segunda-feira, 13 de setembro de 2010

SOCIEDADE JUSTA RESPEITA AS DIFERENÇAS

68% da população Oeirenseé NEGRA. SOMOS 93% NEGROS

Terça-feira, 19 de Junho de 2007
DO ESCRAVISMO NO BRASIL
Artigo publicado no blog IDEÁRIO OEIRENSE.
Josevita Tapety

Clóvis Moura é um dos mais importantes intelectuais negros deste nosso pai, falecido em 23 de dezembro de 1999. Em 1959 publicou Rebeliões da Senzala, sua principal obra.


Clóvis Steiger de Assis Moura nasceu em 1925, em Amarante, no Piauí. Ingressou no PCB nos anos 1940, trabalhando como jornalista na Bahia e São Paulo. Foi um dos raros intelectuais que acompanhou o PC do B na ruptura de 1962. Nos anos 1970, destacou-se pela militância junto ao movimento negro brasileiro.


Em 1948, aos 23 anos, o sociólogo Clóvis Moura empreendeu pesquisa sobre a luta dos trabalhadores escravizados. Apesar de concluir o trabalho em 1952, e de ter acesso direto à principal editora de esquerda da época.

Rebeliões da senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas foi lançado apenas em 1959, pelas Edições Zumbi, micro-editora fundada por militante comunista para publicar obras rejeitadas pela Editora Vitória, do PCB. Propunha o caráter dominante da escravidão, assinalando que, “do ponto de vista sociológico”, a instituição dividira “a sociedade colonial em duas classes fundamentais e antagônicas", a dos senhores, "ligados economicamente à Metrópole" e a da "massa escrava", formada pela "maioria da população", que "produzia toda [sic] a riqueza social”.


Quando Clóvis Moura começou a escrever seu Rebeliões da Senzala, em 1949, o historiador Caio Prado Jr., então considerado o principal historiador marxista do Brasil, aconselhou-o a desistir da empreitada. Ele dizia que a passividade teria sido o elemento característico do comportamento do escravo no Brasil em conseqüência, não teria havido aqui um processo de luta de classes digno de nota entre senhores e escravos.

Caio Prado endossava, assim, um dos mitos mais caros da historiografia tradicional brasileira, o da passividade do escravo e da benignidade da escravidão em nosso País. E ilustrava, assim, a influência e persistência dessas idéias tradicionais, presentes mesmo no pensamento historiográfico avançado de um teórico do seu porte. Neste quase meio século que se passaram desde então, a obra de Clóvis Moura tem sido um corpo a corpo permanente com a mitologia forjada pelas correntes dominantes para adocicar o relato do drama histórico vivido por nosso povo.


Num País que, como o nosso, teve quatro quintos de sua história vividos sob o sistema escravista, a compreensão em profundidade de sua trajetória implica em, necessariamente, esmiuçar os segredos do escravismo, resgatar as lutas escravas contra esse sistema opressivo, rastrear nesse passado conflituoso as raízes dos dramas que o povo e a nação brasileira vivem em nosso tempo. Afinal, as marcas desse passado escravista e colonial estão ainda vivas nas instituições políticas brasileiras; na forma de organização da produção material; na maneira como nós, brasileiros, nos relacionamos entre nós e com o mundo.


O texto aqui transcrio é um extrato de seu último livro, Dialética Radical do Brasil Negro, publicado pela Editora Anita.


“Quando falamos de um sistema classificatório racial no Brasil, subordinado a uma escala de valores racistas, evidentemente não nos referimos a um código elaborado e institucionalizado legalmente. Assim como nunca elaboramos um Código Negro que regulamentasse as relações entre os senhores e os escravos, também não tivemos um tipo apartheid da África do Sul ou uma Jim Crow dos Estados Unidos. Da mesma forma como a Constituição do Império omitiu a existência da escravidão e o jurista Teixeira de Freitas tenha se recusado a colocá-la quando redigiu o projeto do Código Civil do Império, assim também esse sistema classificatório racista não foi codificado e institucionalizado, embora tenha atuado dinamicamente durante quase quinhentos anos. Pelo contrário. Enquanto as elites dominantes, suas estruturas de poder e elites deliberantes aplicavam essa estratégia discriminatória, através de uma série de táticas funcionando em diversos níveis e graus da estrutura, elaboraram, em contrapartida, como mecanismo de defesa ideológica a filosofia do branqueamento espontâneo via miscigenação e como complemento apresentavam-nos como o laboratório piloto da confraternização racial, cujo exemplo deveria ser seguido pelos demais países poliétnicos. Essa dupla face do comportamento das estruturas de poder racistas do Brasil será o que iremos abordar na conclusão deste capítulo.


Podemos dizer, em primeiro lugar, que no Brasil esse problema (relacionamento interétnico) foi conduzido em relação ao índio e ao negro de forma diferenciada, mas com o mesmo conteúdo de destruição da consciência étnica e cultural de ambos.


