra,
Desprezo como um Deus as misérias da terra,
Vivendo para o ideal da suprema Beleza.

A Religião do Amor que até nos dominou,
Perdeu todo o perfume – é flor emurchecida,
Porque o Amor é somente a beleza da vida
E é mais nobre adorar-se a vida que o gerou...

Mas se a vida é a Beleza e a razão do Universo,
E o Universo a Beleza extrema da Harmonia,
Que fique – único Deus – no altar-mor do meu verso
O Belo – o grande Sol que a minh’arte alumia.

Ele é o princípio e o fim de tudo – a idéia-máter
Da qual as outros são corolários e ornato:
O Bem é simplesmente a beleza dos atos
E a Verdade a Beleza e a glória do caráter.

Quem o ama em qualquer aspecto da existência:
Na cor, no som, na luz, numa ave ou numa rosa,
No íris, no mar, no sol, numa mulher formosa,
Pratica a religião do Deus por excelência.

Homem! Queres um Deus? crê no Belo e terás
O Deus que aperfeiçoa e purifica e ilustra,
E por ele, glorioso, um dia atingirás
O grau de perfeição que atingiu Zaratustra.

Nogueira Tapety
Oeiras – agosto - 1916

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