Em relação ao índio, primeiro houve a fase genocídica de ocupação da terra e da destruição de milhares dos seus membros. Depois, a fase da cristianização, da catequese, da chamada evangelização, ou seja, da destruição das suas religiões e de sanções àqueles que não aceitassem submissamente a religião do colonizador que exercia nesse contexto o papel de bloco ideológico do Poder. 1


Em segundo lugar, foi a invasão das suas terras em ritmo rápido e violento no início, e, depois, lenta e constante, a destruição daquelas tribos que ainda resistiam à integração, situação que perdura até hoje. Criou-se o Estatuto do índio no qual os seus direitos foram regulados pelos brancos, sem que eles pudessem intervir como agente social e cultural dinâmico. 2 Mas, de qualquer forma, os remanescentes dos povos indígenas não perderam totalmente a sua identidade, a territorialidade em parte. Com isto, têm pólos de apoio que facilitam uma articulação de resistência, pois até onde têm os seus direitos outorgados pelos bancos e aquilo a que têm direito legitimamente. A desigualdade entre o índio e o chamado homem branco iguala e une os índios na sua luta pela demarcação das suas terras (territorialidade) na luta contra a invasão das mesmas e procuram igualar-se em termos de cidadania. Com isso a sua consciência étnica mantém a sua identidade que dinamiza no processo de resistência pelos seus direitos diferenciados porque foram-lhe fixados de for a, mas persiste a memória ancestral coletiva.


Com o Negro, porém, a situação é diferente e as estratégias montadas foram mais sofisticadas e eficientes. O racismo tem outra tática para com ele. Em primeiro lugar, o negro é considerado cidadão com os mesmos direitos e deveres dos demais. No entanto, o que aconteceu historicamente desmente este mito. Trazido como escravo, tiram-lhe de forma definitiva a territorialidade, frustraram completamente a sua personalidade, fizeram-no falar outra língua, esquecer as sua linhagens, sua família foi fragmentada e/ou dissolvida, os seus rituais religiosos e iniciáticos tribais se desarticularam, o seu sistema de parentesco completamente impedido de ser exercido, e, com isto, fizeram-no perder, total ou parcialmente, mas de qualquer forma significativamente, a sua ancestralidade.


Além do mais, após 13 de Maio e o sistema de marginalização social que se seguiu, colocaram-no como igual perante a lei, com se no seu cotidiano da sociedade competitiva (capitalismo dependente) que se criou esse princípio ou norma não passasse de um mito protetor para esconder as desigualdades sociais, econômicas e étnicas.


O negro foi obrigado a disputar a sobrevivência social, cultural e mesmo biológica em uma sociedade secularmente racista, na qual as técnicas de seleção profissional, cultural e política e étnica são feitas para que ele permaneça imobilizado nas camadas mais oprimidas, exploradoras e subalternizadas.

Podemos dizer que os problemas da raça e classe se imbricam nesse processo de competição do Negro pois o interesse das classes dominantes é vê-lo marginalizado para baixar os salários dos trabalhadores no seu conjunto.3 O racismo brasileiro, como vemos, na sua estratégia e nas sua táticas age sem demonstrar a sua rigidez, não aparece à luz, é ambíguo, meloso, pegajoso mas altamente eficiente nos seus objetivos.


E por que isso acontece? Porque podemos ter democracia racial em um país não se tem plena e completa democracia social, política, econômica social e cultural. Um país que tem na sua estrutura social vestígios do sistema escravista, com uma concentração fundiária e de renda das maiores do mundo; governado por oligarquias regionais retrógradas e broncas; um país no qual a concentração de renda exclui total ou parcialmente 80% da sua população da possibilidade de usufruir um padrão de vida decente; que tem 30 milhões de menores abandonados, carentes ou criminalizados não pode ser uma democracia racial.


Quando democratizamos, realmente, a sociedade brasileira nas suas relações de produção, quando os pólos do poder forem descentralizados através da fragmentação da grande propriedade fundiária e o povo puder participar desse poder, quando construirmos um sistema de produção para o povo consumir e não para exportar, finalmente, quando sairmos de uma sociedade selvagem de competição e conflito, e criarmos uma sociedade de planejamento e cooperação, então, teremos aquela democracia racial pela qual todos almejamos.



 



Notas

1. Sobre a situação atual do índio ver: CUNHA, Manuela Carneiro da. Os direitos do Índio. Editora Brasiliense, SP, 1987, passim.

2. Cf. HASELBAG, Carlos. Discriminação e Desigualdade Raciais no Brasil.Rditora Graal, RJ, 1979

3. Sobre a existência e as estratégicas ideológicas do racismo brasileiro, negando ou constatando-o em vários abordagens e conclusões, consulte-se fundamentalmente: (seguem no livro 52 referências bibliográficas)

Arquivado em: brasil, clóvis moura, esravismo, negro, oeiras

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